Se depender de seus líderes, os grupos de pagode estão com os dias contados. Subitamente, seus vocalistas resolveram revoar em direção à carreira solo, confirmando, assim, uma nova etapa na história recente do gênero, que teve o seu auge no final da década passada. Primeiro foi Belo, ex-cantor do Soweto, que, num lance de ousadia, apostou na grife pessoal com um disco apropriadamente intitulado Desafio, hoje na casa das 600 mil cópias vendidas. Depois veio Waguinho, antiga voz de Os Morenos, que assina sozinho o álbum É melhor cê voltar pra mim. Agora, mais dois outros líderes de grupos consagrados do gênero resolveram provar o gosto da independência. Vavá, ex-Karametade, está em estúdio finalizando o primeiro CD – previsto para maio –, sem a companhia dos amigos santistas de infância. Engrossando a ala dos separados, há dois meses Netinho também abandonou, ou melhor, foi demitido do Negritude Júnior. Enquanto colhe os louros como apresentador do programa Domingo da gente, da Rede Record – segundo lugar em audiência, no seu horário –, ele se prepara para gravar em abril o trabalho solo de estréia sob o nome artístico de Netinho de Paula. Na verdade, o pagodeiro se chama José de Paula Neto.

Para explicar as mudanças coincidentes, Waguinho apela ao bom humor. “Se conviver com uma mulher já é difícil, imagina então com sete marmanjos”, brinca. “Até para se escolher qual brinco usar se discute seis, oito horas.” Mercadologicamente, porém, o momento da revoada solo tem explicação. Há uma preocupante queda nas vendagens do pagode romântico, embora os cantores não queiram admitir que os números descendentes pesaram nas suas decisões. Vavá, ou Wagner Duarte, 27 anos, diz estar apenas fechando uma etapa e iniciando outra, depois de seis anos de carreira e seis discos com o Karametade. Ele jura ter planejado seus passos há tempos e nega que foi por causa da queda das vendas de 350 mil para 100 mil CDs. “Desde janeiro do ano passado eu estava querendo sair. Tenho uma série de idéias na cabeça, que sozinho vou conseguir colocar em prática”, argumenta. Em seu novo trabalho, no momento sem título, Vavá pretende explorar ainda mais seu lado romântico, mas abrindo-se para o pop e até mesmo para o latino. “Sem descaracterizar o samba”, promete.

iclos – Explorar outros gêneros também é o desejo de Netinho, que estuda a possibilidade de gravar até versões de sucesso da música negra americana. Antes de ser demitido do Negritude Júnior por problemas de compatibilização de agenda com seus companheiros, o cantor de 30 anos queria gravar um álbum solo dedicado ao compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues, projeto engavetado por sua gravadora. Seus companheiros, certamente, também não quiseram. Era o momento errado. Com uma carreira de 15 anos e mais de dois milhões de discos vendidos, o Negritude Júnior começava a amargar as baixas. Periferia, oitavo CD do grupo, lançado no ano passado, vendeu apenas 80 mil cópias, cifra a léguas de distância dos 520 mil de Gente da gente, de 1995. Netinho, contudo, não se surpreende com a atual fase do pagode, lembrando que o samba sempre viveu de ciclos. Nos anos 80, aconteceu algo semelhante, quando sambistas como Almir Guineto e Jovelina Pérola Negra se destacaram, depois da escalada do Fundo de Quintal e Só Preto sem Preconceito, entre outros. “Uma carreira não é feita apenas de sucessos. Quem não souber aproveitar vai acabar caindo no anonimato”, diz Netinho.

Um dos que espertamente se anteciparam à crise foi Belo, ou Marcelo Pires Vieira, 27 anos, que optou pelo caminho solitário em fevereiro do ano passado. Mas ele não quer ficar conhecido como o precursor do êxodo. “Não sou válvula de escape de gravadora. Saí do Soweto vendendo um milhão de discos e fazendo 90 shows por mês. Queria fazer um lance meu”, desabafa Belo. Desfalcado do vocalista, o Soweto não conseguiu emplacar mais que 70 mil discos. Em rápida análise, outra razão do descenso do pagode romântico – afinal, bandas como Só Pra Contrariar ainda conseguem vender 600 mil discos – foi o crescimento do chamado samba de raiz de Jorge Aragão, Zeca Pagodinho e companhia. Por exemplo, o ex-morenos Waguinho, ou Wagner Bastos, 35 anos, um íntimo da turma da antiga, em seu recente trabalho buscou equilibrar o samba com cheiro de velha guarda com canções românticas. Atento ao mercado, ele quer ser aplaudido tanto pelo pessoal do samba tradicional quanto pelas platéias do pagode mauricinho.