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DIFERENÇA Ao contrário de Frei Piñera é mais afinado com o desejo de mudança

No Chile, as eleições são tão diferentes que até espantam quem assiste ao processo eleitoral daquele país pela primeira vez. No domingo 13, enquanto o país andino esperava pela votação dos 8,2 milhões de eleitores para presidente da República e Câmara dos Deputados, as largas ruas de Santiago amanheceram limpas, vazias e calmas. Os chilenos não saíram às ruas com camisas de partidos, bandeiras, broches ou faixas. Não havia ninguém distribuindo “santinho” nem pichações nos muros. Ao falar de política, a população mantinha discrição. Em outro país, tudo isso poderia sugerir pouco-caso com o pleito. Mas não houve indiferença. A eleição chilena registrou uma das menores abstenções da história: 13,9%. Outra diferença importante é que, na contramão do que tem ocorrido em toda a América do Sul, o Partido Socialista está ameaçado pelo favoritismo da oposição. Sebastián Piñera, empresário bilionário, é o favorito à sucessão da presidente Michelle Bachelet, sustentada pela aliança Concertación. Ele venceu o primeiro turno com 44,05% dos votos válidos e um discurso de mudança pouco claro. O curioso é que Michelle tem 79% de popularidade e pôs todo o seu carisma a serviço da campanha de Eduardo Frei, adversário de Piñera, que obteve 29,6% dos votos, quase metade dos eleitores que teve em 1993, quando se elegeu presidente. Cientistas políticos chilenos e coordenadores de campanha do próprio Frei se assustaram com a diferença de um milhão de votos, a qual consideram difícil de ser recuperada. “Há uma distância quase impossível de retomar”, afirma o analista político do Instituto Libertad, José Miguel Izquierdo. “Virão dias de trabalho muito intensos”, disse Michelle ao se ver obrigada a ceder a porta-voz do governo, Carolina Tohá, para reforçar a campanha de Frei.

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“É um retrocesso entregar o Chile à crueldade do mercado”
Eduardo Frei

Se Piñera vencer, será a primeira vez desde o fim da ditadura militar que as forças tidas como conservadoras governarão o Chile, alijando do poder a Concertación. A conta que se faz na ala governista é que, ao somar o 1,3 milhão de votos que o deputado Marco Enríquez Ominami, candidato independente, recebeu com os de Piñera, o resultado mostra que quase dois terços da população quer mudanças. Outro exemplo foi a renovação de 41% da Câmara e a vitória histórica dos aliados de Piñera no Senado. “Essa é a eleição mais dura da nossa história”, diz o senador reeleito Andrés Zaldívar, conhecido como “El Chico” e líder democrata-cristão.

“Serei o presidente dos desempregados, dos doentes e dos idosos”
Sebastián Piñera

Piñera sabe que nunca esteve tão perto do Palácio de La Moneda. Na última eleição, ele penava pela falta de carisma na televisão, mas aprendeu a falar com desenvoltura a seu público. Sem grandes propostas transformadoras, apelou para o segmento jovem e tratou de temas tabus, num país onde 70% da população é católica e a linha de maior influência na política e na academia é a da conservadora Opus Dei. Ao contrário de Frei, Piñera distribuiu pílulas do dia seguinte dizendo: “Tenho a íntima convicção de que não é abortiva.” O empresário se mostrou contra o aborto, enquanto Frei se revelou a favor da interrupção da gravidez em casos excepcionais, como o de estupro. Piñera não é a favor nem contra o homossexualismo, muito pelo contrário. Num dos filmes de campanha, exibiu um casal de lésbicas se beijando. Se eleito, prometeu ele, apoiará a criação de direitos para os casais de mesmo sexo e terá homossexuais entre seus principais assessores. Mas não aprovará o casamento gay. Outra medida popular foi se mostrar a favor da lei do divórcio. E para não atacar diretamente Michelle, Piñera criou o slogan “uma nova forma de governar”.

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MICHELLE Aprovação de 79% não virou votos no primeiro turno

Já a Concertación tem feridas internas para curar. A esquerda teve três candidatos: Frei, Ominami e o ex-ministro socialista Jorge Arrate.
Frei tentará polarizar a eleição entre os programas sociais do governo e a crítica da oposição. Já Piñera – que é dono da companhia aérea LAN, do canal de televisão Chilevisión e do time de futebol Coco-Colo – diz que na América do Sul há dois modelos: “Um deles é dirigido por pessoas como (Hugo) Chávez na Venezuela, outro por governantes como (Felipe) Calderón no México e Lula no Brasil. Acho que o segundo modelo é o melhor para o Chile.” Qualquer que seja o resultado das urnas, o próximo presidente do Chile só tomará posse no dia 11 de março de 2010. Mais uma diferença que torna a eleição chilena uma das mais peculiares do continente.

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