Sentado em seu sofá, você liga a tevê e começa a difícil escolha: assistir a programas com imagem de altíssima definição, baixar jogos para o computador ou o videogame, comprar produtos de comerciais interativos ou checar e-mails e saldo bancário. Tudo isso sem mover nada além de seus dedos e sem tirar o olho do televisor, que será bem maior do que é hoje. Mais do que uma simples evolução, a tevê digital é uma revolução. “Ela vai vencer a guerra contra o computador e a internet para virar o centro da casa do futuro”, disse a ISTOÉ Jong-Yong Yun, CEO mundial da empresa coreana Samsung, que esteve em São Paulo no começo da semana passada.

O destino da telinha, porém, depende do governo. Para desespero da indústria, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) afirma não ter pressa para escolher o sistema de transmissão que o País vai adotar (leia quadro abaixo). O mercado mundial está de olho nos R$ 100 bilhões que devem resultar nos próximos dez anos da renovação de 50 milhões de aparelhos e de investimentos em novas linhas de produção. Enquanto a Anatel não se decide, três regiões – EUA, Europa e Japão – brigam com unhas e dentes para convencer a agência de que seus padrões são melhores para o País. A grande questão é saber qual deles vai possibilitar todas as maravilhas que a tevê digital pode oferecer.

A primeira delas é uma brutal melhoria na imagem. Atualmente, os sinais de tevê são transmitidos por sinais analógicos enviados por ondas eletromagnéticas, sujeitas a distorções – os chuviscos e fantasmas. O novo sistema, como os computadores, usará bits. As imagens só terão duas opções: ou serão baixadas pelo televisor exatamente da mesma forma como foram enviadas ou não chegarão. Um dos maiores atrativos da nova tecnologia é a televisão de alta definição (HDTV, na sigla em inglês). Usando o máximo da capacidade de transmissão digital, a HDTV terá uma imagem quase 13 vezes melhor do que a que vemos hoje. Com ela, será possível contar as patas de uma centopéia em um documentário sobre animais ou assistir à transmissão de um concerto como se estivesse diante da orquestra. Nos EUA, a HDTV já existe há dois anos, mas não obteve o sucesso esperado. Pouco mais de 600 mil aparelhos de tevê digital saíram das lojas, a maioria para transmitir filmes em DVD. A lentidão é causada pela relutância das emissoras em investir dinheiro para iniciar as transmissões digitais. No Brasil, cada rede de tevê gastará até US$ 350 milhões para migrar para o novo sistema.

A televisão do futuro também será interativa. Pais cortarão cenas de violência de filmes e torcedores escolherão de que ângulo verão o gol de seu time. Cada emissora poderá disponibilizar até seis programas no mesmo horário. Com isso, a novela das oito poderá muito bem ser assistida às 22h. Compras serão feitas com um simples apertar de botões do controle remoto. A emissora britânica ITV2 anunciou na semana passada que telespectadores poderão, de suas casas, concorrer com os participantes do programa de perguntas e respostas Who wants to be a millionaire, cuja fórmula originou o Show do milhão de Silvio Santos. A Inglaterra deixou a HDTV de lado, apostou na interatividade e lidera a migração para o sistema digital, com mais de um milhão de usuários.

Aqui no Brasil, a era digital da tevê só chega às lojas um ano e meio após a definição da Anatel. Depois, haverá uma fase de transição de dez anos. Nesse período, quem quiser assistir às transmissões digitais em seu televisor analógico ou vice-versa terá que possuir um conversor semelhante ao usado para captar sinais das tevês por assinatura. No início, o preço desses aparelhos será salgado: entre R$ 700 e R$ 1.500, valor que deve cair pela metade depois de três anos. Os melhores televisores digitais, que possuirão telas largas na proporção de 16 por 9, a mesma do cinema, não devem custar menos de R$ 6.000. “Os preços serão altos pois a produção será pequena no lançamento”, diz Walter Duran, gerente de marketing para a América Latina da Philips.

Testes polêmicos – O sucesso da televisão digital e de alta definição vai depender, especialmente no início, da adesão à nova tecnologia de um número cada vez maior de telespectadores, o que permitirá a redução do preço dos aparelhos. Por isso, os consórcios que detêm os direitos sobre os sistemas de transmissão procuram conquistar o mercado brasileiro para torná-lo uma ponte para os outros países da América do Sul. A Argentina, no governo Menem, fez a opção pelo modelo americano, mas a decisão ainda não foi ratificada.

O lobby japonês é forte e tem representantes ligados a empresários com trânsito em Brasília. Os americanos vão apostar na unificação do sistema utilizado nas Américas, assunto que deve ser discutido na próxima reunião da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) no Canadá. Já os europeus procuram seduzir a Anatel com uma oferta de uma cadeira no conselho do consórcio DVB.

Um dos itens mais polêmicos analisados pela Anatel são os testes realizados no ano passado em São Paulo pela Sociedade de Engenheiros de Televisão (SET) em parceria com a Associação Brasileira de Emissoras de Televisão (Abert). Os estudos concluíram que o sistema americano, o ATSC, é “inadequado” ao País, entre outros motivos, por não permitir uma boa recepção por antenas. A SET/Abert aprovou os sistemas europeu e japonês, mas recomendou à Anatel a adoção do último, que permitiria uma melhor recepção em equipamentos móveis como celulares. O grande problema é que a tevê digital não entrará em operação no Japão antes de 2003, ou seja, equipamentos para esse sistema ainda não existem no mercado. As reações não demoraram. “Os testes foram feitos para fazer o sistema japonês parecer melhor”, acusa Wayne Luplow, vice-presidente da empresa americana Zenith, que detém os direitos sobre o sistema dos EUA.

Entre o meio acadêmico não há consenso. O professor Dalton Soares Arantes, do Departamento de Comunicações da Faculdade de Engenharia e Computação da Unicamp, defende o sistema americano e rejeita a tecnologia japonesa. “Ela pode ser um salto no escuro”, afirma. Já o especialista em tevê digital Guido Stolfi, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), concorda com os resultados dos testes do grupo SET/Abert. “Existe um lobby que tenta esconder o fracasso do sistema americano”, afirma. Ao telespectador nada resta senão esperar para ver quem está com a razão. De preferência, sentado em frente a uma tevê de alta definição de última geração.