A queda-de-braço do governador de Minas Gerais, Itamar Franco, com o governo federal, para evitar a privatização de Furnas, terá nesta semana o seu capítulo mais emocionante. A partir da manhã de segunda-feira 11, 2.500 soldados deslocados pela Polícia Militar mineira para a região sudoeste do Estado, onde fica a usina, farão uma longa série de manobras policiais nas margens da represa e em nove cidades (Passos, Piumhí, Carmo do Rio Claro, Alpinópolis, Capitólio, São João Batista do Glória, Itaú de Minas, Guapé e São José da Barra) banhadas pelo complexo elétrico, um gigante com 1.440 quilômetros quadrados inundados por 22,95 bilhões de metros cúbicos de água. Itamar e o comando da PM afirmam que a ação, prevista para durar até a quinta-feira 14, faz parte do trabalho realizado todos os anos para treinar os novos praças nas atividades de rua. Mas algumas mudanças no exercício, exigidas pelo governador, fizeram os mineiros apostar que se trata de uma demonstração de força no momento em que o governo se articula para viabilizar a assembléia de acionistas, que poderá dividir as sete hidrelétricas e duas termoelétricas do complexo de Furnas em três pedaços, para fazer o leilão.

A ira de Itamar com a possibilidade de venda de Furnas, que teve lucros de R$ 453 milhões em 1998 e R$ 157 milhões no primeiro semestre deste ano, começou a ser manifestada nos primeiros meses de seu governo. No dia 21 de abril, durante as comemorações da Semana da Inconfidência Mineira, em Ouro Preto, o governador garantiu que Furnas não será privatizada até 2002. “Se o governo insistir, poderá haver o confronto”, afirmou. Uma semana após o relatório de uma comissão de 11 advogados de grosso calibre, criada por ele e chefiada por seu amigo José de Castro Ferreira, condenando a privatização, Itamar, às margens da represa, insinuou que a abertura de um dique na cidade de Capitólio poderia baixar o nível da represa de uma forma que impediria o funcionamento de Furnas, que fornece 80% da energia da região Sudeste, dona de 60% do PIB brasileiro.

Em meio aos boatos, o secretário de Minas e Energia, Paulino Cícero, convocou uma reunião fechada com os 20 comandantes da PM para discutir a ação nas margens de Furnas, o primeiro exercício fora da região metropolitana de Belo Horizonte, e com um contingente oito vezes e meia maior que os 300 soldados das manobras anteriores. No início, 17 dos 20 coronéis foram contra, com os argumentos de que a operação ficaria cara para uma PM sem recursos e com salários baixos. Após ouvir o relato de Cícero, Itamar deu um violento murro na mesa e mandou um recado duro aos coronéis. “O comandante-em-chefe da Polícia Militar sou eu”, gritou Itamar. “Eu não falei em explodir dique em nenhum momento. Mas, se fosse este o caso, não precisaria da PM. Sou engenheiro e, com mais cinco colegas engenheiros, poderia fazer este serviço.” O troco pesado de Itamar acabou levando todo o comando a aceitar a idéia e a manobra foi confirmada. A assessoria do governo informou que Itamar encontrará os soldados em Furnas na terça ou na quarta-feira. Entre as atividades programadas durante a visita, está a explosão de uma casa, para testar artefatos da PM.

Itamar negou que tivesse pensado em abrir o dique de Capitólio e colocar a PM para lutar, mas ninguém se convenceu com os desmentidos. “Tenho uma espingarda velha em casa. Vou comprar munição para defender Furnas, se for preciso”, garante o engenheiro agrônomo e prefeito de Guapé, José Dalton Barbosa (PSD). Pode ser que o projeto seja fruto da imaginação de alguns, mas o fato é que Itamar conseguiu o apoio da grande maioria dos mineiros em sua luta e, aparentemente, fez o governo pisar no freio em relação à privatização de Furnas.