KARIME XAVIER/AG. ISTOÉ

BARRADO Portador do vírus HIV há 20 anos,
o professor Apolo Marcos foi impedido de entrar nos EUA

Ex-funcionário de três companhias aéreas americanas, Apolo Marcos, 51 anos, perdeu a conta de quantas vezes esteve nos Estados Unidos. Soropositivo há 20 anos, ele sempre levava consigo os remédios para o tratamento de Aids. Não poderia imaginar que um dia seria detido, ameaçado e impedido de entrar no País justamente por ter a doença. O motivo, que ele desconhecia, é que os EUA, a China, a Colômbia e outros nove países impõem restrições à entrada em seus territórios de pessoas com HIV positivo, mesmo em viagens de curta duração. Devido a isso, muitos portadores do vírus omitem, tentam disfarçar a medicação trocando os frascos por outros acima de suspeitas ou até deixam de tomar os anti-retrovirais quando viajam para algum destes destinos. Quem fala a verdade tem a permissão negada ou é mandado de volta. Foi o que aconteceu com Marcos em 2005. Indignado com a humilhação, o professor de inglês paulista foi em busca de seus direitos e conseguiu uma autorização especial para visitar o país. “Passei 30 anos da minha vida trabalhando para os americanos e, de repente, eles fazem isso comigo? Fiquei revoltado, com ódio mesmo. Voltei tão nervoso que em três meses estava com câncer”, conta Marcos.

Indignação e revolta também foram as reações de Janaína Regina da Conceição, 28 anos, ao ter o visto negado pelo consulado dos EUA no Recife. A pernambucana que contraiu o vírus quando se prostituía, segundo ela, obrigada pela mãe adotiva, havia sido convidada a participar do 51º Encontro da Comissão de Status da Mulher, na Organização das Nações Unidas, em Nova York. Mesmo com uma carta de recomendação da ONU e passagens de ida e volta em mãos, a atual artesã não recebeu permissão para viajar. Oficialmente, a falta de um emprego fixo seria o motivo da recusa. O site do Departamento de Estado americano, entretanto, é muito claro: portadores de HIV são inelegíveis ao visto e só podem entrar no país com uma autorização especial, o chamado special waiver. “Me senti inferior”, diz Janaína. Temendo passar pelo mesmo constrangimento, um enfermeiro carioca de 28 anos preferiu mentir. Contaminado há pouco tempo, ele ainda não toma remédios: “Tinha a certeza de que teria o visto negado, então disse não ao preencher o formulário”, lembra, referindo- se à questão sobre doenças contagiosas.

Não é o caso de um modelo cujo nome quer manter em sigilo. Portador do vírus há mais de uma década, ele precisa dos remédios, mas não os leva quando viaja para o Exterior – e já ficou sem a medicação por até um mês. Segundo a infectologista Roberta Schiavon, a interrupção do tratamento pode tornar o HIV resistente à medicação, provocando problemas de saúde a longo prazo. Com o objetivo de rever as restrições para viagens de turismo ou negócios, o Brasil lidera um grupo de discussão criado pelo Programa das Nações Unidas para HIV/Aids. “É uma medida discriminatória. O HIV não é transmitido pelo ar ou em um simples contato. O Brasil não foi invadido por pessoas em busca de tratamento ou viu a epidemia sair de controle por não fazer restrições”, argumenta Mariângela Simão, coordenadora do Programa Nacional de DST/Aids.

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