O individualismo será a grande marca no próximo século e os efeitos disso na política serão devastadores. Apesar de nunca na história da humanidade tantas pessoas terem tido a possibilidade de expressar livremente suas idéias, inclusive através de eleições, o resultado pode ser nulo, como adverte o filósofo Renato Janine Ribeiro. Isso porque a esquerda perdeu o poder de mobilização e a direita tende a reinar com larga margem de vantagem, sem realizar grandes mudanças na sociedade. “Cada vez mais os partidos políticos que vencem as eleições acabam tendo uma plataforma de atuação neoliberal, mesmo com discurso de esquerda nas campanhas. Isso pode até gerar uma decepção com a liberdade”, ressalta Ribeiro. Por trás dessa letargia política fica explícito o total poder que os grandes grupos econômicos terão no próximo século. A intervenção do Estado na economia está cada vez menor – e até fora de moda – e as multinacionais mandam e desmandam nos rumos políticos e econômicos. “No século XX existia o marxismo para falar em nome da humanidade e a classe trabalhadora era o grande exemplo a defender. Hoje não existe mais um ícone a ser seguido e esse é o grande desafio sociológico do próximo século”, ressalta o cientista político José Augusto Guilhon Albuquerque. O mais grave nisso tudo é que o exército de desempregados na América Latina e na Europa, por exemplo, não tem voz nem vez nessa estrutura e aparentemente ficará no limbo nas próximas décadas. “São até pessoas que concluem os anos de estudo do primeiro ou segundo graus, mas sabem que ficarão sem trabalho. Não têm motivação política e podem até acontecer revoltas esporádicas e violentas em bairros de periferia. Mas elas não abalarão em nada a estabilidade do sistema”, ressalta Albuquerque.

Nem mesmo as tão badaladas Organizações Não-Governamentais (ONGs) aparecem como uma solução para esse vazio entre os interesses do indivíduo e o poder que os grandes conglomerados exercem na sociedade e nos governos. “Na verdade, as ONGs são resquício do século XX e do militantismo da década de 70. Esse militantismo tende a acabar e não existe uma união entre as organizações. Cada uma defende o seu lado”, alega Albuquerque. Prova disso é que na batalha de Seattle, ocorrida em dezembro passado durante a reunião de representantes de países para tentar um avanço na liberação mundial do comércio, os militantes franceses defendiam os interesses dos trabalhadores do seu país em prejuízo das nações em desenvolvimento. Para Renato Janine Ribeiro, as ONGs surgiram no vazio da atuação social dos governos e tendem a fazer uma ação caridosa de pouco efeito a longo termo. “Suas propostas são até válidas, mas não conseguirão suprir as necessidades das camadas mais carentes da sociedade.” Até mesmo o Movimento dos Sem-Terra (MST) e os grupos de sem-teto não têm muito futuro. “A maio-ria dos seus membros não tem uma formação política bem estruturada e se dispersariam facilmente com o fim das lideranças e dos recursos que sustentam as entidades”, afirma Albuquerque. A chamada Terceira Via, que busca usar o melhor do capitalismo e ao mesmo tempo atender às demandas sociais, também não é levada a sério por esses analistas. “O que o primeiro ministro Tony Blair faz na Inglaterra é um modelo liberal à Margareth Thatcher, mas sem o ônus da impopularidade dela.”

As gerações voltadas para si mesmas e sem nenhuma militância política têm ao menos uma vantagem a ganhar em relação aos seus pais e avós do século XX. “Elas cada vez estão mais livres dos freios da religião ou das formalidades. Cada vez mais as pessoas se preocuparão em ter prazer sem culpa”, prevê Ribeiro. A situação poderia chegar até a ponto de que se exija que a Saúde Pública ou as seguradoras privadas paguem os custos do consumo de remé-dios como o Viagra e Xenical, medicamentos que melhoram a performance sexual ou eliminam gordura do corpo. “As pessoas não se contentam em suprir apenas suas carências. Querem algo mais, como comer à vontade e emagrecer sem problemas”, avalia Ribeiro. Outra vantagem que o próximo século deve garantir, segundo Albuquerque, que também é responsável pelo Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da USP, será justamente a estabilidade econômica e nas relações entre os países. O fato é que o mundo viverá cada vez mais uma americanização sobre todos os pontos de vista. Até mesmo no desinteresse por eleições: as taxas de abstenção em alguns países começam a se aproximar dos 70% como nos Estados Unidos. Ou seja, o modelito Tio Sam tende a reinar com toda força.