13/10/1999 - 10:00
Ele não perdeu o sorriso largo. Aos 76 anos, o vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 1994 também não perdeu o vigor de um guerreiro nas difíceis batalhas da Terra Santa. O otimismo do imigrante da ex-república soviética Bielo-Rússia é à prova de balas. Shimon Peres, atual ministro da Cooperação Regional do governo de Ehud Barak e ex-primeiro-ministro de Israel, não perdeu a esperança de ser o grande articulador das negociações de paz entre árabes e judeus. De seu escritório em Tel-Aviv, em entrevista a ISTOÉ, um dos mais visionários políticos israelenses disparou suas idéias sobre o estabelecimento de parcerias comerciais entre árabes e judeus.
A questão não é ser, mas fazer. Eu conheço muitas pessoas que ganharam eleições, mas não fizeram nada em suas vidas. E eu não abandonei a idéia de construir um Novo Oriente Médio, apesar de todas as objeções.
Talvez porque tivesse idéias muito avançadas. Perdi as eleições, mas mantive as minhas idéias, muitas se tornaram realidade. Da minha primeira reunião em Moscou na época da corrida nuclear até aqui foram 40 anos da minha vida dedicados à paz. Houve muitas ações para a paz que eu ajudei a promover. As relações de Israel com a França, com o Egito e a inserção de alta tecnologia no país.
Barak foi eleito e acho que devemos dar a ele uma oportunidade de implementar o que acredita estar certo. Eu faria diferente. Minhas idéias não mudaram. Acredito que se movêssemos esse processo num ritmo mais rápido seria mais apropriado. As mães que têm filhos pilotos reclamam que eles voam a uma velocidade muito alta e por isso estão correndo mais riscos. Essas mães não entendem que se seus filhos voarem a uma altitude maior e a uma velocidade maior, estarão mais seguros. Eu acredito em vôos altos e rápidos.
Há dois papéis no processo de paz: o do negociador e o que está por trás, construindo. O negociador é Barak, o homem que está no poder. Eu poderia ser o outro, o construtor. Se eu puder construir uma nova relação de desenvolvimento com os palestinos e os jordanianos, montando indústrias em parcerias, parques industriais, pontes, eu ficarei muito feliz. Espero uma chance desse governo. É uma maneira diferente de se alcançar a paz. A melhor coisa que pode acontecer a Israel é ver um Estado independente palestino, um Estado democrático. Quanto melhor forem as condições para os palestinos, melhor será Israel, porque terá melhores vizinhos. No lugar de fronteiras com arames farpados e campos minados, fábricas em comum.
Não é a hora de se discutir a situação de Jerusalém.
Yasser Arafat é um representante dos palestinos. Não um sionista e não espero que ele o seja. Mas, em termos gerais, ele tem demonstrado liderança, o que eu aprecio. Em um caso muito raro na história de Israel, uma organização terrorista com toda sua liderança converteu-se em uma organização política e o chefe dessa organização transformou-se em um negociador pela paz. Atente para o quão difícil é se negociar a paz, como na Irlanda, no Kosovo ou na Colômbia. Até o momento do acordo de paz em Washington, os palestinos eram um problema, hoje são parceiros. Arafat tornou-se um parceiro para se alcançar a paz.
É prudente que Arafat controle o Hamas. Para que ele mantenha sua credibilidade como líder dos palestinos e como parceiro de Israel. Caso contrário, as pessoas dirão que Arafat não tem poder e poderá acontecer de haver um Exército dentro de outro Exército. E tenho certeza de que ele fará o melhor para isso.
Sou totalmente contra os assentamentos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Digo isso em alto e bom som. E, se Israel quer cem por cento de segurança, deve oferecer aos palestinos cem por cento de liberdade. Você não pode dar a esse povo setenta por cento de liberdade quando se espera segurança total. E enquanto os palestinos continuarem na pobreza, com tantas diferenças, haverá conflitos.
Não podemos ditar aos palestinos o que eles devem fazer, mas deixar que eles criem seu próprio Estado. É necessário entender que hoje as economias não se confinam a uma nação, mas estão globalizadas. Devemos ajudar os palestinos a entrar para a economia global.
Não há economia palestina, há pobreza. Quem tem interesse em controlar a pobreza? O que nós queremos é livrá-los da pobreza e não controlá-la. Quanto aos judeus, é pelo fato de termos melhores vizinhos. Todas essas pessoas que fazem essas críticas estão no passado, têm raciocínio curto. E ter boas relações é melhor do que viver em uma situação de constante tensão.
Sim, por isso que acredito que se deve mudar essa situação de trazer trabalhadores palestinos para Israel. Ao contrário, devemos levar trabalhadores israelenses para a Palestina. Por isso queremos as empresas nas fronteiras.
Não há por que esperar. Em política é necessário distinguir as forças móveis das forças imóveis. Tudo o que for força móvel deve continuar em movimento. Vamos começar a construir já!
