Eles têm entre 10 e 13 anos, estudam em escolas diferentes, mas possuem idéias bem definidas sobre os problemas da sociedade brasileira

Discutir o futuro com sete crianças não é tarefa fácil. Elas começam tímidas, ressabiadas, mas entre goles de refrigerante e algumas piadinhas acabam se soltando. Aliás, até demais. Já relaxadas e confiantes, elas falam todas ao mesmo tempo, ansiosas por expressar suas opi-niõ-es. “Um de cada vez, porque só tem um gravador aqui”, suplica a repórter. Ordem estabelecida, elas voltam a revelar suas idéias. E que idéias! Formam um time que não se deixa levar pela mídia, admira a tecnologia (mas receia que o homem se torne escravo do computador) e não titubeia ao apontar os principais problemas que devem afligir a sociedade nos próximos anos: desemprego, violência, pobreza e as consequências da destruição do meio ambiente. O cenário para o bate-papo foi o cybercafé da livraria Fnac, em São Paulo. Numa ensolarada manhã de dezembro, ISTOÉ reuniu Rafael Pereira Souza, 13 anos (Escola Municipal de Educação Fundamental); Igor Alves Dantas de Oliveira, 11 (Colégio Elvira Brandão); Sérgio Henrique Bannitz Oliveira, 11 (Colégio Paulistano); Luiza Esper Berthold, 10 (Jardim das Nações, em Taubaté, SP); André Melfi Tomaz, 11 (Escola de Aplicação da Universidade de São Paulo); Maria Gabriela Pereira de Almeida, 10 (Colégio Santa Cruz); e Milena Yamaguishi Madeira, 12 (Colégio Magister). Eles, que não se conheciam até aquele momento, já eram quase amigos ao final da entrevista. Curioso observar que as diferenças sociais e de personalidade não chegaram a criar nenhum conflito; ao contrário, enriqueceram a discussão. E, mesmo que eles tivessem opiniões divergentes, jamais foram rudes uns com os outros ou pretenderam ditar verdades absolutas e incontestáveis. Um belo exemplo para o próximo milênio.

ISTOÉ – Como será o Brasil nos próximos 100 anos?
Igor

Vai ser um país melhor. O Brasil não é rico, não é de Primeiro Mundo, mas daqui para frente eu acho que os brasileiros vão ganhar mais.
Luiza – Eu acho que se continuar assim não vai melhorar nada.
Rafael – Depende dos governantes. Se continuar com essa corrupção, com todo mundo roubando, não vai resolver o problema.
Milena – Vai piorar. Nós não cuidamos da natureza, não ajudamos o próximo. Estamos ficando cada vez mais mesquinhos.

ISTOÉ – Mas só depende do governo ou cada um tem de fazer a sua parte?
Igor

A gente pode colaborar ajudando uns aos outros, dando um pouco de comida para quem precisa, por exemplo.
Milena – O governo é o representante da sociedade, por isso, se a sociedade não mudar, o governo não vai mudar também.
Luiza – É importante dar emprego para quem precisa.
Gabriela – E não destruir a natureza.

 

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ISTOÉ – Quais vão ser os principais problemas do País?
Igor

A poluição, por causa das fábricas que não páram de soltar fumaça.
Luiza – Ah, o desemprego. Se as fábricas continuarem a ter cada vez mais robôs, logo não terá mais emprego para todo mundo. Daí a pobreza vai aumentar.
Rafael – Como a Luiza falou, o desemprego. E quando a pessoa não tem como trabalhar acaba tendo de roubar.
Luiza – Outra coisa que precisa mudar é que no Brasil ou você tem gente muito rica ou muito pobre.

ISTOÉ – Todo mundo acha que o desemprego vai aumentar?
Igor

O problema é que as empresas querem um país melhor, mas também querem ganhar dinheiro. Mesmo assim, eu acho que quando o patrão contrata um empregado, tem de ter certeza de que dará condições para que a pessoa sustente a família.
Todos – Sim!
Luiza – Vale muito mais a pena para o patrão ter um robô do que gente de verdade. Eu acho que antes de encher uma fábrica de robôs, os donos das empresas deviam pensar em quem trabalha lá e vai perder o emprego.
O problema é que as empresas querem um país melhor, mas também querem ganhar dinheiro. Mesmo assim, eu acho que quando o patrão contrata um empregado, tem de ter certeza de que dará condições para que a pessoa sustente a família.
Milena – Só que com o tempo, o que vai acontecer é que o patrão terá mercadoria, mas não terá compradores, porque as pessoas vão estar desempregadas, serão pobres e não vão poder consumir. Vai chegar uma hora que a gente vai começar a retroceder.
Gabriela – Eu acho que como empregado só vai ganhar dinheiro quem mexer com computador.
Luiza – E quem não quiser ser substituído pela máquina vai ter de ser muito bem preparado. Por isso eu já decidi que vou estudar Direito no Canadá e morar lá mesmo.

