A vida no campo já não é mais a mesma. Na Europa, os pastos, antes bucólicos, estão agora repletos de imensas fogueiras de bois e vacas infectados pelo vírus da febre aftosa. Na divisa do Brasil com a Argentina, para evitar que a doença cruze a fronteira e volte ao Rio Grande do Sul, 300 militares, tanques do Exército brasileiro e barcos da Marinha começaram na semana passada a vigiar 24 horas por dia os rios e estradas à caça de contrabandistas de gado. No fronte comercial, o governo brasileiro criou mais um obstáculo à doença ao proibir a importação de grãos – trigo e milho, principalmente –, frutas e hortaliças da Argentina, com o argumento de que esses produtos podem servir como transmissores da aftosa. A decisão atingiu em cheio os brios das autoridades argentinas, num momento delicado em que o país se esforça para exportar mais e assim conseguir se reerguer. No governo do presidente De la Rúa, cogitava-se na quinta-feira 29 levar o caso à Organização Mundial do Comércio (OMC). Algumas autoridades argentinas consideraram que o ministro Pratini de Moraes, responsável pela barreira, estaria agindo exatamente como fizeram os canadenses na questão da vaca louca – por trás de uma suposta preocupação sanitária, estaria o interesse brasileiro de proteger o seu mercado. Na União Européia, o embargo à carne argentina começa nesta semana.

Campeã em número de casos de febre aftosa, a Inglaterra já registrou mais de 700 focos da doença. Como o transporte de animais está proibido em várias regiões, o abastecimento de carne está prejudicado. Na semana passada, o governo inglês anunciou que pretende vacinar o rebanho do país, enquanto aumenta a insatisfação dos fazendeiros, os mais atingidos entre os europeus pela síndrome da vaca louca, com a falta de ação do primeiro-ministro Blair. Até agora não se sabe nem mesmo como a doença chegou ao país – a principal suspeita é de entrada irregular de gado estrangeiro. Outros países europeus, como França, Holanda e Irlanda, também já começam a encontrar casos da doença.

Oportunidade – Ao menos para os brasileiros, nem tudo é má notícia nesta história. Por ora, os fazendeiros do País têm, na verdade, alguns bons motivos para comemorar, ainda que o receio de a febre voltar a atingir o rebanho nacional seja crescente. Com os consumidores europeus receosos em consumir a carne do próprio continente, as exportações de carne brasileira estão crescendo. Deverão aumentar, estimam criadores e autoridades, pelo menos 30% neste ano. “É o grande momento para o Brasil se firmar em mercados onde estamos pouco presentes”, diz o secretário de Agricultura de Santa Catarina, Odacir Zonta, que retornou da Rússia na quarta-feira 28, onde esteve numa comitiva chefiada pelo governador Espiridião Amin. Para fazer propaganda do seu rebanho, o Estado chegou a publicar anúncios em jornais. A comitiva dos catarinenses foi a Moscou e São Petersburgo, onde fez contatos com distribuidores e atacadistas. “Fomos intensificar a comercialização de nossa carne suína. E os russos demonstraram que precisam e confiam nos nossos produtos. Países como a Malásia e o Egito também estão interessados”, diz o secretário. Otimista, estima que o volume de carne suína exportada para a Rússia deverá dobrar neste ano. O aumento da procura fez o preço subir no Estado. No caso dos suínos, aumentou 15% somente na semana passada.

Vacina – No Rio Grande do Sul, que no segundo semestre do ano passado enfrentou um surto de aftosa na cidade de Jóia, situada cerca de 300 quilômetros da fronteira com a Argentina, o clima não é tão tranquilo. Na semana passada, algumas das principais associações de criadores de gado pressionaram o governo federal a voltar a vacinar o rebanho local. A vacinação no Estado foi suspensa no início de 2000. O Ministério resiste por considerar “um retrocesso”, como disse o ministro Pratini de Moraes. Seria uma demonstração de que o País considera iminente a volta da doença. Pratini argumenta ainda que o governo já demonstrou disposição de evitar a aftosa ao colocar os militares na fronteira e proibir a importação de produtos argentinos.

A postura do governo estadual é outra. “O melhor seria voltarmos a vacinar, até que esse terremoto no mundo todo passe. Cercados pela aftosa da Argentina e do Paraguai e ainda diante do risco de o vírus chegar com turistas que vêm da Europa, estamos servindo de cobaia”, diz José Hermeto Hoffmann, secretário gaúcho de Agricultura.