Sim. Nós devemos encorajá-los. Há muitas diferenças no padrão de vida entre israelenses e palestinos e a água é um desses indicadores. A renda dos palestinos é muito menor do que a dos israelenses e por isso temos de ajudá-los a melhorar seu padrão de vida.
Não podemos mudar o passado. Então o que iremos fazer? Guardar as amarguras na memória? O mundo está mudando. E os inimigos de ontem são os amigos de hoje. E a nova geração não entende o porquê da guerra.
Eles estão guiados por um sentido mais global. Não entendem o porquê de haver fronteiras, ódio e preconceito. Vestem jeans e camiseta para mostrar que não querem diferenças entre pobres e ricos, negros e brancos, homens e mulheres. Com a Internet o mundo tornou-se global e hoje para se vencer na vida não se tem de conquistar terras, mas conhecimento. E para obter conhecimento não precisamos de armas, não precisamos matar. Seja no Brasil, na Palestina, onde for, precisamos estar com os olhos no futuro e não no passado.
Eles andam armados, mas em seus corações têm ramos de oliveiras. Querem a paz. Sou para eles uma voz para a paz.
O problema não está em ser laico ou religioso. Democracia é composta por diferenças e não por unanimidade. O certo seria que, dentro de um sistema eleitoral, houvesse pessoas levantando a mesma bandeira ideológica. Porém, em Israel, adotamos um sistema que apóia divisões, sejam elas divisões de religião, etnias e qualquer pequena diferença é um motivo para se fundar um partido. O sistema político é que está errado.
Um sistema no qual houvesse apenas dois ou três partidos: um mais para a esquerda, outro mais para a direita e um outro de centro. E não com partidos religiosos. Religião é uma questão pessoal. Se você é religioso ou não, é uma decisão que cabe apenas a você.
Sim. Esses políticos hoje representam a população árabe de Israel. Há cidades árabes com seus políticos. Há ainda muito o que se melhorar. Qualidade é um resultado da paz e paz resulta em qualidade. Quando estávamos em guerra a questão da minoria árabe em Israel não era simples. Os árabes em Israel sempre pensavam que estavam guerreando contra seus próprios irmãos árabes palestinos. Não havia como confiar. Os palestinos estão se saindo bem. Quanto mais caminhos para a paz, mais podemos melhorar nossa estrutura política.
Não acredito que teremos problemas. Se houver, será apenas nessa primeira leva. Isso porque deve haver uma maior miscigenação na segunda geração. O Brasil é um bom exemplo dessa mistura, uma terra em que as diferenças foram minimizadas. Há brancos, negros, mulatos, originários de diferentes etnias, de diferentes culturas. Um país fascinante.
Temos de corrigir os abismos deixados pelo passado. No máximo duas décadas. Estamos mudando e as mudanças são profundas. O mundo está aberto, com Internet, televisão e uma nova telefonia. Em qualquer lugar que você vá, o mundo faz parte de você e você faz parte do mundo.
Acredito que seja possível, mas Hafez Assad quer resultados antes de as negociações começarem e até Hollywood sabe que o final feliz vem no fim do filme e não no começo. Não queremos nada do Líbano nem sua água. Também acredito que a maioria da população sairá por vontade própria das Colinas de Golã. Golã é importante, mas o processo de paz é muito mais. Golã está nas alturas, mas a paz, muito mais. E com paz não haverá espaço para ações terroristas.
Foi um acidente de guerra. Não queríamos atacar ninguém. Ao contrário, queríamos salvar vidas. Veja os ataques dos americanos em Kosovo que mataram civis. Não queriam, mas acertaram até a embaixada chinesa. É preciso distinguir um erro na guerra, do qual eu me arrependo, de um ataque calculado.
No início Arafat pensou que conseguiria controlar o Hamas pela política. Apenas depois desses ataques ele entendeu que deveria agir de uma outra forma. Ele resolveu então mudar de tática, mas quem pagou o preço fui eu. Porém, acredito que não poderia ter feito de outra forma. Eu tentei convencer Arafat de que ele deveria agir contra o Hamas militarmente. Normalmente, eu não volto atrás. Acredito no ditado inglês never complain, never explain (nunca reclame, nunca explique). Eu não tenho interesse no passado.
Gostaria de vê-las as mais próximas possível. Temos muito o que trocar, porque com uma economia global não importa onde se more, se é no Brasil ou em Genebra. Com o Brasil, as relações comerciais estariam voltadas para a tecnologia e a agricultura.
No meu último ano, queria ter certeza de que fiz tudo o que poderia ter feito para o meu povo, para a minha sociedade. Antes de morrer, queria ter a satisfação de saber que as minhas crianças estão mais seguras e pudemos libertá-las da guerra. Esta seria a minha grande satisfação.