Déficit de energia já não é um risco, mas uma certeza. O governo começa o racionamento nos primeiros dias de abril determinando uma meta de redução de consumo de 10% para os órgãos públicos, enquanto planeja como impor um corte de 15% no consumo total.

O problema poderia ter sido evitado. Já em 1999, os técnicos avisaram: mesmo com clima normal e cumprimento à risca do cronograma de investimento do plano de dez anos da Eletrobras, o risco de déficit seria de 10% em 2000. Se nada fosse feito, só tenderia a aumentar nos anos seguintes. Pois nada foi feito, e São Pedro, talvez indignado com o desmatamento e o efeito estufa, recusou-se a colaborar. Em abril de 1999, os reservatórios estavam a 70% da capacidade; um ano depois, caíram para 59,6%; e, hoje, estão em 34,6%.

O Estado da Califórnia, o mais rico dos EUA, enfrenta o mesmo problema. Foram impostas multas de US$ 1 mil para negócios que não reduzirem a iluminação externa fora do horário comercial. Apagões rotativos cortam a energia em bairros selecionados, afetando semáforos, gerando o caos no trânsito e forçando lojas a fechar as portas para evitar roubos. Em 28 de março, para salvar as distribuidoras à beira da falência – pois as geradoras do Texas, aproveitando-se da situação, cobram tarifas 30 vezes acima do normal –, o governo californiano aprovou um aumento equivalente a R$ 0,065 por quilowatt-hora (kWh). A tarifa residencial subiu para R$ 0,33 (a de São Paulo é de R$ 0,18, sem incluir o ICMS) e empresas tiveram um aumento de 6% em seus custos. Não basta: para atender a chantagem das geradoras, será preciso chegar a R$ 0,55 por kWh.

Para o economista americano Phil Verleger, “os Estados Unidos procedem como um país de Terceiro Mundo. Nossas firmas e consumidores compram as mais recentes engenhocas tecnológicas sem se preocupar em construir a infra-estrutura necessária”. Lá, como aqui, a crise foi prevista e surgiu de uma desregulamentação mal costurada. Na Califórnia, acreditava-se piamente que a livre concorrência seria melhor que o planejamento como garantia de geração mais abundante e barata, mas as geradoras não acharam o mercado suficientemente atraente para justificar investimentos, até que a situação se tornou crítica para a distribuição, que, monopolista por natureza, continuou sujeita a controles de preços.

No Brasil, o governo já privatizou a maior parte do setor elétrico – boa parte para o capital estrangeiro –, mas recusou-se a definir o modelo de concorrência a longo prazo e a atender a exigência dos investidores transnacionais de tarifas reajustadas pelo câmbio, que protejam seu retorno das fragilidades do real. Como na Califórnia, eles se limitaram a administrar a infra-estrutura já existente e a adiar a construção das prometidas termelétricas a gás até a crise explodir.

A Califórnia ainda pode comprar energia de outros Estados a preços extorsivos, mas nossos vizinhos – Paraguai, Argentina e Venezuela – pouco podem fazer para amenizar nosso problema. Nossa conta virá na forma de prejuízos resultantes da interrupção de atividades por falta de energia. Segundo a Eletrobras, o custo de um déficit de 10% a 20% é da ordem de US$ 1 por kWh – quase 17 vezes o custo médio normal da energia.