Amparado por familiares e assessores na mansão do luxuoso condomínio Wentworth, no subúrbio de Londres, o general Augusto Pinochet recebeu com resignação na sexta-feira 8 a decisão do juiz Ronald Bartle, do tribunal de Bow Street, de aprovar a sua extradição para a Espanha. A derrota era esperada e a resposta oficial de Pinochet já estava na ponta da língua de seus advogados. “A Espanha não produziu uma mera prova que mostre que sou culpado. Eu acredito que a Justiça espanhola não tenha investigado esse caso apropriadamente e por isso não tem poderes para me julgar”, afirmou o general, que foi autorizado a permanecer em sua prisão-domiciliar durante a leitura da sentença por estar mal de saúde. “É uma violação à soberania do Chile.” Do lado de fora do tribunal, centenas de manifestantes opositores ao ex-ditador fizeram um carnaval no outono inglês. “Ele vai para a Espanha, ele vai para a Espanha”, gritavam.

É cedo para saber se o forte touro chileno sofrerá a humilhação da extradição. Seus advogados terão as duas próximas semanas para recorrer da decisão junto ao Supremo Tribunal de Londres. Isso poderá prolongar a saga jurídica que já dura um ano. O senador vitalício foi preso ao se submeter a um tratamento médico em Londres. Caso o apelo seja derrotado, o destino de Pinochet estará nas mãos do ministro do Interior britânico, Jack Straw, que dará a palavra final. Existe a expectativa de que o ex-ditador seja libertado por motivos humanitários e de saúde. Aos 83 anos, Pinochet sofreu em setembro dois derrames cerebrais que o debilitaram bastante. Porém, os oponentes do general acreditam que dificilmente ele irá se livrar dos bravos toureiros da Justiça espanhola. “O muro de impunidade construído ao redor de Pinochet desmoronou”, disse Reed Brody, diretor da Human Rights Watch, entidade de defesa dos direitos humanos. “Pinochet poderá postergar a sua extradição com muitos recursos, mas não há esperanças de reverter essa decisão”, afirma.

Dias antes do anúncio da sentença, houve um intenso lobby pró-Pinochet. A campanha foi protagonizada pela ex-primeira ministra britânica, Margaret Thatcher, que quebrou um jejum de nove anos sem discursar numa convenção do Partido Conservador para defender seu amigo chileno e aliado na guerra das Malvinas contra a Argentina. A língua afiada da ex-dama de ferro chegou a constranger até o atual líder do partido, William Hague. “Talvez Pinochet morra por aqui, como o único preso político da Grã-Bretanha, vítima de um governo que se comporta como um Estado policial”, tascou Thatcher. Ela alega que o general ajudou a derrotar o comunismo. A resposta a Thatcher do primeiro-ministro espanhol, o direitista José Maria Aznar, veio na boca do líder do Partido Popular, José Ramos Robles Fraga. “Essa é uma atitude típica de alguém que está no fim da vida pública”, disse o líder do PP.

Acusações – Se for mesmo parar na Espanha, Pinochet será julgado por 35 casos de tortura cometidos após setembro de 1988, quando a Grã-Bretanha incorporou a Convenção Internacional contra Tortura ao seu Código Penal. A CIA, que mantém em seus arquivos uma série de relatos sobre as atrocidades da ditadura chilena e que até agora não havia se pronunciado, resolveu prometer liberar alguns documentos. As atrocidades cometidas antes de 1988 não podem servir como base de um processo de extradição. As estimativas são de que na ditadura de Pinochet (1973-1990,) mais de três mil pessoas foram assassinadas ou ‘desaparecidas’ pelas forças de segurança do país. O incansável juiz Baltazar Garzón que iniciou as agruras do general afirma que as acusações são irrefutáveis. São casos de tortura, espancamentos, estupros e assassinatos. Entre agosto e setembro de 1989, Jessica Antonia Liberona Ninoles não pôde dormir, ouvindo repetidas ameaças contra sua filha de nove anos. Jessica foi interrogada nua e mantida numa solitária em meio a dejetos na escuridão. O entusiamo contagiou os familiares das vítimas da ditadura chilena. Eles sairam às ruas da capital Santiago para celebrar. “Estou emocionada, aliviada. Há muito espero por este momento”, disse Viviana Diaz, presidente da Associação dos Detidos e Desaparecidos. Em Madri, manifestantes contra o ex-ditador também comemoraram. Já na sede da Fundação Pinochet, cerca de 200 pessoas receberam o veredicto com calma. “Isso já era esperado. É hora do Chile pressionar Londres e Madri para que o estado de saúde de Pinochet seja considerado”, disse Jorge Prado, diretor da fundação.

Cadeia, hospital ou liberdade, seja qual for o destino de Pinochet, a decisão da Justiça britânica é um marco histórico. A idéia de que ditadores e déspostas estão acima da lei está sendo questionada.