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No último fim de semana fui ao novo Maracanã ver México x Itália pela Copa das Confederações. Não fui como jornalista credenciado, e sim como torcedor. Comprei dois ingressos no site da Fifa, na categoria 3, pagando um total de R$ 171. Devo dizer que minha primeira impressão foi muito boa. Agradeço a gentileza de terem oferecido ao meu pai, de 73 anos, um ingresso pela metade do valor por se tratar de idoso. Mas as experiências que passei depois desse primeiro contato precisam chegar ao conhecimento da entidade que os senhores dirigem.

A Fifa fez tantas exigências para o Brasil realizar sua segunda Copa do Mundo que nos levou a crer que tudo, absolutamente tudo, sob o controle dela, seria impecável. Mas não é. O primeiro erro da Fifa é a retirada dos ingressos. Eu sei que os senhores estão acostumados a realizar a Copa em países de menor porte, como França, Japão, Coreia, Alemanha e África do Sul. Mas o Brasil, senhores, é quase um continente. Não é admissível que uma pessoa que more em Porto Alegre e tenha comprado um ingresso para um jogo no Recife tenha de ir até a cidade da partida somente para retirar o ingresso. Foi por isso, Sr. Valcke, que mais de 200.000 ingressos foram retirados somente no último fim de semana, e não porque o brasileiro deixe para fazer tudo na última hora. Seria mais cômodo para todos e mais barato se os ingressos fossem enviados pelo correio.

Eu me lembro, Sr. Valcke, de uma frase sua sobre levar um chute no traseiro caso os ingressos não funcionassem bem, mas não o encontrei no domingo para dar o devido pontapé. No sábado 15 amigos meus ficaram quatro horas e meia na fila para retirar um ingresso no Rio de Janeiro. No domingo 16 eu e meu pai ficamos duas horas na fila para retirar nossos ingressos no aeroporto do Galeão. Nenhum idoso que não fosse “titular” do ingresso teve direito a prioridade – como se o fato de o ingresso ter sido comprado por mim interferisse na “idosabilidade” do meu pai, como diria um técnico muito popular aqui entre nós.

Ainda dá tempo, Sr. Valcke, de repensar ou melhorar o atendimento da empresa Master, que os senhores contrataram para distribuir os ingressos. Além de ter montado apenas quatro guichês para a retirada de milhares de ingressos, seus funcionários são mal-educados, desatenciosos, incompetentes e relapsos – o Sr. acredita que tivemos de esperar meia hora para entrar no estádio, sob o sol do Rio de Janeiro, porque os atendentes da Master não tinham chegado ao seu posto? Pior: depois que chegaram, não resolveram o problema de um ingresso que estava aparecendo como “inválido” numa das catracas e a funcionária disse que iria “fechar a janela porque afeta o ar-condicionado aqui de dentro”. E nós lá, meu pai de 73 anos firmão, no sol, em pé. Felizmente os voluntários da Fifa – todos eles muito gentis, atenciosos e interessados, conseguiram resolver o problema que a Master não conseguiu.

Mas quero falar do Maracanã. O novo Maracanã. Foi legal que os senhores concordaram em manter a estrutura externa. Por dentro, o estádio ficou lindo, com uma visão espetacular e muito confortável. Mas esse não é o Maracanã, senhores. Achávamos que a Fifa queria fazer uma Copa do Mundo no Brasil para que os outros povos conhecessem como se torce por aqui no país do futebol, conhecessem o nosso jeito de viver o futebol. Nem tudo foi culpa da Fifa, eu sei. Os senhores pediram visão perfeita do campo, o rebaixamento do gramado, cobertura para todo o público, a redução do gramado, o fim da geral e locais nobres para os camarotes. Infelizmente, ninguém teve a coragem de dizer: “Topamos tudo, mas queremos que o Maracanã volte a ter a geral e mantenha seus dois anéis”. Afinal, dinheiro não seria problema nessa reforma. Não consigo imaginar um Fla-Flu neste novo Maracanã com aquele mar de bandeiras, as faixas das torcidas penduradas no segundo anel. A Fifa simplesmente tirou a alma do templo do futebol brasileiro e mundial. Uma pena, mas a Fifa e seus convidados jamais conhecerão a emoção do povão da geral diante do craque Zico depois de um gol do Flamengo. Era de arrepiar. Mando junto esta foto para os senhores verem como era. O Maracanã era redondo. Ficou oval dentro de um círculo. O gramado, que usava as dimensões máximas permitidas pela International Board, foi reduzido. Jogar no Maracanã passou a ser uma coisa normal. Até porque todos os estádios foram pasteurizados. Eu também gostaria de sugerir que, na saída dos estádios, houvesse bolsões de táxis credenciados para os torcedores. Mobilidade urbana ainda não é o nosso forte. Esse foi um dois motivos, Sr. Blatter, das vaias que o constrangeram no Estádio “Nacional” Mané Garrincha, em Brasília. 

Como os novos estádios brasileiros perderam a alma, o povão foi afastado, as torcidas e suas bandeiras foram proibidas, as medidas dos gramados foram padronizadas e o futebol passou a ser um esporte só para a classe A, eu sugiro que na próxima Copa do Mundo, na Rússia, em 2018, os senhores perguntem antes se existe alguma tradição que os russos queiram manter. A gente nunca sabe quando vem de fora para um país-sede. Não repitam o que fizeram no Brasil. Talvez lá na Rússia tenha gente que goste de assistir o jogo em pé, tenha gente que goste de levar bandeiras ao estádio. Flexibilizem um pouco. Porque no Brasil os senhores estão fazendo uma revolução. A modernidade da Fifa chegou por aqui para ficar. E com ela tradições de um século foram sepultadas sob as construções das novas “arenas”.

Por fim, Sr. Blatter e Sr. Valcke, acho que os senhores verão uma Copa do Mundo tecnicamente perfeita no Brasil em 2014. Mas não será a Copa que o futebol brasileiro organizaria. Agora eu entendo porque os senhores frisam tanto que é a Copa do Mundo DA FIFA. As tradições do país-sede, quem dá bola para elas?