Na calçada em frente à estação de Karlsruhe, como nas plataformas de embarque lá dentro, a Deutsche Bahn, que administra os trens na Alemanha, espalhou latas de lixo de quatro bocas, cuidadosamente discriminadas por letreiros em várias línguas e cores contrastantes.
Há o buraco do “Papier”, para o papel. “Verpackung”, para embalagens. “Glas”, para vidros.

E “Restmüll”, para o resto, que aparentemente não inclui alimentos, ilustrando a suspeita de que, para os alemães, comida é coisa que não tem sobra, por maiores que sejam as porções servidas à mesa ou nos balcões de tortas e sanduíches.

O problema é que, naquela hora da manhã, as quatro bocas estão cheias, senão regurgitando amostras incongruentes de lixo, misturadas na pressa do embarque num regime de promiscuidade que nada tem a ver com a ordem vigente do lado de fora. Na dúvida, a mão do forasteiro para no ar, segurando um modesto pedaço de papel.

E instantaneamente se forma à sua retaguarda uma pequena fila de passageiros, todos pelo visto em cima da hora para o encontro com um trem pontual e implacável. Logo, um deles toma a iniciativa de explicar ao desavisado como as coisas realmente funcionam nessas ocasiões. Com uma profusão de palavras vagamente inteligíveis e gestos universalmente inconfundíveis, mostra que cada um põe seu lixo onde for mais rápido.

Isso num país que resolveu tão germanicamente a reciclagem dos resíduos industriais e domésticos que, para manter alimentadas as termelétricas movidas a lixo, eventualmente importa, a 250 euros por tonelada, a porcariada urbana que a Camorra acumula no sul da Itália, a ponto de às vezes entulhar nas greves da coleta as ruas de Nápoles.

Graças a esse sistema acidental de cooperação europeia, 160 mil toneladas do mais puro produto da desordem mafiosa mantêm na Alemanha a ordem dos incineradores, encarregados de gerar 1% da eletricidade alemã. E o pequeno incidente na estação de Karlsruhe, num momento em que países desenvolvidos e atrasados discutiam suas diferenças em Copenhague, caiu como um floco do mundo concreto sobre um noticiário inundado pelas abstrações políticas da COP15.

A terra não é tão chata quanto aparenta nessas reuniões que fingem tomar em poucos dias as decisões que o cotidiano só tomará a médio prazo. Nem tão redonda como parecia nos globos terrestres que, não faz tanto tempo assim, eram um trunfo didático indispensável às escolas onde os alunos decoravam, na ponta da língua, as cinco provas de que o mundo nunca foi plano – “quanto um navio se afasta do porto, o casco some antes que os mastros…”, etc.

Na prática, ele continua mesmo é um planeta cheio de arestas, como um cristal em que cada tentativa de lapidação joga novas luzes em seus menores cantos. Como neste dezembro, em que a urgência da crise climática pedia medidas extremas para economizar energia. Mas as luzes de Natal estavam acesas como sempre nas ruas europeias, nesta estação do ano em que o dia acaba cedo e a noite nunca chega nas cidades feericamente iluminadas, para lembrar que em toda parte velhos hábitos mudam devagar.
Na dúvida, visite em hora de ponta a cesta de lixo da estação de Karlsruhe.