Ele permanece como a última fronteira a ser desvendada. Não é para menos. O cérebro humano, um pequeno órgão de cerca de um quilo e meio, é um dos mais fascinantes exemplos da engenhosidade da natureza. É uma máquina projetada para ser tão perfeita, tão harmônica que o homem não chegou nem perto de conhecer toda a sua fabulosa engrenagem. E, mesmo com o esforço realizado pela ciência – nos últimos dez anos, por exemplo, houve uma concentração de estudos sobre o órgão, o que rendeu ao período o título de “década do cérebro –, ele continua a ser aos olhos humanos um sistema complexo, misterioso e, por isso mesmo, intrigante e desafiador.

A década do cérebro – um tour de force empreendido por cientistas do mundo inteiro – rendeu, é verdade, descobertas históricas. Regiões cerebrais até então com função desconhecida foram desvendadas. Reações químicas que estão por trás de emoções ganharam fórmulas. Processos que levam à gravação da memória se tornaram cada vez mais conhecidos. Talvez um dos mais importantes achados, no entanto, tenha sido a constatação de que o cérebro apresenta uma impressionante capacidade de adaptação e regeneração. Sabe-se, hoje, por exemplo, que os danos provocados por causa de uma lesão em determinada área podem ser amenizados ou evitados. Essa proeza pode ser conseguida por meio de estímulos específicos que ativarão outras áreas. Intactas e preservadas, essas regiões acabarão realizando as tarefas daquela que está com seu funcionamento prejudicado.

Todos esses conhecimentos foram obtidos graças a um formidável avanço na tecnologia de pesquisa, com equipamentos que permitem enxergar cada vez mais precisamente os mecanismos do funcionamento cerebral. “A sofisticação dos aparelhos encurtou as formas de investigação”, afirma o neurologista Acary Bulle Oliveira, da Universidade Federal de São Paulo. E o aprimoramento das tecnologias deve revelar ainda mais sobre o cérebro. Nos próximos anos, se intensificará a prática de combinar as várias técnicas de pesquisa – tomografia e medição da atividade elétrica das células nervosas, por exemplo – para desvendar melhor onde, quando e como ocorrem as manifestações cerebrais. “É o próximo passo nas pesquisas”, afirma o neurocientista Cláudio Guimarães, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Além disso, o uso da ressonância magnética nessa investigação – o equipamento é hoje um dos mais usados nesse trabalho – também será consolidado. Com tantos instrumentos de pesquisa, a perspectiva é otimista. “Nos próximos dez anos, provavelmente, teremos um padrão do funcionamento normal do cérebro”, afirma o neurologista Paulo Caramelli, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Ou seja, o homem ganhará um conhecimento muito maior de como funciona o complexo mecanismo cerebral, além de ter condições de localizar e entender o que e em que local algo de errado está sendo feito.

E não é só. Os aparelhos mais refinados, que darão imagens cada vez mais nítidas, permitirão outros benefícios. O médico saberá com maior precisão o local onde está alojado um tumor, por exemplo. Dessa forma, planejará melhor o passo-a-passo da cirurgia para extirpá-lo, ganhando, com isso, mais condições de retirá-lo com menos danos possíveis às células sadias da região. Ele, finalmente, ganhará um mapa dos lugares por onde terá de passar seu bisturi. Em 20 anos, a tecnologia sofisticada de imagem também será usada para análise patológica dos problemas cerebrais. Isso significa que não será preciso fazer biópsia dos tecidos do órgão para se verificar o que está acontecendo com as células. “A ressonância terá um grau de definição tão grande que permitirá ver o cérebro em nível celular”, explica Caramelli.

Esse tipo de uso da tecnologia de imagem ajudará a confirmar, inclusive, o diagnóstico de doenças como o mal de Alzheimer, caracterizada pela perda gradativa de memória até chegar à demência, e o mal de Parkinson, caracterizado pela perda da coordenação motora. Hoje, essas doenças são diagnosticadas a partir de sinais clínicos justamente pelo fato de que fazer uma biópsia nos tecidos cerebrais é um procedimento muito complicado. Mas com o avanço dos equipamentos de imagem, será possível confirmar se há alteração nos neurônios que, de fato, indique a ocorrência dessas doenças. E, como se sabe, um diagnóstico preciso é sempre o melhor passo para se tratar uma doença.

Transplantes – Outra área que terá um grande progresso graças aos conhecimentos que virão com os novos equipamentos de imagem é a técnica do transplante de células nervosas embrio-nárias. É compreensível. Essas células têm a capacidade de desempenhar a função de qualquer outra célula lesada. A idéia, portanto, é fazer com que elas cheguem às áreas danificadas – por doenças como o próprio Alzheimer ou traumas – e cumpram as tarefas que as outras não podem mais fazer. “Com o auxílio de dados mais precisos enviados por essas pesquisas, as células serão colocadas em lugares mais corretos”, explica o professor Gilberto Xavier, da Universidade de São Paulo. O pesquisador é otimista em relação à aplicação da técnica. “Acho que dentro de cinco anos ela já estará disponível”, afirma.

Todo o conhecimento que será gerado com a ajuda dos equipamentos de investigação também servirá de base para o desenvolvimento de novos remédios. Afinal, ao conhecer melhor os processos que levam ao surgimento das doenças cerebrais, será mais fácil desenvolver as substâncias necessárias para corrigir o erro. E, como em todas as outras doenças, espera-se que ocorra a identificação cada vez mais rápida dos genes responsáveis pelos males cerebrais. A partir dessa identificação, será possível pensar em saídas para corrigir os defeituosos. Como se vê, a velocidade das descobertas, com a ajuda do aperfeiçoamento dos métodos de pesquisa, faz crer que o desvendamento do cérebro está cada vez mais perto.