Base da pirâmide é apenas uma analogia politicamente correta para definir a população pobre do planeta. Ainda assim, o conceito é pouco palatável para boa parte das empresas que têm foco no consumidor final. Pobre não compra, certo? Errado.
Em 2004, os acadêmicos C.K. Prahalad e Stuart Hart escreveram o artigo “A Fortuna na Base da Pirâmide”.
O texto foi ampliado e virou um livro repleto de casos concretos sobre como investir em negócios para os pobres pode ser muito lucrativo. Gerou polêmica. E ainda gera.

Estive no início deste mês no II Fórum BASE Internacional, promovido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BID, em Medellín, na Colômbia, para apresentar o principal projeto da minha empresa, a Tempo de Mulher, o portal www.tempodemulher.com.br, um negócio que teve como base três anos de pesquisas sobre os interesses e as necessidades da mulher da nova classe média brasileira.

Temos hoje 30 milhões de pageviews/mês e uma série de empresas parceiras em branded content. Lá percebi que, quase dez anos depois do livro, o professor Hart ainda repete sua tese para uma plateia de 1.800 pessoas cheias de dúvidas. As perguntas básicas ainda giram em torno dos mesmos temas:

1) como financiar o investimento que vai beneficiar os mais pobres e
2) como medir o impacto não financeiro desse investimento. O impacto em autoestima, que promove autoconfiança e que tem como consequência, finalmente, lucros para as empresas que se movem nessa direção.
A segunda pergunta foi em parte respondida pela diretora de negócios sociais da Coca-Cola Brasil, Cláudia Lorenzo. Segundo ela, a empresa já avalia há quatro anos, em planilhas tão detalhadas quanto às das demais áreas da companhia, os resultados teoricamente intangíveis de ações para os de baixa renda. Ela consegue mensurar, assim, os benefícios em programas que, há alguns anos, seriam considerados apenas obras de caridade.

Já a primeira pergunta tem respostas muito menos objetivas. O investimento em negócios para a base da pirâmide depende da clareza que uma empresa tem dos lucros que isso pode trazer. É uma mudança cultural. Impossível? Não. Já é possível observar, em seminários como o do BID e na prática cotidiana dos negócios, como o empresário passou a ver a base da pirâmide como uma fonte adicional – ou mesmo principal – de faturamento.
O problema é como chegar até ela.

Num dos painéis do evento do BID, um dos grandes executivos do Bancolombia, Santiago Moreno, narrou sua primeira iniciativa para chegar a esses novos possíveis consumidores. Desenvolveu um produto financeiro pensado especificamente para esse público. O resultado foi desastroso. Ninguém comprou. O próprio executivo admitiu que nem sempre o que as empresas pensam que o pobre quer é aquilo que ele de fato quer. Ou seja, não basta vontade de entrar nesse mercado, é preciso conhecê-lo.

Ir até as comunidades periféricas e conversar com os novos consumidores é a única maneira de fazer isso. Stuart Hart disse que é necessário muita humildade para tomar essa iniciativa e reaprender a fazer negócios. Ele está certo. Quase todos os casos apresentados começaram como fracassos e só se transformaram em negócios lucrativos e bem-sucedidos depois de uma virada estratégica que teve como ponto de partida a capacidade de ouvir. E os pobres nunca falaram tanto. Basta estar atento.

Ana Paula Padrão é jornalista e empresária