A largada das Ferraris, MacLarens, Williams e outras máquinas da Fórmula 1 no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, na tarde de domingo, 1º de abril, será um marco na história do circuito brasileiro de automobilismo. Depois do sinal verde, os pilotos, com seus carros e motores possantes, irão queimar pneus em busca de uma vitória na edição número 30 do GP Brasil, uma prova da mais nobre e concorrida categoria do automobilismo mundial. Nestes anos, a etapa no Brasil firmou-se como um pilar importante de um campeonato disputado e administrado por pessoas normalmente pouco dispostas a marcar posições fora dos circuitos europeus. O número de corridas realizadas no País já é maior que as provas ocorridas na Áustria, no Japão, na Austrália e na Malásia, todos integrantes da temporada de 2001.

Os amantes brasileiros da F-1 colecionam episódios emocionantes e histórias curiosas nesta sequência de disputas iniciada com o grande prêmio experimental de 1972. Apesar de não ter contado ponto para o campeonato, esta prova, vencida pelo argentino Carlos Reutemann, hoje governador da Província de Santa Fé, foi rica em episódios marcantes. Três dos 11 carros que largaram deixaram a prova logo no início. O brasileiro Emerson Fittipaldi liderava com segurança, exibindo o repertório de recursos técnicos que começava a impressionar os especialistas. Pouco depois da metade da prova, a suspensão de seu carro quebrou. “O carro saiu totalmente do meu controle e rodou”, lembra o piloto (leia entrevista à pág. 40). Emerson entrou com o carro de ré, a quase 200 quilômetros por hora, em um trecho da pista com vários boxes dos dois lados, mas conseguiu parar o carro sem bater. “A única coisa que me restou foi colocar o pé no freio. Quando deixei o carro, com as pernas trêmulas, as pessoas disseram: ‘Que manobra sensacional, que controle espantoso’. O susto foi tão grande que só consegui achar graça da situação à noite”, completa Emerson.

Frustração – Reutemann ganhou a primeira disputa e mais três corridas no Brasil, nos anos de 1977, 1978 e 1981. As duas últimas foram em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, que abrigou dez das provas realizadas por aqui (leia quadro). A frustração de Emerson por não ter chegado ao topo do pódio na primeira corrida realizada em seu país teve compensação no final, com o título. Até hoje, é o mais novo de todos os campeões da Fórmula 1. Conquistou a temporada de 1972 com 25 anos e 273 dias. Em 1973, no primeiro GP Brasil oficial, o brasileiro venceu em casa, mas o título do campeonato ficou com o escocês Jack Stewart. No ano seguinte, Emerson fez a temporada ideal: venceu a corrida brasileira e conquistou o campeonato. Em 1975, com a Copersucar, chegou em segundo e dividiu o pódio com José Carlos Pace, numa dobradinha brasileira que emocionou o público que lotou as arquibancadas de Interlagos. Anos depois, Pace morreria em um acidente de avião. Emerson abriu mão de um tricampeonato mundial em prol da sua Copersucar, primeira e única tentativa de se formar uma escuderia brazuca. A idéia fracassou, apesar de ser patrocinada pelo governo.

As provas brasileiras serviram de palco para boa parte dos episódios clássicos ocorridos em 51 anos de história da F-1. O tricampeão Nelson Piquet, outro gênio das pistas, chegou a desmaiar no pódio em 1982, esgotado após a primeira de suas três vitórias. Apesar do esforço, perdeu os pontos. Os organizadores alegaram que o carro estava abaixo do limite de peso (leia entrevista à pág. 41). Outro tricampeão, o inesquecível Ayrton Senna, ganhou as provas de 1991 e 1993. A primeira conquista foi heróica. No meio da prova, ficou sem condições de encaixar a primeira e a segunda marchas. Algumas voltas depois, o câmbio passou a aceitar apenas a sexta. Ayrton foi obrigado a fazer um esforço quase sobre-humano para não deixar o carro apagar nas curvas de baixa, no asfalto molhado de Interlagos. Ganhou, mas teve espasmos musculares nos ombros e pescoço e não conseguiu sequer chegar ao box. Uma prova que consagrou também o talento e a precisão do tetracampeão francês Alain Prost, que recebeu o apelido de Rei do Rio ao conquistar cinco de suas seis corridas brasileiras no circuito de Jacarepaguá.

