Shimon Peres aponta o desenvolvimento econômico dos palestinos como solução para os conflitos de Israel

Ele não perdeu o sorriso largo. Aos 76 anos, o vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 1994 também não perdeu o vigor de um guerreiro nas difíceis batalhas da Terra Santa. O otimismo do imigrante da ex-república soviética Bielo-Rússia é à prova de balas. Shimon Peres, atual ministro da Cooperação Regional do governo de Ehud Barak e ex-primeiro-ministro de Israel, não perdeu a esperança de ser o grande articulador das negociações de paz entre árabes e judeus. De seu escritório em Tel-Aviv, em entrevista a ISTOÉ, um dos mais visionários políticos israelenses disparou suas idéias sobre o estabelecimento de parcerias comerciais entre árabes e judeus.

ISTOÉ – O sr. sempre foi considerado um grande líder do Partido Trabalhista, mas perdeu algumas eleições, incluindo a penúltima para Benjamin Netanyahu. Esta é a sua última chance de implementar o que chama de Novo Oriente Médio?
Peres

A questão não é ser, mas fazer. Eu conheço muitas pessoas que ganharam eleições, mas não fizeram nada em suas vidas. E eu não abandonei a idéia de construir um Novo Oriente Médio, apesar de todas as objeções. 

ISTOÉ – Como o sr. explica ter perdido importantes eleições?
Peres

Talvez porque tivesse idéias muito avançadas. Perdi as eleições, mas mantive as minhas idéias, muitas se tornaram realidade. Da minha primeira reunião em Moscou na época da corrida nuclear até aqui foram 40 anos da minha vida dedicados à paz. Houve muitas ações para a paz que eu ajudei a promover. As relações de Israel com a França, com o Egito e a inserção de alta tecnologia no país.

ISTOÉ – O primeiro-ministro Ehud Barak está no ritmo certo?
Peres

Barak foi eleito e acho que devemos dar a ele uma oportunidade de implementar o que acredita estar certo. Eu faria diferente. Minhas idéias não mudaram. Acredito que se movêssemos esse processo num ritmo mais rápido seria mais apropriado. As mães que têm filhos pilotos reclamam que eles voam a uma velocidade muito alta e por isso estão correndo mais riscos. Essas mães não entendem que se seus filhos voarem a uma altitude maior e a uma velocidade maior, estarão mais seguros. Eu acredito em vôos altos e rápidos.

ISTOÉ – O sr. disse que gostaria de continuar com o papel de negociador da paz no governo de Barak. Essa posição não faria sombra às iniciativas de paz do primeiro-ministro?
Peres

Há dois papéis no processo de paz: o do negociador e o que está por trás, construindo. O negociador é Barak, o homem que está no poder. Eu poderia ser o outro, o construtor. Se eu puder construir uma nova relação de desenvolvimento com os palestinos e os jordanianos, montando indústrias em parcerias, parques industriais, pontes, eu ficarei muito feliz. Espero uma chance desse governo. É uma maneira diferente de se alcançar a paz. A melhor coisa que pode acontecer a Israel é ver um Estado independente palestino, um Estado democrático. Quanto melhor forem as condições para os palestinos, melhor será Israel, porque terá melhores vizinhos. No lugar de fronteiras com arames farpados e campos minados, fábricas em comum.

ISTOÉ – Jerusalém é um ponto nevrálgico das negociações e os palestinos querem que seja a capital de seu futuro Estado. Como resolver a questão?
Peres

Não é a hora de se discutir a situação de Jerusalém.

ISTOÉ – Como o sr. analisaria hoje a atuação do presidente da Autoridade Palestina?
Peres

Yasser Arafat é um representante dos palestinos. Não um sionista e não espero que ele o seja. Mas, em termos gerais, ele tem demonstrado liderança, o que eu aprecio. Em um caso muito raro na história de Israel, uma organização terrorista com toda sua liderança converteu-se em uma organização política e o chefe dessa organização transformou-se em um negociador pela paz. Atente para o quão difícil é se negociar a paz, como na Irlanda, no Kosovo ou na Colômbia. Até o momento do acordo de paz em Washington, os palestinos eram um problema, hoje são parceiros. Arafat tornou-se um parceiro para se alcançar a paz.

ISTOÉ – Arafat está capacitado para controlar ataques terroristas?
Peres

É prudente que Arafat controle o Hamas. Para que ele mantenha sua credibilidade como líder dos palestinos e como parceiro de Israel. Caso contrário, as pessoas dirão que Arafat não tem poder e poderá acontecer de haver um Exército dentro de outro Exército. E tenho certeza de que ele fará o melhor para isso.

