Após décadas de apatia e ausência de protestos da sociedade diante dos mais variados atentados à cidadania – da violência urbana à imoralidade política –, eis que o País assiste a uma retomada, com força e de maneira disseminada em vários Estados, dos movimentos sociais. Talvez pela pouca prática dos últimos anos e pela falta de tarimba de seus participantes – muitos deles estudantes, meros trabalhadores que reclamam inclusive do aumento do preço da passagem de ônibus, do custo de vida, da crise na saúde, etc. –, eles extrapolaram, acabaram levados por pequenos grupelhos de agitadores e muitas vezes descambaram para o vandalismo condenável e fora de controle. Os gritos das ruas de agora trazem, de qualquer maneira, o mesmo e irrefreável ímpeto libertário que embalou gerações e gerações de inconformados lá atrás, no Brasil e no mundo, e que deram margem para que, em alguns casos, autoridades despreparadas e sedentas de poder aproveitassem para adotar a repressão extrema e a supressão até das liberdades individuais. Nos protestos da semana passada, mais uma vez a resposta oficial aos manifestantes foi desmedida e fora de propósito. Policiais de cassetete na mão, montados em cavalaria e armados com balas de borracha, atacaram e avançaram sem dó contra a turba, deixando centenas de feridos, física e moralmente. Não devemos ser tolerantes e coniventes com a repressão em nenhum estágio possível, por menor que ela esteja, como também não podemos ser indulgentes com a violência sem propósito, seja de que lado for. A sociedade brasileira já viveu, da pior maneira, os reflexos negativos e danos provocados pelos anos de chumbo de uma ditadura militar que limitou todos os direitos – inclusive o mais elementar que é o do protesto. Aceitar o retorno desse estado de coisas é inaceitável. A democracia é naturalmente movida por ações reivindicatórias do povo. Tolher esse espírito é um ato tirânico cujas consequências ninguém quer assistir de novo.