O Brasil lidera o ranking de títulos de pilotos na categoria, com oito conquistas. Em casa, os brasileiros ocuparam o ponto mais alto do pódio em oito ocasiões, incluindo na conta a vitória cassada de Piquet. Atualmente, o GP Brasil é organizado com o trabalho de 6.700 pessoas, entre elas 400 jornalistas estrangeiros e dois mil técnicos, pilotos, dirigentes e especialistas das equipes. Movimenta US$ 80 milhões, de acordo com os cálculos da Secretaria Municipal de Turismo. Mas sua fama não foi construída apenas com vitórias, emprego e dólares. Uma série de episódios saborosos contribuíram para aumentar o charme e a tradição da etapa brasileira. Um conhecido jornalista especializado em automobilismo lembra de um carro da equipe Shadow que foi roubado no boxe em pleno GP, na década de 70. “O sujeito parou uma kombi atrás do boxe, pegou o carro e ninguém notou nada de estranho”, conta o jornalista. “Depois, soubemos que a máquina serviu de inspiração para a criação de um carro que competiu na temporada brasileira de Super V”, completa ele.

Francisco Rosa, ex-administrador do circuito de Interlagos, hoje um dos principais assessores de Nelson Piquet, também costuma se divertir com algumas dessas histórias. Na década de 70, Rosa ajudou a organizar, na véspera do GP, uma prova com Fiats 147 recém-lançados pela montadora que patrocinava a prova. Trinta e cinco pára-brisas foram quebrados e os cacos espalharam-se pelo circuito. “Um diretor da Federação Internacional de Automobilismo (FIA) disse que se o vidro não fosse retirado suspenderia a corrida. Fui forçado a recrutar 24 caminhões-pipa das regionais de São Paulo e passar a noite lavando o circuito. Terminamos o serviço na manhã seguinte e às 8h a prova foi finalmente liberada”, conta ele. Em outra ocasião, também num sábado, os pilotos de uma categoria nacional destruíram todas as cercas de proteção com manobras radicais. Novamente, a solução foi recrutar uma espécie de força-tarefa para uma longa jornada pela madrugada.

Acompanhante – Mas um dos maiores colecionadores de histórias sobre o GP Brasil é o organizador da prova, Tamas Rohonyi. Ele costumava ser convocado pelo ex-governador Mário Covas, torcedor fanático do Santos e da Ferrari, para conversar sobre carros e corridas. Nos anos 70, havia uma equipe na F-1 chamada Hesketh. Era controlada pelo lorde inglês Alexander Hesketh e tinha no cockpit o piloto James Hunt, morto em 1993. Hunt não dispensava um bom uísque. Numa certa noite, os dois deixaram o hotel Hilton para jantar e tomar alguns drinques. Voltaram pouco depois das quatro da madrugada, eufóricos. Lord Hesketh estava acompanhado de uma mulata alta, belíssima. Na entrada do hotel, o gerente se aproximou e, com muito cuidado, disse: “Sinto, lorde, mas o senhor não pode subir com essa moça para o seu quarto…” A mulata olhou para o lado e abriu um sorriso discreto. Lorde Hesketh, um senhor loiro, alto, de pele muito clara, interrompeu o gerente:
– Como o senhor ousa insultar minha irmã?
Em seguida, o nobre britânico pediu a chave e foi para o seu quarto. Devidamente acompanhado.

Emerson, o pioneiro

O Brasil entrou no roteiro da Fórmula 1 graças ao talento de Emerson Fittipaldi. Ele ganhou os dois primeiros títulos do País (1972 e 1974) e criou a primeira escuderia brasileira na categoria, a Copersucar. É um dos quatro pilotos da história do automobilismo que conquistaram títulos na F-1 e na F-Indy.

