Nos movimentos que ganharam as ruas nos últimos dias, a imensa maioria era de manifestantes pacíficos que empunhavam cartazes com palavras de ordem e pregavam “sem violência”. Mas bandos pequenos, dispostos a promover a quebradeira e o vandalismo por onde passavam, misturaram-se a eles. Na quinta-feira 20, nem o belo Palácio do Itamaraty, em Brasília, uma das obras-primas do arquiteto Oscar Niemeyer, foi poupado. Baderneiros ocuparam as rampas, lançaram objetos contra a fachada de vidro do palácio, fizeram fogueiras, subiram na escultura meteoro, de Bruno Giorgi, e pressionaram para entrar. Quase 30 pessoas ficaram feridas. Cenas de brutalidade de minorias como essa se repetiram por todo o País. A cidade do Rio de Janeiro contabiliza os prejuízos após o protesto que reuniu 100 mil na segunda-feira 17 nas proximidades da Assembleia Legislativa. Um grupelho de mascarados alvejou a construção centenária com pedras e bombas caseiras, deixando um rastro de destruição avaliado em R$ 2 milhões. No dia seguinte, São Paulo foi alvo da ação dos vândalos e ladrões que tentaram depredar a prefeitura, picharam o prédio histórico do Theatro Municipal e saquearam lojas. Nas grandes manifestações pelo Brasil na quinta-feira 20, ônibus, agências bancárias e prédios públicos foram destruídos em várias capitais. Dezenas de pessoas foram atendidas em hospitais. Mais impactantes que as caminhadas ordeiras, as cenas de confrontos, fogo e depredação, sempre no fim de atos com tom pacífico, correram o mundo. Apesar dos arruaceiros, porém, não é essa a imagem que vai ficar dos protestos, mas sim a do repúdio dos manifestantes à minoria violenta. No centro de São Paulo, por exemplo, a ala pacífica chegou a formar um cordão humano para proteger os policiais que guardavam a prefeitura dos vândalos.

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As manifestações contra o aumento das tarifas de ônibus e metrô, que começaram diminutas em São Paulo há duas semanas, ganharam impulso e solidariedade de outros municípios após a ação truculenta da polícia paulista. A população da metrópole passou a aceitar conviver com passeatas quase diárias, que complicavam ainda mais o caótico trânsito, em nome de uma bandeira considerada justa. Mas nenhuma cidade brasileira irá aceitar a ação de grupos interessados apenas em instaurar a balbúrdia e espalhar o caos. A sociedade civilizada não permite isso. E incendiar ônibus e quebrar estações de metrô não interessa a quem efetivamente depende do transporte público. Cabe ao Movimento Passe Livre, catalisador das manifestações, ir além da burocrática declaração de que não consegue controlar a multidão e pensar numa estratégia para expurgar essas pessoas dos protestos.

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Entre os vândalos, há de anarquistas a ladrões que se aproveitam do caos. Grupos de extrema esquerda ou direita que se infiltram com os objetivos mais escusos. Isso ocorre no mundo todo. Durante protestos no Egito, foram roubadas obras valiosíssimas do Museu do Cairo, por exemplo. O problema é que, nos episódios recentes no Brasil, os policiais demoraram a agir, dentro do respeito à legislação, contra esses arruaceiros. Eles eram facilmente identificáveis por intermédio de fotos e vídeos transmitidos pela internet e pela tevê. Para o professor de história da Universidade Federal do Rio de Janeiro Francisco Carlos Teixeira, um dos maiores problemas é o despreparo da polícia brasileira na mediação de conflitos. “Nos últimos acontecimentos, ela passou da brutalidade para a omissão, sem considerar o meio-termo”, diz, lembrando a transição de conduta – das balas de borracha do início aos braços cruzados diante do quebra-quebra no centro de São Paulo. “Ambas as atitudes desmoralizam o Estado.”

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Falta também planejamento, segundo o especialista em segurança pública Robson Sávio, professor de estudos sociopolíticos da Universidade Federal de Minas Gerais. Não basta aumentar o efetivo policial nas ruas. Medidas simples de prevenção evitariam prejuízos maiores. O serviço de inteligência poderia se antecipar às manifestações, indicando e preparando os locais que servirão como ponto de encontro ou passagem. No Carnaval, por exemplo, o Rio de Janeiro preserva as fachadas de prédios históricos com tapumes. Se for necessária a intervenção da Tropa de Choque, que ela imponha sua autoridade apenas batendo cassetetes em escudos, sem atirar bombas de gás lacrimogêneo ou balas de borracha de forma indiscriminada, o que contraria normas e procedimentos internacionais (leia mais na pág. 86). “Em vez de criar grupos de repressão, a polícia deveria formar agentes para a mediação de conflitos”, afirma. “Sair da postura reativa e partir para o diálogo.” Diálogo entre todas as forças policiais para alinhar os protocolos de ação e com as lideranças do movimento para identificar os criminosos, separando-os da massa pacífica.

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Amanhã há de ser outro dia…

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AVENIDA PAULISTA, São Paulo, noite da segunda-feira 17

A partir da segunda-feira 24 a passagem de ônibus e metrô de São Paulo volta a custar R$ 3. Em outras 13 capitais e dezenas de cidades espalhadas pelo Brasil o preço do transporte público já não estará tão caro como queriam as autoridades. No Rio, a tarifa baixou para R$ 2,75 na quinta-feira 20. Ao contrário do que havia sido previsto, nesta semana o Congresso não discutirá camisas de força para as investigações do Ministério Público. E daqui para a frente, qualquer decisão política tomada sem preocupação com a opinião pública rumará inevitavelmente para o fracasso. Tudo isso porque o brasileiro, sem que ninguém tivesse profetizado, mostrou sua cara e fez ouvir sua voz pelas ruas do País. Essa gente que se impôs como protagonista da história aponta para um novo amanhã.

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Fotos: ANDRE DUSEK/ESTADãO; Fabio Braga,Leandro Moraes/Folhapress; Christophe Simon/AFP Photo; Wesley Santos/Ag. Globo; Warley Leite/Folhapress


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