A vida anda bastante tumultuada no oitavo andar do edifício Berrini, na zona sul de São Paulo. É ali que Marco Aurélio Rodrigues, presidente da Qualcomm do Brasil, tem tomado uma série de decisões que estão modificando completamente o perfil da empresa. A multinacional americana chegou aqui em 1995 basicamente para ser mais uma fornecedora dentro do disputadíssimo mercado de aparelhos celulares digitais. A meta era concorrer com gigantes como a Motorola e a Ericsson num mercado que hoje já atinge oito milhões de aparelhos em atividade. Mas os planos mudaram radicalmente. A Qualcomm ampliou seus horizontes, não se contentou apenas em ser fornecedora de equipamentos e se uniu aos sócios Bell Canada, WLL Holding e os grupos Vicunha e Liberman para poder também ter participação em duas novas operadoras telefônicas do País, através dos consórcios Megatel e Canbrá. Elas iniciam as atividades em dezembro e concorrerão diretamente com a Telefônica, de São Paulo, e a Telemar, que atua do Rio de Janeiro até o Amazonas. O salto da Qualcomm é extremamente ambicioso e o volume de trabalho na empresa cresceu vertiginosamente. Na terça-feira 27, por exemplo, Rodrigues ficou pendurado durante mais de cinco horas em uma videoconferência com seus sócios da Canbrá, planejando a briga que terão com a Telemar. "A conversa foi tão longa que não deu nem para almoçar", brinca o executivo.

 

Alta tecnologia Boa parte dos consumidores ainda não percebeu, mas as operadoras nas quais a Qualcomm tem participação vão revolucionar as telecomunicações no Brasil. Em vez de telefones cabeados, elas utilizarão o sistema Wireless Local Loop (WLL), que basicamente usa celulares fixos. Ou seja, os técnicos das operadoras entram na casa do cliente, instalam o aparelho e vão embora. Sem a necessidade de fios. Somente em São Paulo, 1,1 milhão de aparelhos deverão estar em atividade até 2001. "O WLL permite inclusive navegar na Internet a uma velocidade que pode chegar a 384 kilobits por segundo, contra os 56,6 kilobits dos modens mais avançados na telefonia via cabos", explica Rodrigues. O WLL é o grande pulo-do-gato da Qualcomm. A companhia possui hoje uma fábrica de celulares em Barueri, na Grande São Paulo, onde são fabricados 25 mil aparelhos digitais por mês. É muito pouco frente ao 1,1 milhão produzido nas outras duas unidades, localizadas nos Estados Unidos e no México, e os aparelhos WLL darão um empurrão mais do que significativo nas vendas. Rodrigues não admite abertamente que o plano seja esse. "Não temos exclusividade no fornecimento dos aparelhos para as operadoras", alega. Mas é certo que a participação como sócio nas companhias facilitará a conquista do novo mercado.

A Qualcomm faturou em 1998 US$ 3,3 bilhões no mundo inteiro. Muito pouco frente aos US$ 22,7 bilhões da Ericsson, mas a arrancada é aguardada mesmo para o ano que vem. Em setembro do ano passado, a companhia já sofreu uma forte modificação, quando dividiu suas atividades em duas empresas: a Leap Wireless, responsável pelos negócios das operadoras de telecomunicações, e a própria Qualcomm, fabricante de equipamentos. Desde então adquiriu participações em operadoras no Chile, no México, na Rússia, na Austrália e na Índia, além de uma empresa nos Estados Unidos. O Brasil é o último capítulo de toda essa nova empreitada. "Só não sabemos ainda se as operadoras daqui passarão para a Leap ou ficarão com a atual Qualcomm do Brasil", ressalta Rodrigues.

 

Aposta digital No campo da tecnologia, a multinacional passa também por uma grande reestruturação. Ela criou a tecnologia celular digital CDMA, da qual detém boa parte das patentes, e tem trabalhado na próxima geração desses aparelhos. Serão celulares com capacidade para receber até 384 kilobits de informações por segundo, contra os 14,4 kilobits dos atuais modelos. "Isso permitirá trabalhar com um volume muito maior de dados e acessar a Internet." O direito de desenvolver essa tecnologia nos Estados Unidos era da Qualcomm, mas na Europa e no Japão a sueca Ericsson disputava como forte candidata a concorrência. Para evitar que dois padrões diferentes dificultassem o futuro das telecomunicações, as duas companhias fecharam um acordo e passaram a trabalhar em conjunto.

O acordo não compromete o principal objetivo da Qualcomm, que é vender cada vez mais aparelhos celulares e de WLL. Enquanto aguarda o início das atividades das novas operadoras no Brasil, permanece atenta ao mercado de celulares. O preço do seu único modelo vendido atualmente aqui, o pequeno Q-Phone, já despencou de R$ 1,1 mil cobrados no início do ano para R$ 699. A redução foi possível porque passou a fabricar todas as unidades no País, em vez de importá-las. Mas a Qualcomm sofre com o sucesso do StarTac, da Motorola, apesar de ele custar R$ 899. Para contra-atacar, inicia em julho a produção de um novo modelo, o 860, mais popular e com menos recursos. O preço é mantido em segredo. Tudo para garantir uma fatia no mercado de telecomunicações, que muda numa velocidade impressionante.