ISTOÉ – Qual é a sua principal lembrança nestes 30 anos?
Emerson Fittipaldi – A vitória de 1973. Eu tinha sido campeão na temporada anterior e vinha de uma vitória em Buenos Aires. Estava atrás do Jack Stewart e pensei: “Perder de novo no meu país? Não está certo.” Fiz uma ultrapassagem arrojada, com duas rodas para fora da pista. Abandonei meu estilo técnico de guiar para vencer no Brasil.

ISTOÉ – A quebra da suspensão em 1972 foi outro momento difícil, não?
Emerson – Sim. Esperava o pior enquanto o carro rodava. Agradeci a Deus enquanto os jornalistas europeus falavam: “Você teve um controle fantástico sobre o carro”. Confesso que não fiz nada. O carro saiu da minha mão. Minhas pernas tremiam feito vara verde.

ISTOÉ – É verdade que você deixou José Carlos Pace passar para que ele conquistasse sua primeira vitória?
Emerson – Nada disso. Vou esclarecer isso de uma vez por todas. O Moco (apelido de Pace) vinha muito rápido, estava me pressionando há muito tempo e eu não tive como segurá-lo. Éramos amigos, da turma do Pacaembu (bairro de São Paulo). Fomos criados juntos. Mas dentro da pista não existem essas coisas. Alguém acha que eu iria perder a chance de vencer no Brasil?

“O GP Brasil de 1982 é meu”

Pelas estatísticas da FIA o tricampeão mundial de F-1 Nélson Piquet venceu dois GPs do Brasil. Mas para o ex-piloto, a conquista que mais lhe deu prazer foi a de 1982. Piquet ganhou mas não levou.

ISTOÉ – Você venceu duas vezes no Brasil. Qual das vitórias deu mais prazer?
Nelson Piquet – Duas não. Ganhei três.

ISTOÉ – Mas em 1982 a FIA anulou o resultado…
Piquet – Não quero saber. Ganhei e pronto. O troféu está aqui em casa e o dinheiro do prêmio entrou na conta. Se tiraram depois, azar o deles. Foi uma corrida dura. Fazia mais de 40° no Rio e nós tínhamos que competir contra carros-asa, equipados com motor turbo. Na época, o Brabham era aspirado. A prova foi muito disputada. Por isso tive um prazer enorme de vencê-la.

ISTOÉ – E o mico de 1981? Por que você optou por pneus para pista seca quando todo mundo sabia que iria chover em Jacarepaguá?
Piquet – Caíram de pau em cima de mim. Mas ninguém fala que a decisão não foi só minha. Esse tipo de escolha é feito pelo piloto em conjunto com o engenheiro e o projetista do carro. Arriscamos. Acreditávamos que a chuva pararia logo. Se isso acontecesse, abriríamos uma vantagem enorme, pois os outros teriam que parar nos boxes para trocar os pneus.

ISTO É – Qual a sua melhor história no GP Brasil?
Piquet – Foi em 1979. Na corrida anterior, na Argentina, dei uma porrada no Jody Scheckter e quebrei os dois calcanhares. Os médicos não queriam me deixar correr. Mas como eu poderia ficar de fora do meu primeiro GP do Brasil? Depois de muita insistência os doutores me liberaram. Mas para isso tive que tomar um monte de analgésicos. Eu sabia que não aguentaria até o final. Então, larguei com pouca gasolina. O carro leve permitiu que eu ultrapassasse uns cinco carros no começo da corrida. Quando a galera estava se empolgando, parei. Foi tudo planejado. Fiz a minha média e saí do carro direto para a cadeira de rodas.

ISTO É – Qual a maior frustração?
Piquet – A prova de 1987. O Williams estava acertadinho e tínhamos tudo para vencer. O problema é que logo no início da corrida papéis jogados pela torcida entupiram o radiador. O motor começou a esquentar. Tive que diminuir o ritmo. Nessa, o rabudo do Prost ganhou.

ISTO É – O que é correr no Brasil?
Piquet –A pressão é maior. Aqui você sente o público. O cara deixa a tevê para te ver andar. O tratamento da imprensa também é diferente. A cobrança é maior. Mas é sempre bom andar em casa.