A jornalista conta como Daniela Mercury a conquistou, diz que perder a privacidade é o preço para viver seu amor em liberdade e explica por que está adiando a gravidez

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DESCOBERTA
"Malu sentiu atração por mulheres, pela primeira vez,
aos 19 anos: “Sofri muito, achei que estava louca”

“Oi, pequena! Que bico é esse? Venha cá! Olhe o que eu comprei: chocolate!”

Assim, Ana Isabel, de 3 anos, uma das três filhas adotivas da cantora Daniela Mercury, 47, foi mimada pela madrasta, a jornalista Malu Verçosa, de 38. Malu, editora-chefe da TV Bahia, em Salvador, uma manauara discreta que adotou a Bahia, tem encarado os holofotes por assumir publicamente a união homoafetiva com a rainha do axé. A jornalista e Daniela, mãe de cinco filhos, moram na casa da cantora, na capital soteropolitana. À ISTOÉ, Malu, filha de um petroleiro baiano e de uma pernambucana, revela detalhes de sua vida de casada com uma das artistas mais populares do Brasil.

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"Daniela ficou um mês atrás de mim. Um beijo em frente à
igreja Nossa Senhora da Vitória, em Salvador, baixou a guarda”

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“Entre mim e Daniela não tem essa de quem é o homem
e quem é a mulher da relação. Somos duas mulheres
bem femininas que discutem a cor do esmalte"

Fotos: Anderson Christian; Haroldo Abrantes / Ag. A Tarde

ISTOÉ

Quem tomou a iniciativa e partiu para a conquista? 

Malu Verçosa

Uai, não sei (risos)! Daniela teve um clique e diz que começou a pensar em mim. E achou que tinha algo estranho nesses pensamentos. Um dia, me chamou para conversar e disse que estava apaixonada por mim. Eu falei que ela estava louca, que havia acabado de se mudar de São Paulo para Salvador, estava passando por um momento confuso e achava que estivesse apaixonada por mim, mas não estava. Praticamente saí correndo dela. 

ISTOÉ

E depois? 

Malu Verçosa

Aí, Daniela dava um tempo e me procurava. Ficou um mês atrás de mim. E foi um beijo que baixou a guarda. Um beijo que ela me deu em frente à igreja Nossa Senhora da Vitória, em Salvador, na hora da Ave Maria, ouvindo os sinos badalarem. Somos católicas apostólicas baianas: já dei a ela medalhas de Nossa Senhora e também recebemos bênçãos e conselhos de Mãe Carmem do Gantois. 

ISTOÉ

Por que revelar que haviam se casado? 

Malu Verçosa

Resolvemos abrir um pouco nossa intimidade por ser uma causa maior, para não nos sentirmos reféns, presas. Não tenho vergonha do que eu faço, não faço nada de errado. Sou íntegra, tenho caráter, trabalho muito e Daniela também. Ela é uma artista que tem seu valor, é embaixadora do Unicef, do Instituto Ayrton Senna. É uma mulher incrível que não tem de se esconder de nada. Agora ouvimos pessoas que conseguem conversar com os pais sobre a opção sexual delas graças à nossa atitude. Não consigo ler os milhares de depoimentos que recebo no meu Facebook. É gente que diz viver há 20 anos escondido, que mora na mesma casa dos pais, mas tem um quarto separado. 

ISTOÉ

Quanto o preconceito a incomoda? 

Malu Verçosa

Tem um monte de gente que acha que não existe racismo no Brasil. Ninguém é racista, mas a sua filha não casa com preto. Ninguém é homofóbico, mas vem o colunista de um sitezinho qualquer e fala que a gente tem de arrumar um quarto, porque não aguenta mais nos ver aos beijos. Mesmo assim, ele escreve que não é homofóbico. Outro dia, vi um casal no aeroporto se beijando. Se fôssemos eu e Daniela, diriam que era descarado, vulgar. Não tenho de ficar trancada em casa. Não estou fazendo nada de errado! Quando falam que a gente tem de ficar trancadinha e não sair para rua como mulheres casadas, me dá uma sensação de impunidade. Não, eu não tenho de ficar trancada no quarto. Não, não estou fazendo nada errado! Não, não estou fazendo sexo no meio da rua! Estou demonstrando afeto pela minha mulher! 

