Até há alguns anos, a palavra câncer quase não era pronunciada. Para dizer que alguém sofria desse mal, cochichava-se: ele está com a “doença ruim”. Hoje não só se fala claramente sobre o assunto como já é possível controlar vários tipos de tumores. Por aí dá para tirar uma idéia de como não só esse, mas vários outros problemas como diabetes e mal de Alzheimer estarão muito mais perto da cura no próximo milênio. O otimismo tem razão de existir. Nunca se soube tanto a respeito das doenças e nunca se investiu tanto em pesquisa quanto nos últimos anos. O século XX, aliás, foi marcado por importantes descobertas, como a penicilina, a quimioterapia e as cirurgias cardíacas. E, ao que tudo indica, o futuro será ainda mais brilhante.

O tratamento das principais doenças apontam para vários rumos. Um dos mais promissores é a tão falada terapia genética. A idéia é que, a partir de 2003, data prevista para a conclusão do projeto Genoma (empreendimento científico mundial destinado a mapear os genes humanos), será possível conhecer grande parte de nossos genes e desde então prevenir e tratar vários distúrbios. Provavelmente, num futuro breve faremos um mapeamento genético logo ao nascer. Ou seja, por meio de exames específicos, a criança já no berçário terá seu perfil genético e os pais saberão quais as probabilidades de se desenvolver essa ou aquela doença. Alguns desses testes já existem hoje. São exames que analisam o DNA e mostram a predisposição para várias doenças, inclusive câncer. A expectativa é de que, nas próximas décadas, para cada mal, apareça um teste específico. Mas ainda há muito caminho pela frente. Hoje, das seis mil doenças genéticas conhecidas, apenas mil têm seus genes sequen-ciados (estrutura total conhecida).

Atualmente, os testes têm indicações específicas. Mesmo assim, com o resultado na mão, muitas vezes é possível prevenir o problema ou então evitar que o mal tome proporções maiores. Em geral, isso significa verdadeiras mudanças de hábito. “Mulheres que têm histórico familiar de câncer de mama e confirmam que herdaram a mutação genética provavelmente farão mamografias mais constantes”, explica o oncologista Cláudio Casali da Rocha, do Hospital do Câncer de São Paulo. “Essa investigação permitirá descobrir um tumor em fase inicial”, completa. Entretanto, alguns testes, como para o mal de Alzheimer, são polêmicos e pouco indicados.“Ainda não existe um tratamento preventivo que possa impedir o desenvolvimento da doença. Então, teoricamente, de nada adianta saber que um dia esse mal irá atacar e não há como evitar”, opina a geneticista Mayana Zats, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP.

Pesquisas – As pesquisas seguem basicamente três linhas. A primeira é implantar um gene sadio no local do defeituoso. A idéia é clonar o gene em laboratório para depois injetá-lo no organismo a fim de substituir o mutante. Mas para entrar no corpo, o gene precisa de um veículo, um vetor. Para isso, os cientistas utilizam um tipo de vírus, o adenovírus. O problema é que o organismo acaba expulsando esse corpo estranho e dessa maneira o gene bom também vai embora. Alguns pesquisadores estão tentando injetar o retrovírus, um tipo de microorganismo semelhante ao HIV (o vírus da Aids) que invade o DNA da célula. Dessa maneira, não há como o corpo expulsá-lo”, explica Martin Whittle, diretor clínico do laboratório Genomic Engenharia Molecular, de São Paulo. O problema é que ele tem de infectar a célula certa. E isso é duro de se conseguir”, afirma ele. Um caminho difícil, sem dúvida. Tenta-se, então, um outro meio, que seria injetar um gene que “mande” as células produzir uma proteína que as levem à auto-renovação e impeça que cresçam defeituosas (como acontece com o câncer). Mas também nem sempre é fácil acertar na célula correta.

Exatamente por isso, o terceiro caminho da medicina pós-genômica é talvez o mais promissor e, sem dúvida, o mais fascinante. É a farmaco-genética, medicamentos capazes de se adequar às variabilidades ou genótipos de cada paciente.“Algumas pessoas não respondem bem a determinadas drogas talvez porque tenham predisposição a isso. Essa farmacologia do futuro iria solucionar grande parte desses problemas”, acredita Mayana Zats. Ela lembra ainda que a doença genética não é necessariamente aquela que aparece porque o gene defeituoso foi herdado dos pais ou avós. Ela acontece porque pode haver uma mutação no gene e a célula passa a se reproduzir com defeito (o câncer é de novo um bom exemplo). Também por isso a farmaco-genética será algo tão fantástico que poderá tratar praticamente todas as doenças. “O mais incrível é que a matéria-prima para essas drogas virá das plantas, conhecidas dos índios há milênios”, observa Manoel de Sá e Benevides, do laboratório Genomic.

Sem dúvida, a medicina pós-genômica mostra um futuro otimista para o próximo século. Mas um outro ramo de pesquisa também pode solucionar muitas doenças que castigam o homem. É a transformação de células embrionárias (stem cells) em tecidos que compõem os órgãos, como coração, cérebro, fígado e medula óssea. No final de 1998, o cientista James Thomson, da Universidade de Wiscosin, nos Estados Unidos, levantou a possibilidade de se criar tecidos em laboratórios a partir dessas células. Isso porque, como são primárias, elas têm a capacidade de se transformar em outras células. Por isso tanta maleabilidade. Essas pesquisas iniciais animaram cientistas de todo o mundo. Tanto que todo o ano de 1999 foi marcado com experiências com as células embrionárias. Só para citar um exemplo, no início de dezembro, pesquisadores americanos anunciaram que conseguiram implantar essas células na medula de ratos. Elas então assumem as funções das que foram lesadas, acabando com problema de paralisia, por exemplo. É o começo de um futuro promissor. A dificuldade dos especialistas é impedir a rejeição natural do organismo a outro material genético. Por isso, alguns pesquisadores acreditam que o ideal é guardar o cordão umbilical dos bebês (repleto de células embrionárias) para um eventual tratamento quando eles ficarem adultos. Loucura? Nem tanto. Muitos centros já utilizam o cordão umbilical para tratar doenças como a anemia falciforme. Só para citar um exemplo, em dezembro de 1998, um garoto americano de 13 anos chamado Keone Penn sofreu uma transfusão de células para tratar uma anemia falciforme. As células vieram do cordão umbilical de um recém-nascido. Era uma cirurgia experimental, mas obteve sucesso. Um ano depois, os médicos declararam que Keone estava curado. Muita gente, portanto, tem levado a sério essa viagem ao futuro. O próprio Manoel Benevides, do laboratório Genomic, tratou de congelar o cordão de sua filha, Camila, hoje com dez meses. “Não sabemos o dia de amanhã. E acho que esse caminho é promissor”, afirma ele.

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