ISTOÉ – Quer dizer que a gente está discutindo o futuro do País, mas você vai abandonar o barco?
Igor

Não dá para abandonar o País.
Sérgio – Você vai sair daqui, abandonar a família e tudo?
Luiza – Eu vou construir uma família lá, porque acho que terei mais oportunidades.
Gabriela – Acho que para morar fora do Brasil por um tempo, tudo bem, mas não para sempre. Eu vou tentar arrumar trabalho aqui, viver no meu país. Só iria embora se não tivesse jeito mesmo.
 

ISTOÉ – A tecnologia vai dominar o homem?
Igor

O pior de tudo é que o homem está ficando alucinado pela máquina.
Rafael – Estão surgindo várias coisas como robôs e catracas eletrônicas. O homem está construindo a máquina, mas ela está o substituindo. Daqui uns tempos, a máquina é que vai estar comandando o homem.
Gabriela – Por um lado o computador é bom, porque facilita o trabalho, mas por outro está tomando o emprego das pessoas.
Luiza – O problema de depender muito das máquinas é que se acontece alguma coisa como esse bug do milênio, o homem fica perdido.

ISTOÉ – E essa tendência de as pessoas se relacionarem pelo computador? Muita gente tem amigos virtuais, namorados virtuais. O que acham disso?
Igor

Sem dizer que gasta muito dinheiro com a conta, né?
Luiza – É bom porque você pode conversar com pessoas de outros paí-ses. Eu já conversei com gente dos Estados Unidos.
Milena – Mas não dá para ficar o dia todo em frente ao computador porque senão você vai ficar uma balofa, só comendo em frente ao computador, sem fazer exercício físico. Também não dá para ficar assistindo televisão o tempo todo senão vira um débil mental.
Gabriela – E também pelo computador a pessoa pode mentir o quanto quiser. Ela pode ser baixinha, horrorosa, com um cabelo feio e dizer que é linda, loira e de olhos azuis. Pode mentir não só na aparência, mas como ela é por dentro.

ISTOÉ – Mas as amizades e namoros virtuais podem um dia substituir os relacionamentos tradicionais?
Igor


A máquina agora faz qualquer coisa, então um dia vai surgir uma máquina que você pode apertar um botão e ela se transforma no seu melhor amigo.
Milena – Um amigo programado.
Gabriela – Se bem que você pode chorar na frente de um amigo de verdade, mas já pensou que ridículo ficar chorando na frente do computador?
André – E se você ficar o dia inteiro na frente do computador acaba ficando sem saber o que acontece no mundo real, o mundo lá fora.
Rafael – Pelo computador, você fica só escrevendo, não tem uma relação de verdade com as pessoas.

ISTOÉ – E as famílias, que já mudaram tanto nos últimos anos, ainda existirão no futuro ou vai ser cada um por si?
Igor

Tem de continuar existindo. É importante ter pai, mãe e filhos juntos.
Luiza – Hoje a pessoa namora um mês, casa, logo separa e ainda tem um filho para criar. Eu acho que daqui para a frente tinham de tomar mais cuidado.
Rafael – É como aconteceu comigo, que só fui saber quem era meu pai de verdade há um ano. Quando eu nasci, ele já estava separado da minha mãe e ela casou com outro. Só fiquei sabendo a verdade outro dia.
 

ISTOÉ – O que vai acontecer com o meio ambiente?
Igor

Eu acho que pode acabar a água porque tem muito desperdício. As pessoas ficam tomando banho duas horas, deixam a torneira aberta. Então pode acabar a água doce e aí vai ser preciso descobrir como usar a água.
Luiza – Os rios vão ficar poluídos e podem sobrar poucas árvores por causa do desmatamento.
Gabriela – Eu já vi na tevê que vão lançar uns carros que não poluem o ar. Seria bom que vendessem esses carros por um preço que as pessoas pudessem pagar, porque não adianta nada inventar um negócio assim se for custar muito caro e ninguém puder comprar.

ISTOÉ – O que cada um pode fazer para colaborar com o meio ambiente?
Igor

Acho que as pessoas podem ficar menos tempo tomando banho, não esquecer torneira aberta e não gastar tanta água.
Gabriela – Eu aprendi que quando a pessoa vai usar produtos para matar insetos não deve escolher aqueles com CFC porque aumentam o buraco na camada de ozônio. Isso faz com que os raios ultravioleta passem direto e façam mal para a pele. As pessoas podem até pegar câncer.
Milena – Também tem de cuidar do lixo, fazer reciclagem. E não jogar nada na rua, porque acaba entupindo os bueiros e provocando enchentes quando chove.
Gabriela – E quando sair com o cachorro na rua tem de levar um saquinho para pegar a sujeira. Também não pode jogar sujeira no mar. Outro dia eu estava na praia e vi um caco de vidro bem grandão. Não seria mais fácil jogar num saco de lixo? Alguém podia se machucar só porque o outro não jogou o lixo no lugar certo.

