O slogan imaginado para a celebração do cinquentenário da Organização do Tratado do Atlântico Norte foi "Uma nova Otan para uma nova era". Quando os representantes das 19 nações que compõem a organização – 17 europeus mais Canadá e EUA – se reuniram para a efeméride em Washington, na sexta-feira 23, tinham pouco o que comemorar, mas sem dúvida tinha-se conseguido cumprir o objetivo propalado da festa. A aliança militar finalmente estava saindo de seu berço da guerra fria e dando os primeiros passos, ainda que trôpegos, em direção a uma nova fase. O amadurecimento chegou com o batismo de fogo na Iugoslávia e tem exigido maiores definições da Otan.

Há claramente uma tendência de revisões de teorias e práticas. Já se falava abertamente, por exemplo, no emprego de tropas terrestres no Kosovo. Rejeitou-se, como sempre em unanimidade, um aceno de negociação feito pelo líder sérvio Slobodan Milosevic. Ele havia aventado a possibilidade da participação de uma tropa de paz da ONU monitorando uma nova acomodação de kosovares albaneses. Mas nada dizia sobre a retirada de suas tropas que promovem o extermínio étnico na região. Os aliados insistiram que um acordo tem de passar necessariamente pelas linhas básicas do tratado de Rambouillet (restauração de certa autonomia ao Kosovo, monitoramento da paz por forças internacionais e retirada das tropas sérvias). Os desejos dos aniversariantes da Otan são de continuar bombardeando a Iugoslávia e complementar essa ação com um bloqueio naval do país. Grã-Bretanha e França ainda insistiam feericamente em incluir nesse pacote operações de tropas terrestres. Trata-se de aspirações que vão do inócuo, passando pelo muito difícil e desembocando no quase impossível. Todas as três, porém, têm em comum o perigo que representam para a Otan e os Bálcãs.

 

Estratégia As bombas continuavam caindo sem dobrar a vontade de Belgrado. Na semana passada, a pontaria dos pilotos da Otan melhorou: não foram atingidos comboios civis. Em vez disso, mandaram torpedos numa das casas de Milosevic. Acusado de estar tentando assassinar o presidente iugoslavo, o alto comando aliado declarou que tentava apenas atingir o comando militar inimigo. Na verdade, a estratégia procura também incinerar as propriedades do circulo íntimo do poder. Vale tudo: empresas, imóveis e qualquer outra fonte de renda. Até a sede do partido do governo, o Partido Socialista Sérvio, a emissora de tevê da filha do presidente e a emissora estatal iugoslava foram bombardeadas. "A idéia é causar tamanho prejuízo que os próprios aliados de Milosevic acabem fazendo pressão para que se volte à mesa de negociações", disse a ISTOÉ o senador democrata nova-iorquino Chuck Schumer.

Em outro front está se montando um bloqueio dos portos iugoslavos. "De que adianta bombardearmos as refinarias e os estoques de combustível sérvio se eles podem receber qualquer quantidade do produto por via marítima?", perguntava na semana passada a secretária de Estado, Madeleine Albrigth. A pergunta era apenas retórica, pois os EUA já haviam decidido pressionar os aliados europeus para fechar o Adriático aos fornecedores da Iugoslávia. Isso implicará, num futuro próximo, provocar um novo desafio russo. "Esta é uma das idéias mais perigosas que ouvi. Corremos o risco de reviver os momentos tensos do bloqueio americano a Cuba, em 1962", diz o senador John McCain, candidato à indicação republicana para as próximas eleições presidenciais. "Só que, desta vez, os russos podem não recuar. E nós não vamos ameaçá-los agora com ataques nucleares, como Kennedy fez daquela vez", disse.

Por outro lado, todos os analistas militares concordam que o preparo das tropas terrestres levará um tempo enorme, e quando for completado talvez seja tarde demais. Calcula-se que serão necessários entre 100 mil e 200 mil soldados para a invasão do Kosovo. Um mínimo de oito divisões. É bom lembrar que Hitler mandou 700 mil homens para a Iugoslávia, mas foi incapaz de acabar com os guerrilheiros comunistas. Outra dificuldade será preparar o palco onde estas tropas vão ficar estacionadas antes de entrar em ação. Os governos da Bulgária, Macedônia e Romênia disseram que não pretendem servir de plataforma do ataque terrestre da Otan. Se eles mantiverem essa decisão, sobra a pobre Albânia, já com cerca de 500 mil refugiados em seu território e ocupando as raríssimas estradas. "Seria necessário construir um novo país em termos de infra-estrutura", diz o senador Schumer.

Tudo isso terá de ser feito sob a pressão do relógio, não apenas pela situação dos kosovares, mas também por causa dos humores do clima. Imagine-se o que seria uma invasão a partir de setembro, quando começa o outono. E soldados a pé dependem da proteção de aviões. Do contrário, correm o risco de encararem os partisans sérvios em brutal desigualdade. Deste modo, os sonhos de uso de tropas terrestres, por enquanto, não vão atrapalhar o sono de Milosevic. Dilemas da crise de meia-idade da cinquentona Otan.

 

Arnett fora do ar

O neozelandês Peter Arnett pensava ter escapado ileso da guerra do Vietnã, que desde 1962 ele havia coberto como jornalista com bravura e brilhantismo. Enganou-se. Depois de quase quatro décadas, o repórter finalmente foi abatido. A rede CNN está em processo de rescisão do contrato de Arnett, que terminaria em 2001. O motivo foi uma reportagem levada ao ar no ano passado sobre o uso do gás sarin por tropas americanas numa aldeia no Laos. Verificaria-se mais tarde que não existiam provas do ocorrido. A emissora pediu desculpas públicas pelo erro e demitiu os produtores responsáveis pelas investigações. Arnett disse que somente apresentara e lera o conteúdo elaborado por seus produtores, gerando uma polêmica de que repórteres de tevê estariam apenas lendo o trabalho de seus produtores.

Ícone do jornalismo, Arnett ganhou admiradores em todo o mundo por suas reportagens ao vivo de Bagdá, durante a Guerra do Golfo. "Pedi que me mandassem para a Iugoslávia, mas eles recusaram. Acho um erro não se aproveitar uma pessoa com minha experiência nesta situação", disse Arnett. Pelo jeito, a CNN discorda dele.