ISTOÉ

Qual foi a reação dos seus pais quando você contou a eles que havia se casado com Daniela Mercury? 

Malu Verçosa

Eu e Daniela ficamos juntas em janeiro. No mês seguinte, fomos à casa dos meus pais apresentá-la a eles. Meus pais são muito espiritualizados. A minha opção sexual e meus relacionamentos nunca foram questões para eles. As pessoas com quem me relacionei sempre frequentaram a casa dos meus pais e eles sempre as receberam com muito carinho e respeito. Informei meus pais que estávamos juntas, felizes e que, com o Carnaval, algo poderia ser publicado na imprensa, porque Daniela é muito visada. Tiro e queda! Daniela ficou no meu apartamento no Carnaval, porque seria mais perto de onde ela se apresentaria. Aí, saiu a notícia que tínhamos sido flagradas no meu apartamento aos beijos. Fiquei arrasada, porque era mentira. Todos do nosso meio sabiam que estávamos juntas, minha ex, o ex de Daniela, a equipe dela, seguranças. Daniela ria de mim e dizia: “Por que você está histérica, se não é verdade?”. Depois do Carnaval, saímos de férias. 

ISTOÉ

E se casaram no Exterior.  

Malu Verçosa

Fomos para a Europa. E resolvemos nos casar em Paris. Compramos as alianças, fomos até a Sacré Coeur e na igreja de La Madeleine, no mesmo dia, fizemos juras de amor, fidelidade, cumplicidade e trocamos alianças. Aí, fomos para Portugal, onde Daniela faria shows. Como iam nos ver de aliança, ficamos dias pensando no que dizer. Até sugeri tirar a aliança. Mas decidimos pelo simples, delicado: comunicar pelo Instagram. Não queríamos interlocutores. Comunicamos o público para poder ter liberdade. Um certo deputado (Marco Feliciano) tinha acabado de ser eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos no Brasil, mas não assumimos para protestar, levantar bandeira. Porém, estou com uma bandeira ideológica na mão. Os padrões estão aí para serem quebrados. O homossexualismo já não deveria ser uma questão a ser discutida. Assim como o heterossexualismo, o homossexualismo é afeto. Por que, então, estamos discutindo afetividade? 

ISTOÉ

Quando se sentiu atraída por uma mulher pela primeira vez? 

Malu Verçosa

Aos 19 anos. Daniela diz que não sofreu, mas eu sofri muito. Achava que o mundo havia acabado, que estava louca. Fui para a terapia, me compreendi e entendi que eu não tinha nada de diferente. Não sofri durante séculos, só precisava de um norte. Nunca tive nada de menino. Nunca brinquei de carrinho ou joguei futebol na infância. Pelo contrário, brinquei de boneca até os 15 anos. Não houve nada que pudesse me levar a pensar que sentia atração por mulheres. Mas um dia eu simplesmente me senti atraída por outra mulher e vivi aquilo. Já tive relacionamentos com homens e posso vir a ter outros, se um dia ficar solteira – o que não acredito. 

ISTOÉ

Você tem convivido com as três filhas adotadas por Daniela. Como tem sido? 

Malu Verçosa

Eu estava louca para ter filhos e acabei ganhando três sem nem engravidar. Estou completamente apaixonada por elas. E está sendo delicioso porque convivo com três fases diferentes. Uma tem 3 anos, ainda bebezona, outra 11, entrando na adolescência, e a de 15 descobrindo o mundo. Já convivo com as meninas há muito tempo. Eu já era amiga de Daniela desde a adoção. 

ISTOÉ

Agora não é diferente? 

Malu Verçosa

Agora, convivo com as três com frequência desde janeiro. Comecei a relação mais com o pé atrás do que elas. Daniela sempre me deixou bem à vontade com as meninas. Eu resisti uns 15 dias para me entregar de vez a elas. Tinha medo de como elas iriam reagir, de me apegar muito e, sei lá, a gente nunca sabe o que pode acontecer em um relacionamento. Mas, agora, relaxei. Acho que vou ficar casada para sempre, as meninas são minhas também. Ligo para a escola, resolvo problemas com professores… 

ISTOÉ

Como elas se referem a você?  

