Através da ficção científica, artistas visionários anteciparam muitas das inovações tecnológicas hoje totalmente incorporadas ao cotidiano. Chegou a hora, então, de fazer o caminho inverso e imaginar como será a arte nas próximas décadas, a partir das transformações que ela própria anunciou. Imagine uma escultura-robô que aborda as pessoas com perguntas sobre o tempo ou como deve ser servido o café. Que tal, então, uma hipotética instalação com sensores, que emite sons e cores de acordo com o estado emocional de quem a observa? Obras como estas já são executáveis graças à apropriação que artistas pioneiros vêm fazendo das maravilhas da informática, da robótica e da Internet.

Os primeiros passos desta revolução estética aconteceram nos anos 80, foram logo incorporados pelo cinema em filmes como Parque dos dinossauros ou Toy story e agora prometem mudar a cabeça de críticos e curadores de exposições. É uma nova arte que já tem nome, vários, aliás. Só depende do artista querer chamá-la de arte digital, ciberarte, net art, web art, new media art, etc.

Hoje mesmo, no Brasil, uma grande mostra do gênero está colocando as pessoas em contato com o que no Exterior chamam de museu do futuro. Na II Bie-nal do Mercosul, em cartaz em Porto Alegre até 9 de janeiro, o segmento Arte e tecnologia tem sido um sucesso de público devido ao fabuloso playground cibernético que abriga. Reunindo instalações interativas e terminais que possibilitam a navegação por sites artísticos, a exposição traz obras fascinantes como Interactive plaints growing, da dupla formada pela aus-tríaca Christa Sommerer e pelo francês Laurent Mignonneau. Numa sala escura, cinco tipos de vegetal foram conectados a um computador. Ao serem tocados pelo visitante, dão origem a plantas virtuais na tela, cujas formas va-riam dependendo do tipo de aproximação. A mágica é possível porque o toque é interpretado como um sinal elétrico pelo PC, que em seguida o transforma em imagem.

Os interagentes – Curadora da mostra e também artista multimídia, a gaúcha Diana Domingues, professora da Universidade de Caxias do Sul e organizadora do livro A arte no século XXI, prefere chamar o espectador do novo milênio de “interagente”. É que, diferentemente do visitante passivo das tradicionais mostras de pintura e escultura, os interessados na ciberarte são seres atuantes, que desempenham um papel vital na existência da obra. “O que o ciberartista propõe não é mais um objeto, mas um processo para ser vivido. Você tem de agir com o sistema criado.” Nos impressionantes trabalhos da canadense Char Davies, um dos nomes mais importantes da ciberarte, a experiência adquire contornos de sonho materializado. Em Osmose, por exemplo, o “interagente” coloca um capacete e veste um macacão dotado de sensores que funcionam segundo a respiração da pessoa, que é jogada num lisérgico mundo virtual. Quando o sujeito inspira, é lançado para cima como uma pluma na companhia de vagalumes, pássaros. Ao expirar navega entre rios, caminhos floridos. Se chegar muito perto de alguma folha, é capaz de testemunhar o processo da fotossíntese.

Osmose se enquadra na categoria de arte interativa, aquela na qual as ações do corpo provocam determinadas respostas no computador. Além desta modalidade, várias ramificações se alastram em domínios específicos como a computação gráfica, a animação computadorizada – que já produz seres sintéticos dotados de emoções codificadas –, a música eletrônica e os sites artísticos. Mas outros tipos de ciberarte começam a reclamar seu lugar no cenário. A arte robótica e a arte da telepresença, que lidam com telerrobôs controlados a distância, costumam promover verdadeiros eventos telemáticos, antes inimagináveis. Em trabalhos que questionam os limites corporais, o australiano Stelarc costuma instalar nele próprio próteses passíveis de serem manipuladas via Internet.

Fora dos museus – De acordo com o videoartista e pesquisador de novas mídias Lucas Bambozzi, experiências radicais como as de Stelarc não vieram enterrar a velha arte. Mesmo porque sempre vão haver os que ainda se comovem com uma pincelada de Paul Cézanne. Mas a emergência de uma nova sensibilidade surgida com o uso cotidiano de computadores, Internet e toda a parafernália digital demanda uma nova linguagem artística. “Roy Ascott (artista e grande teórico da ciberarte) chama esta sensibilidade de cyberception”, explica Bambozzi. “A idéia da ciberarte é ocupar este ambiente novo, este espaço virtual e não-físico que está se configurando fora das galerias e museus.”

Muita gente ainda resiste em conferir estatuto artístico a estas experiências que embaralham estética e ciência. Mas instituições como o Ars Electronica Center, na Áustria, o Center for Art and Media Technology, na Alemanha, e o Intercommunication Center, no Japão, considerados museus do futuro, têm levado muito a sério o acervo de projetos digitais. Nos Estados Unidos, o Guggenheim Museum está finalizando seu museu virtual através do qual o internauta irá interagir com obras digitais.