Lucian Freud: Corpos e Rostos/Masp, SP/ de 28/6 a 13/10

O século XX foi um período de intenso experimentalismo, quando artistas praticaram todas as formas de abstração, esquematização e conceituação da criação. Enquanto o mundo mudava, o pintor Lucian Freud permanecia meses diante de um mesmo retrato; décadas em torno de um mesmo assunto: o rosto e o corpo humano. Ativista veemente do figurativismo, em um contexto institucional que consagrava os abstracionismos (geométrico, lírico ou expressionista), Freud pintou pessoas que faziam parte de sua vida, cotidiana ou íntima, da rainha Elizabeth à dona do restaurante em que costumava almoçar em Londres. Retratou artistas, como o pintor David Hockney, filhos, netos, mulheres. E uma museóloga do Victoria and Albert Museum, que chegou a passar sete noites por semana, durante 18 meses, em companhia do olhar penetrante do neto de Sigmund Freud.

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INTENSIDADE EMOCIONAL
Autorretrato aos 74 anos (acima) e "Esther" (abaixo)

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Os resultados de algumas dessas longas sessões de observação estão em “Lucian Freud: Corpos e Rostos”, mostra com 44 gravuras e seis pinturas, em cartaz no Museu de Arte de São Paulo (Masp).

Modelos de Freud geralmente têm histórias para contar. Esse é o caso do crítico de arte Martin Gayford, que posou para Freud por 40 sessões e declarou que seu retrato pintado revelava todos os seus segredos: do envelhecimento, da feiura, de suas imperfeições. Essa convivência intensa, com resultados tão reveladores, comparáveis àqueles conquistados em processos terapêuticos, suscita a pergunta inevitável: que relação tem o engajamento de Lucian Freud à “verdade do modelo” com a psicanálise? “Insiste-se demais em relacioná-lo com seu famoso avô e a teoria da psicanálise. Se há algum sentido em fazer isso, cabe dizer que a persistência demonstrada por Lucian Freud na relação e no mergulho no interior e na superfície de seus temas e modelos foi visivelmente maior e mais intensa do que aquela demonstrada pelo outro Freud em relação a seus ‘modelos’ ”, afirma Teixeira Coelho, curador-coordenador do Masp e curador-colaborador da exposição, ao lado de Delphine Allier e Richard Riley, do British Council.

Mesmo obsessivo em relação aos detalhes da alma humana, expressos em cada ruga ou dobra de pele, Freud afirma que seu tema sempre foi autobiográfico. Conhecido pelas grossas camadas de tinta que formam traços delicados de personalidades conflituosas, o artista mostra nessa exposição que também sabe construir emoções com os sulcos e traços de uma obra gráfica expressiva.

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ANÔNIMOS
"Cabeça de Homem" está entre as representações de pessoas comuns

O retratista retratado

Como retratista que é, Lucian Freud realizou alguns autorretratos, em fases diferentes de seu trabalho. O Masp traz dois deles, feitos em água forte. O primeiro foi realizado na fase inicial da carreira, nos anos 1940, quando seus traços ainda refletiam a serenidade da juventude. O segundo, feito em 1996, aos 74 anos, expõe a gravidade com que o artista encarou a vida. Mas a exposição traz também outros 28 retratos fotográficos do artista e seus modelos no ateliê de Holland Park, em Londres, clicados por David Dawson, assistente de Freud por mais de 20 anos. “Ele gostava que seus modelos achassem seu jeito próprio de posar. Chegava-se a uma pose tentando várias posições, os membros mudavam de lugar e a cabeça era inclinada em um determinado ângulo até que Lucian via alguma coisa que não tinha visto antes”, escreve Dawson em texto publicado no catálogo da exposição.

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NO ATELIÊ
Lucian Freud (à dir.) em sessão de retrato do pintor
David Hockney, fotografia de David Dawson

Fotos: Divulgação e David Dawson