Malu Verçosa

As mais velhas me chamam de Malu. A pequenininha me chama de tia. Às vezes, para eu me derreter toda, ela me chama de mamãe Malu… Bonitinha! Elas são muito amorosas, receptivas. A gente não teve problema nenhum de convivência, pelo contrário. Daniela leva ou pega as meninas na escola. Eu vejo, um pouco mais que Daniela, o dever com as crianças. Também andamos de bicicleta juntas, vamos ao parquinho, cinema, shopping. Outro dia, levei-as ao pula-pula e resolvi pular na cama elástica. No dia seguinte, parecia que eu tinha tomado uma surra: dor em tudo. É desafiador. Não é fácil entrar em uma família e encontrar três crianças que te olham e pensam: “E aí, será?”. Mas em menos de um mês a gente já estava próxima. Hoje elas até me contam segredos. 

ISTOÉ

Qual foi a reação das amiguinhas das filhas da Daniela diante da notícia do casamento? 

Malu Verçosa

 As crianças receberam parabéns pelo fato de a mãe delas ter se casado. Os amiguinhos delas são meus amigos no Facebook, me pedem ajuda para ler textos deles, Daniela ajuda na coreografia do grupo. Quando a gente começou a namorar, a Daniela logo contou para as meninas. E elas não acharam nada demais. A mais velha, Márcia, inclusive, nos mandou uma mensagem, quando postamos a nossa foto no Instagram: “Vocês estão fazendo uma confusão danada! Mas estão lindas nas fotos. Parabéns!”. As nossas crianças são bem educadas e inteligentes. E não é a orientação sexual que vai definir o caráter delas.

ISTOÉ

Vocês pensam em gerar um filho juntas?  

Malu Verçosa

Daniela é louca para me ver grávida! Mas não temos condições de administrar mais uma gravidez, um bebê. Estamos adiando. A vida já está bem agitada com três crianças. Sou louca para ter um filho, mas já sou mãe delas. Por pouco eu não engravidei em setembro, outubro, do ano passado. Estava fazendo tratamento, analisando exames. Faltava só decidir quando colocaria o embrião. Eu e minha ex estávamos juntas há três anos, dividíamos casa, mas quando percebi que tinha alguma coisa estranha no relacionamento com ela, resolvi suspender a coisa para depois do Carnaval. 

ISTOÉ

Julga desproporcional o assédio que vem ocorrendo? 

Malu Verçosa

Sempre fui muito reservada.Apesar de nunca ter escondido o que sou, o que faço e com quem estou, nunca dei informação sobre a minha vida. Então, essa megaexposição é demais para mim. Achei que fosse arrefecer o assédio, mas não diminui porque mexemos em uma ferida ainda muito aberta na sociedade. Por que é tão interessante fotografar a gente o tempo inteiro? Porque somos duas mulheres que fogem do estereó-tipo de homossexuais masculinizadas. Acho que isso choca ainda mais. Entre mim e Daniela não tem essa de quem é o homem e quem é a mulher da relação. Somos duas mulheres bem femininas que discutem a cor do esmalte, da tintura do cabelo, o que vestir. Esse interesse nisso mostra o quanto estamos atrasados em questões de direitos humanos e aceitação de diferenças. 

ISTOÉ

Deixam de fazer programas por causa do assédio? 

Malu Verçosa

Não. A gente foi ao shopping, outro dia e na saída eu disse a Daniela: “Estou sentindo olhares. Faça um coque no seu cabelo também!” E ela: “Não vai adiantar nada”. É estranho quando me chamam pelo meu nome no meio da rua. Já me pediram autógrafo, mas não dei, me recuso. Falo para pedirem para a Daniela e digo: “Assine meu nome aí, Daniela, por favor”. Já nos trancamos em banheiro de aeroporto, um mês atrás. Era muita gente nos assediando e precisamos de ajuda para sair. Mas nunca fomos alvo de manifestação agressiva ou negativa na rua. O lado negativo, no meu caso, é a perda de privacidade. Mas tolero, porque o amor que sinto por Daniela, a paixão, a nossa relação, é muito maior que tudo.