O petista Jésus Lima, prefeito de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, sempre foi estilingue. Na última semana, virou vidraça. Uma vidraça estilhaçada pelos corpos de dois sem-teto mortos em conflito com a Polícia Militar na manhã da segunda-feira 26. "Meu marido estava desempregado, mas era trabalhador", diz Arlete Maria dos Santos, viúva de Erionildes Anastácio de Souza, atingido por um tiro na nuca. "Invadimos um terreno público em busca de moradia e terra, mas o prefeito, que também já invadiu terras no passado, nunca nos chamou para negociar qualquer coisa," afirmou. A invasão de um terreno municipal na Vila Bandeira Vermelha, zona rural de Betim, ocorreu em 15 de março, quando 600 famílias organizadas pela Liga Camponesa Operária montaram barracas de lona. "Tentamos cadastrar as famílias para dividirmos a área em lotes, mas fomos impedidos de entrar no local", defende-se o prefeito. Na verdade, porém, Jésus não compareceu a nenhuma reunião com os invasores e conseguiu ordem judicial para desocupar o terreno.

Foi o próprio prefeito, que já militou nos movimentos de base da Igreja Católica e liderou diversas invasões – inclusive em Betim –, que chamou a Polícia Militar para expulsar as 600 famílias. O conflito da segunda-feira 26, que além dos dois mortos deixou cerca de 40 feridos, estava anunciado e até poderia ter sido evitado. A Liga Camponesa Operária é fruto de dissidências do MR-8 e do Partido Revolucionário Comunista (PRC). Trata-se de um movimento de orientação maoísta que apregoa a luta armada como forma de chegar ao poder. Nas eleições do ano passado, o grupo defendeu o voto nulo e promoveu manifestações com cartazes que estampavam o rosto de Mao Tsé-tung. "Dois dias depois da invasão estive com o prefeito e o avisei de que os invasores estavam dispostos a resistir a qualquer preço, que apostavam no conflito", afirmou a ISTOÉ o tesoureiro do PT de Minas, Carlos Calazans. Não foi apenas a um companheiro de partido que o prefeito Jésus não deu ouvidos. Cerca de sete dias antes do conflito, oficiais da PM estiveram na prefeitura. A reunião com o prefeito durou cerca de 40 minutos e os policiais foram incisivos. Alertaram Jésus que a invasão do terreno seria um desastre. Segundo um desses oficiais, ouvido por ISTOÉ na quarta-feira 28, o prefeito tinha pleno conhecimento do risco da operação e mesmo assim optou pela invasão policial. "Chegamos a sugerir alternativas como a construção de uma barricada para impedir a entrada de água e alimentos no acampamento, mas o prefeito descartou essa possibilidade", ressalta o oficial.

Os invasores, que passaram a última semana reunidos e cantando temas como "Se matam um dos nossos, dez vão morrer do outro lado" e "No risco que corre o pau; corre o machado, Não há o que temer. Aqueles que mandam matar, também têm que morrer", alegam que a polícia chegou atirando e que eles não tinham armas de fogo para um enfrentamento. Os policiais, por sua vez, asseguram que usavam balas de borracha e que os sem-teto mortos foram vítimas de disparos feitos pelos próprios companheiros. Além de Erionildes, morreu no confronto o sem-teto Elder Gonçalves de Souza, que estava filmando a invasão. Para saber de onde saíram os tiros que mataram os dois invasores, só mesmo um exame de balística. O problema é que para ser feita essa perícia é preciso confrontar a bala que atingiu o alvo com as armas apreendidas. Com os invasores, os policiais não encontraram nenhuma arma de fogo, apenas bombas de fabricação caseira, estilingues e foices. Na zona de conflito, porém, foram encontrados cartuchos de pistolas automáticas nove milímetros, de escopetas calibre 12 e até de balas de fuzil. "Essa investigação precisa ser acompanhada de perto. Não importa se o invasores são radicais ou não, o que precisamos é punir os responsáveis e aprendermos de uma vez por todas que problemas sociais não se resolvem com força policial", diz o deputado Nilmário Miranda (PT-MG), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara.

Até segunda-feira 26, o prefeito Jésus era uma liderança política em crescimento. Foi ele o responsável pela adesão de prefeitos petistas à candidatura de Itamar Franco para o governo de Minas no ano passado. Nas últimas semanas, vinha articulando os prefeitos do Estado na discussão do pacto federativo. Com a morte dos dois sem-teto sua imagem ficou desgastada dentro e fora do PT. "O prefeito sabe que está lidando com uma organização extremista e se não mudar a forma de agir poderá haver novas mortes", adverte Paulo César Funghi, presidente da CUT de Minas. Para a oposição, a morte dos sem-teto virou palavra de ordem. Na terça-feira 27, durante o cortejo do enterro de Erionildes, manifestantes depredaram a sede da prefeitura sob os gritos de "prefeito assassino" e chegaram a velar o corpo no saguão do prédio. A manifestação era liderada por vereadores de oposição, principalmente do PDT e do PNM.

Colaborou Alan Rodrigues (DF)

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