Nos anos da ditadura, quando só era possível valer-se da alegoria para tratar da realidade social, o autor Dias Gomes usou e abusou do realismo fantástico na novela “Saramandaia”, grande momento da programação da Rede Globo.

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UMA TELA DE BOTERO
Vera Holtz vive a nova Dona Redonda:
250 quilos e muitos truques

Seu propósito era mostrar a intolerância ao diferente por meio de personagens com um pé no absurdo: gente que põe formigas pelo nariz, fica literalmente com o coração na boca, provoca incêndio onde toca, transforma-se em lobo ou nasceu com asas, cura planta com lágrimas e infla-se de tanto comer. Tudo isso demandava efeitos especiais que, devido às limitações da época, eram mais sugeridos que realistas. Na segunda-feira 24, às 23h, estreia na mesma Rede Globo um remake da novela em que os truques foram melhorados com sofisticados recursos digitais. Para começar, a cidade Bole-Bole, onde vivem essas pessoas, é totalmente virtual – e seria mesmo impossível encontrar um lugar que ficasse, a um só tempo, no topo de uma colina e pertinho de uma praia. “Todos os planos gerais da cidade foram gerados em computador. Essa é a primeira vez que criamos um universo virtual inteiro”, afirma Fabrício Mamberti, diretor-geral da trama, que coordena uma equipe de mais de 100 técnicos.

Como a maioria dos efeitos é inserida posteriormente às cenas rodadas, o trabalho é dobrado. Normalmente, são necessárias duas semanas para finalizar um capítulo e, até agora, estão gravados 20 dos 57 previstos. Para facilitar a vida do elenco, está sendo usada a tecnologia de pré-visualização. Ela permite ao ator (que atua diante de um fundo verde) se posicionar no cenário virtual. A caracterização de todo o primeiro time de personagens também necessita de alguma mágica digital, que eliminou deficiências da versão antiga. No original de 1976, Wilza Carla interpretou Dona Redonda, que pesa 250 quilos. Como a atriz já era obesa, usava apenas vestidos largos sobrepostos.

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Na nova versão, a enxuta Vera Holtz vira uma imensa mulher graças ao uso de próteses de silicone e de uma técnica de maquiagem comum em Hollywood.

Para realizá-la no Brasil, o premiado diretor britânico Mark Coulier, ganhador do Oscar por “A Dama de Ferro”, sobre Margaret Thatcher, realizou um workshop para os técnicos e ensinou como conseguir uma textura de pele que pareça real e resista às altas temperaturas tropicais. O método foi usado em Vera Holtz. “É um processo bastante complicado.

A prótese é feita em seis partes diferentes e o tempo máximo de gravação é de apenas três horas. Caso contrário, ela pode passar mal dentro da roupa”, diz Mamberti.

A atriz mostra-se paciente: “Levo cinco horas para me arrumar e demoro pelo menos uma para tirar tudo. A roupa tem um sistema de refrigeração para que eu não morra de calor”. No caso do personagem de Gabriel Braga Nunes, o Professor Aristóbulo, que vira lobisomem, o processo é ainda mais incômodo. “A prótese do nariz e a da orelha precisam de um tratamento especial da pele para permitir close no sistema HD”, diz ele, que também consome cinco horas no processo de transformação. “A cada 30 minutos, preciso tirar as próteses dos braços para deixá-los transpirar”, afirma.

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Para o bom resultado desses truques, Vera, Nunes e Sérgio Guizé, intérprete do João Gibão, um homem que tem asas e as esconde no dia a dia, foram ao Institute for Creative Technologies, da Universidade do Sul da Califórnia, nos EUA, para uma fase curiosa dos efeitos especiais: escanear os próprios corpos. A tecnologia, ainda não disponível no Brasil, permite que os técnicos manipulem a aparência dos personagens nas cenas fantásticas. O uso de tantos recursos não encareceu a produção. O custo de um capítulo de “Saramandaia” está em torno de R$ 900 mil, o mesmo de “Gabriela”, que a antecedeu no horário. Segundo Ricardo Linhares, autor do remake, os personagens mágicos que mais deram trabalho foram Tibério Vilar (Tarcísio Meira), um homem com as raízes fincadas (de verdade) em casa, e Stela (Laura Neiva), uma mulher que é capaz de ressuscitar plantas mortas. “Foi difícil torná-los verossímeis”, diz.

O mesmo desafio, na opinião de Denise Saraceni, diretora de núcleo, foi dar vida a Cazuza, personagem de Marcos Palmeira, cujo coração sai pela boca em momentos de nervosismo. “Era preciso encontrar algo que parecesse real”, afirma ela. Para atualizar o enredo, que se passa nos dias de hoje, Linhares criou novos tipos e situações antes inexistentes. “Por ser ousada, a trama trouxe um amadurecimento grande em termos de tecnologia”, conta.

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Montagem sobre foto de Alex Carvalho/Rede Globo
Fotos: Estevam Avellar, Alex Carvalho, Raphael Dias – TV Globo; Divulgação