ISTOÉ – Como lidar com o aumento dos assentamentos de judeus nos territórios ocupados?
Peres

Sou totalmente contra os assentamentos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Digo isso em alto e bom som. E, se Israel quer cem por cento de segurança, deve oferecer aos palestinos cem por cento de liberdade. Você não pode dar a esse povo setenta por cento de liberdade quando se espera segurança total. E enquanto os palestinos continuarem na pobreza, com tantas diferenças, haverá conflitos.

ISTOÉ – E como amenizar estes conflitos?
Peres

Não podemos ditar aos palestinos o que eles devem fazer, mas deixar que eles criem seu próprio Estado. É necessário entender que hoje as economias não se confinam a uma nação, mas estão globalizadas. Devemos ajudar os palestinos a entrar para a economia global.

ISTOÉ – Mas os árabes o acusaram de estar impondo um modelo econômico para seu Estado. E há os judeus que dizem que Israel em nada ganha se investir nos palestinos.
Peres

Não há economia palestina, há pobreza. Quem tem interesse em controlar a pobreza? O que nós queremos é livrá-los da pobreza e não controlá-la. Quanto aos judeus, é pelo fato de termos melhores vizinhos. Todas essas pessoas que fazem essas críticas estão no passado, têm raciocínio curto. E ter boas relações é melhor do que viver em uma situação de constante tensão.

ISTOÉ – Um dos problemas da implementação desses programas é justamente o fato de os palestinos serem a mão-de-obra dos israelenses, porque são menos qualificados.
Peres

Sim, por isso que acredito que se deve mudar essa situação de trazer trabalhadores palestinos para Israel. Ao contrário, devemos levar trabalhadores israelenses para a Palestina. Por isso queremos as empresas nas fronteiras.

ISTOÉ – Não seria cedo demais para a implementação desses programas, uma vez que a paz definitiva ainda não foi alcançada?
Peres

Não há por que esperar. Em política é necessário distinguir as forças móveis das forças imóveis. Tudo o que for força móvel deve continuar em movimento. Vamos começar a construir já!

ISTOÉ – O ministro da Indústria e Comércio de Israel, Ruben Horesh, já está negociando investimentos com o Canadá, os EUA e a União Européia para a Palestina. É esse o caminho?
Peres

Sim. Nós devemos encorajá-los. Há muitas diferenças no padrão de vida entre israelenses e palestinos e a água é um desses indicadores. A renda dos palestinos é muito menor do que a dos israelenses e por isso temos de ajudá-los a melhorar seu padrão de vida.

ISTOÉ – E como estabelecer a confiança entre árabes e judeus?
Peres

Não podemos mudar o passado. Então o que iremos fazer? Guardar as amarguras na memória? O mundo está mudando. E os inimigos de ontem são os amigos de hoje. E a nova geração não entende o porquê da guerra.

ISTOÉ – Como o sr. vê essa geração de jovens israelenses?
Peres

Eles estão guiados por um sentido mais global. Não entendem o porquê de haver fronteiras, ódio e preconceito. Vestem jeans e camiseta para mostrar que não querem diferenças entre pobres e ricos, negros e brancos, homens e mulheres. Com a Internet o mundo tornou-se global e hoje para se vencer na vida não se tem de conquistar terras, mas conhecimento. E para obter conhecimento não precisamos de armas, não precisamos matar. Seja no Brasil, na Palestina, onde for, precisamos estar com os olhos no futuro e não no passado.

ISTOÉ – Esta geração israelense da qual o sr. fala passa três anos no Exército e é obrigada a prestar serviços militares um mês por ano até atingir a meia-idade.
Peres

Eles andam armados, mas em seus corações têm ramos de oliveiras. Querem a paz. Sou para eles uma voz para a paz.

ISTOÉ – Nas últimas eleições, os partidos ultra-ortodoxos se fortaleceram. O Shas obteve 15% das cadeiras no Parlamento, quando há apenas alguns anos ele ocupava apenas 4%. Os partidos políticos devem estar divididos entre laicos e religiosos?
Peres

O problema não está em ser laico ou religioso. Democracia é composta por diferenças e não por unanimidade. O certo seria que, dentro de um sistema eleitoral, houvesse pessoas levantando a mesma bandeira ideológica. Porém, em Israel, adotamos um sistema que apóia divisões, sejam elas divisões de religião, etnias e qualquer pequena diferença é um motivo para se fundar um partido. O sistema político é que está errado.

