Há um personagem-chave nas suspeitas operações do Banco Central e que, até agora, vem sendo ignorado pela CPI dos Bancos. Trata-se de Demósthenes Madureira de Pinho Neto, herdeiro de uma tradicional família carioca e titular de cargos qualificados no BC. A mudança do regime cambial, em janeiro, encontrou-o ocupando a diretoria de Assuntos Internacionais. E o caos financeiro que se seguiu à demissão de Francisco Lopes, em fevereiro, atirou-o à presidência da autarquia por mais de um mês, até a posse de Armínio Fraga. Demósthenes não só viu de perto o socorro aos bancos Marka e FonteCindam, como assinou o voto que ordenou as operações de salvamento. Também assistiu à ação de bastidores do ministro da Fazenda, Pedro Malan, que fritou Lopes e obrigou o presidente Fernando Henrique Cardoso a defenestrá-lo. Saiu do Banco Central dizendo-se horrorizado com o modus vivendi da política em Brasília. Mas também deixou dúvidas por onde passou. Antes de ingressar no BC, Demósthenes era diretor-executivo do Unibanco Asset Management, responsável pela administração de R$ 11 bilhões. Em janeiro, qual foi a corretora que liderou os contratos de dólar futuro? Unibanco, com quase o dobro de negócios do segundo colocado no ranking da BM&F. O dado, por si só, não constitui prova maior que as habituais coincidências encontradas no trânsito de profissionais entre o mercado financeiro e o BC. Mas Demósthenes tanto sabe que confidenciou a amigos já estar preparando seu depoimento à CPI.

A quebra do sigilo da BM&F também produziu uma longa lista de suspeitos e testemunhas para desvendar o que, de fato, ocorreu em janeiro e se escondeu nos porões do BC. No mês em que o Banco Central perdeu R$ 6,5 bilhões, muita gente embolsou esse dinheiro. A turma da BM&F garantiu sua fatia. A lista da Bolsa expôs a atuação de gente próxima ao seu comando. Um exemplo é Manoel Pires da Costa, ex-presidente da BM&F, que foi proibido pelo BC de dirigir sua corretora, a Patente, após ser condenado por irregularidades no mercado financeiro. Um de seus fundos comprou US$ 200 milhões em contratos futuros precisamente no dia 12 de janeiro, véspera da primeira mudança no regime cambial. Ou seja, na hora de encerrar a operação, a moeda americana valia muito mais do que o Patente havia se comprometido a pagar por ela e a diferença foi o seu lucro. Um lance de sorte para os 75 cotistas do fundo? "Nada é estranho no mercado. Tudo é uma questão de convicção do banqueiro, cada um aposta como quer", explica Pires da Costa.

A quebra do sigilo que escondia as operações no mercado futuro reforça algumas suspeitas e destrói a versão oficial amplamente divulgada pelo governo de que não haveria informação privilegiada porque todo o mercado já suspeitava da desvalorização. "Esperamos até o último momento e fomos atrás do efeito manada", justificou o superintendente do Banco Cacique, Cesário Coimbra, que arrematou, no dia 12, três mil contratos de dólar futuro. O raios X das operações mostra que a história foi outra. "Não houve um estouro de boiada. Apenas alguns bancos compraram muitos contratos na véspera e lucraram como nunca", analisa o deputado Aloizio Mercadante (PT-SP). A papelada entregue aos senadores mostra que instituições de peso e supostamente bem-informadas, como o Banco Francês e Brasileiro, estavam na contramão da crise. O BFB, naquele dia, vendeu US$ 60 milhões em contratos. Entre os ganhadores, os de sempre: CSFB Garantia, JP Morgan e Morgan Guaranty Trust Company – este último recordista com 11.375 contratos. Todos cultivam boas relações com o governo. As informações da Bolsa – entregues à CPI em disquetes e impressas em 2.300 páginas – também revelaram os "laranjas" oficiais que atuam no mercado financeiro. Oficialmente batizados como "operadores especiais", essas pessoas emprestam seu nome, habilidade e prestígio no pregão da BM&F para terceiros. Todos correm o risco de ter seus sigilos bancários quebrados pela CPI: há uma firme desconfiança de que um "laranja" operou em nome de beneficiários do vazamento.

Na segunda-feira 26, quando Chico Lopes negou-se a firmar um termo de compromisso e saiu preso da CPI dos Bancos, a força do Senado para investigar as relações entre o BC e o sistema financeiro foi posta em xeque. As pistas levantadas pelos dados da BM&F injetaram combustível novo na apuração, que vai requerer outras quebras de sigilo bancário e fiscal de dirigentes e operadores da Bolsa. Mas a questão política crucial envolve a convocação do ministro Pedro Malan. "Se ele não vier, a CPI ficará desmoralizada", diz Roberto Requião. O líder de seu partido, Jader Barbalho (PA), acha que ainda é cedo para chamar o ministro e o tiro pode sair pela culatra. A opinião de Jader deve prevalecer, mas a irritação com o governo está atingindo níveis perigosos. Depois que os senadores souberam que o ministro-chefe da Casa Civil, Clóvis Carvalho, e o secretário-geral da Presidência, Eduardo Graef, trabalharam pelo adiamento do depoimento de Chico Lopes, mandaram um aviso ao presidente: os ministros que se mexerem muito poderão ser os primeiros alvejados.