ISTOÉ – Na teoria, todo mundo sabe, mas alguém aqui faz essas coisas?
Igor

Eu evito gastar muita água.
Gabriela – Na escola a gente faz a coleta seletiva de lixo, mas em casa não.
Milena – Na minha casa eu tento, separo os materiais. Mas aí minha mãe vem e bagunça tudo. Não dá.

ISTOÉ – Vocês acreditam em tudo o que lêem em jornais e revistas?
Igor

Todos – Nãããão (rindo)!
Gabriela – Às vezes eles inventam uma história só para vender mais.
Rafael – Que nem aquela história do “chupa-cabra”…
Luiza – Ou aquelas sobre ET. O pior é que a gente lê jornal e revista para saber o que está acontecendo realmente. Se for para eles ficarem inventando história só para ganhar dinheiro, não tem o menor sentido.
Milena – Essa situação teria de melhorar, mas eu acho que isso não vai acontecer.
 

ISTOÉ – Então vocês são leitores que não engolem qualquer notícia. Como consumidores também vão ser exigentes?
Igor


No futuro as pessoas vão olhar melhor o produto antes de comprar, verificar se está nas condições certas, comparar preços.
Luiza – Uma vez comprei um salgadinho que deveria ter um envelope com uma “raspadinha”, só que não veio nada. Então eu liguei para a empresa e reclamei. Aí eles me mandaram outros pacotes. Eu acho que se deve reclamar quando o produto está estragado ou não vem do jeito certo, porque você pagou por aquilo. Não foi nada de graça.
André – Eu também já reclamei. Uma vez minha avó comprou uma caixa de sorvetes, mas os picolés estavam todos sem palito. Eu liguei e eles mandaram outra caixa.
Luiza – E os fabricantes também vão tomar mais cuidado.
Gabriela – Também tem muita propaganda que fala maravilhas dos produtos. Mostra um produto de limpeza que só de jogar um pouco já deixa o chão brilhando, sem precisar esfregar. Aí você compra, usa e continua tendo de esfregar o chão duas horas.
Igor – Tem aquela história de pirataria também. Um CD na loja custa R$ 20, mas o pirata é bem mais barato. Só que quando você chega em casa e vai escutar, acaba estragando o aparelho de som.
Luiza – E prejudica muita gente: as gravadoras, os artistas. Se as pes-soas pararem de comprar, também vão parar de fabricar CD pirata.

ISTOÉ – Um dia a gente vai ter carro voador, como aqueles dos Jetsons?
Igor

Vai. Eu li que daqui a 50 anos vão existir carros voadores.
Luiza – Vai precisar mesmo, porque tem cada vez mais carros na rua e as cidades estão superlotadas.

ISTOÉ – Como as pessoas vão se divertir?
Igor

Tudo vai ser diversão radical. Hoje em dia já tem essas montanhas-russas loucas e eu acho que vai ser por aí.
Luiza – As pessoas vão perder a noção do perigo. Vão se arriscar ao máximo.
Milena – O ser humano vai tentar cada vez mais testar seus limites, praticando esportes radicais.
Igor – Eu acho que os cinemas serão todos com as telas grandonas, óculos de três dimensões e com filmes de violência.
Luiza – Eu acho também que as pessoas vão deixar de ir tanto aos shopping centers. Isso vai acabar enchendo.

ISTOÉ – Qual o maior medo que vocês têm do futuro?
Igor

Eu tenho medo que o Brasil seja invadido por um outro país e aconteça alguma guerra. Um dia algum país vai ficar com o mundo inteiro.
Luiza – Que a máquina domine o homem.
Gabriela – Tenho medo que o mundo mude tanto que a gente não saiba mais como viver. Se a gente tiver de comer cápsulas e andar de carro voa-dor, vai ser muito esquisito.
Rafael – Que eu não tenha emprego para sustentar minha família.
André – Desemprego, guerras e que a violência aumente.
Sérgio – Eu também tenho medo do desemprego e da violência.

ISTOÉ – E como seria o mundo ideal?
Igor

Sem guerras, onde todos os países fossem amigos.
Milena – Um mundo que tenha mais amor ao próximo, mais consciência do que é ecologia, e que as pessoas tenham mais cuidado com tudo o que está em volta delas, senão elas mesmas vão ser prejudicadas.
Sérgio – Onde tivesse emprego para todo mundo.
Rafael – Sem violência e que todo mundo tivesse amor.
André – Sem guerras e sem poluição
Luiza – Um mundo em que as pessoas se ajudem. Se cada um que tem condições ajudasse quem não tem, seria o ideal.
Gabriela – Tem gente que é rica e não ajuda nem a empregada que trabalha na sua casa, mas tem gente que é classe média e ajuda.
André – Eu também vi na televisão que os ricos não pagam imposto e os pobre pagam. Não deveria ser assim.


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