ISTOÉ – Então qual deveria ser o sistema ideal para Israel?
Peres

Um sistema no qual houvesse apenas dois ou três partidos: um mais para a esquerda, outro mais para a direita e um outro de centro. E não com partidos religiosos. Religião é uma questão pessoal. Se você é religioso ou não, é uma decisão que cabe apenas a você.

ISTOÉ – Nas últimas eleições, um ex-assessor de Arafat foi eleito deputado e pela primeira vez os israelenses elegeram um deputado árabe para o Conselho de Segurança do serviço secreto do país, o Mossad. Políticos árabes no governo israelense são um passo para a paz?
Peres

Sim. Esses políticos hoje representam a população árabe de Israel. Há cidades árabes com seus políticos. Há ainda muito o que se melhorar. Qualidade é um resultado da paz e paz resulta em qualidade. Quando estávamos em guerra a questão da minoria árabe em Israel não era simples. Os árabes em Israel sempre pensavam que estavam guerreando contra seus próprios irmãos árabes palestinos. Não havia como confiar. Os palestinos estão se saindo bem. Quanto mais caminhos para a paz, mais podemos melhorar nossa estrutura política.

ISTOÉ – Os russos já somam um milhão de habitantes (um sexto da população de Israel). Uma avalanche de imigrantes pode causar problemas étnicos em Israel?
Peres

Não acredito que teremos problemas. Se houver, será apenas nessa primeira leva. Isso porque deve haver uma maior miscigenação na segunda geração. O Brasil é um bom exemplo dessa mistura, uma terra em que as diferenças foram minimizadas. Há brancos, negros, mulatos, originários de diferentes etnias, de diferentes culturas. Um país fascinante.

ISTOÉ – Quanto tempo será necessário para se alcançar a paz?
Peres

Temos de corrigir os abismos deixados pelo passado. No máximo duas décadas. Estamos mudando e as mudanças são profundas. O mundo está aberto, com Internet, televisão e uma nova telefonia. Em qualquer lugar que você vá, o mundo faz parte de você e você faz parte do mundo.

ISTOÉ – Israel poderá sentar-se à mesa com o presidente sírio, Hafez Assad, e acertar um acordo para a retirada das tropas israelenses do Líbano? E, se acontecer, como irão reagir os israelenses que moram na fronteira e temem ataques dos terroristas libaneses do Hezbollah?
Peres

Acredito que seja possível, mas Hafez Assad quer resultados antes de as negociações começarem e até Hollywood sabe que o final feliz vem no fim do filme e não no começo. Não queremos nada do Líbano nem sua água. Também acredito que a maioria da população sairá por vontade própria das Colinas de Golã. Golã é importante, mas o processo de paz é muito mais. Golã está nas alturas, mas a paz, muito mais. E com paz não haverá espaço para ações terroristas.

ISTOÉ – O sr. se arrepende do ataque que fez contra o Hezbollah em 1995 que matou centenas de civis?
Peres

Foi um acidente de guerra. Não queríamos atacar ninguém. Ao contrário, queríamos salvar vidas. Veja os ataques dos americanos em Kosovo que mataram civis. Não queriam, mas acertaram até a embaixada chinesa. É preciso distinguir um erro na guerra, do qual eu me arrependo, de um ataque calculado.

ISTOÉ – Como o sr. explica os ataques dos terroristas palestinos do Hamas quando era premiê?
Peres

No início Arafat pensou que conseguiria controlar o Hamas pela política. Apenas depois desses ataques ele entendeu que deveria agir de uma outra forma. Ele resolveu então mudar de tática, mas quem pagou o preço fui eu. Porém, acredito que não poderia ter feito de outra forma. Eu tentei convencer Arafat de que ele deveria agir contra o Hamas militarmente. Normalmente, eu não volto atrás. Acredito no ditado inglês never complain, never explain (nunca reclame, nunca explique). Eu não tenho interesse no passado.

ISTOÉ – Como o sr. vê as relações Israel-Brasil e Israel-Mercosul?
Peres

Gostaria de vê-las as mais próximas possível. Temos muito o que trocar, porque com uma economia global não importa onde se more, se é no Brasil ou em Genebra. Com o Brasil, as relações comerciais estariam voltadas para a tecnologia e a agricultura.

ISTOÉ – Quando deixar o cenário político, como gostaria de ser lembrado?
Peres

No meu último ano, queria ter certeza de que fiz tudo o que poderia ter feito para o meu povo, para a minha sociedade. Antes de morrer, queria ter a satisfação de saber que as minhas crianças estão mais seguras e pudemos libertá-las da guerra. Esta seria a minha grande satisfação.