Era a última viagem do maquinista Michael Hooder no trem Thames Turbo, que deixou a estação de Paddignton, próximo ao Hyde Park, em Londres, rumo a Bedwyn às 8h06 na terça-feira 5. Hooder, 31 anos, estava indo para casa em Tilehurst comemorar o aniversário de sete anos de seu filho. Ele abandonou a carreira na Marinha para seguir os passos do pai. Porém desconfia-se que tenha faltado a Hooder a prudência de seu pai, também maquinista. Ele tinha apenas dois meses de habilitação como maquinista e foi acusado de ultrapassar o sinal vermelho, cruzando os trilhos e chocando-se de frente com o trem First Great Western, causando o pior acidente ferroviário das últimas décadas na Grã-Bretanha. O outro maquinista, identificado apenas por Brian, também havia feito sua última parada em Reading, antes de chegar a Londres. O acidente, até a noite da sexta-feira 8, deixou cerca de 40 mortos, 64 desaparecidos e mais de 100 feridos.

Os trens que levavam juntos cerca de 500 passageiros se chocaram em Paddington às 8h11 numa velocidade combinada de 200km/h. Após a batida, houve uma explosão. O repórter da rádio BBC, Mark Palmer, que estava em um dos trens, disse: “Senti uma pancada forte e o trem voar. Então pensei, meu Deus, morri.” O vagão da primeira classe do First Great Western – o vagão H – foi praticamente todo incinerado. A temperatura nos vagões incendiados chegou a mil graus celsius. “As luzes se apagaram e imediatamente a fumaça invadiu o vagão. Estava tudo escuro e o calor era insuportável”, afirmou Chris Goodhall, diretor-executivo de um dos principais provedores de Internet na Inglaterra, a empresa Demon. Goodhall conseguiu escapar por uma janela quebrada.

Uma sinfonia angustiante regia esse cenário de chamas e cinzas. Dezenas de celulares das vítimas não paravam de tocar. Eram familiares e amigos desesperados em busca de notícias. Os mais de 200 bombeiros e policiais que participaram do resgate foram expostos ao inferno dos trilhos. A bombeira Sally Cox não conteve a emoção e desabou em meio aos escombros: “Fui treinada para este tipo de situação, mas ninguém consegue ficar impassível diante desse cenário tão terrível”, disse.

Malas, sapatos, bolsas. Todo tipo de objeto era retirado dos trens como uma possível pista para identificar as vítimas carbonizadas. A equipe de resgate teve muita dificuldade em retirar os corpos e pedaços deles que estavam entre as ferragens. Segundo o médico-legista da Scotland Yard, Paul Knapman, todos os métodos estão sendo usados para identificar os corpos: desde a arcada dentária até tatuagens. Os policiais também investigam o destino dos proprietários das dezenas de carros abandonados na estação de Reading. Os moradores da cidade costumam estacionar seus carros e pegar o trem para Londres.

Privatização – O príncipe Charles esteve visitando os sobreviventes no Hospital Saint Mary, que fica próximo ao local do acidente. Mas o gesto do príncipe não foi suficiente para acalmar a fúria dos britânicos. Os maquinistas Hooder e Brian e seus passageiros morreram no coração do país que se orgulha de ter uma das mais eficientes cadeias ferroviárias do mundo. O trem faz parte do cotidiano de qualquer britânico que o elege como seu principal meio de transporte. Porém, a população não aponta o dedo para o erro do maquinista Hooder, mas acusa o Estado de negligência desde que realizou há dois anos a privatização no governo do conservador John Major (apesar de ela ter sido planejada por Margaret Thatcher). Nesses últimos dois anos esse é o segundo acidente grave com a companhia Great Western (propriedade da Railtrack): sete pessoas morreram e 150 ficaram feridas em Southal, em 1997. Na época, a companhia férrea teve de pagar US$ 2,5 milhões de multa por ter sido provado que houve falha na segurança do trem.

A ineficiência do sistema é apontada como a principal causa do acidente de Paddington. Se o maquinista ultrapassou o sinal vermelho ou não, essa não é a única questão. A Grã-Bretanha, pioneira na construção de ferrovias em todo o mundo, não possui o TPWS (Train Protection Warning System) que freia o trem, caso o maquinista infrinja o sinal vermelho. O sistema, que existe em toda a Europa, custaria aos cofres britânicos 150 milhões de libras (R$ 450 milhões). Respondendo às reclamações da população, o primeiro-ministro Tony Blair afirmou que irá investir US$ 1,5 bilhão para dar mais segurança aos usuários. Segundo o Ministério dos Transportes, houve cinco incidentes com semáforo vermelho nas ferrovias no último ano. Esses resultados só incendiaram ainda mais a ira dos britânicos, que agora pedem a cabeça do ministro dos Transportes, John Prescott.