A caça às bruxas travada de alguns meses para cá contra os cães pit bulls desencadeou uma verdadeira paranóia nas ruas e estendeu o medo da população a outras raças conhecidas pelo bom temperamento. Proprietários que antes desfilavam tranquilamente em parques, praças e calçadas com seus cachorros tornaram-se alvo de insultos e agressões físicas por pessoas apavoradas com a simples presença dos lulus. Os que mais vêm sofrendo discriminação em seus passeios diários são as raças que lembram os temidos pit bulls como os boxers, cuja semelhança do focinho achatado e da orelha cortada tem causado problemas, e os cachorros de grande porte como o rottweiler e até o tranquilo labrador. "A sucessão de besteiras gerada por pessoas que não têm competência técnica para falar de animais está criando esse pânico", atesta José Alberto Pereira da Silva, presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo. "Sem exageros, isso parece mais um holocausto aos bichos." Em Itapetininga (SP) um homem colocou um pedaço de carne na ponta de um punhal e o ofereceu a um boxer preso na casa do comerciante Francisco Matarazzo. Quando o cachorro chegou perto para comer a carne teve o punhal enfiado em sua boca. "Ele me disse que resolveu eliminar meu cão porque ouviu na televisão que esses cachorros estão matando criancinhas", lamenta Matarazzo.

O medo à raça pit bull chegou a extremos em Juiz de Fora (MG). O mecânico Antônio Carlos Pereira passeava com seu cão próximo a uma barraca e, de repente, foi surpreendido por um homem que atirou contra seu animal que não resistiu ao ferimento e morreu. Crimes como esse estão previstos na Lei nº 9.605 que estabelece que quem praticar abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais domésticos ou domesticados pode ser condenado de três meses a um ano de detenção, além de pagar multa. Se o animal morrer, a pena pode ser aumentada de um sexto a um terço. "Hoje quem passeia com seu cão é visto nas ruas como se tivesse uma arma nas mãos", compara o médico veterinário André Maldonado. "Nada justifica acidentes ou óbitos, mas são os proprietários que precisam ser punidos pelos atos de seus animais e não o contrário porque não existe raça boa e raça má. O que determina a conduta do cão é o modo como ele é criado e treinado."

O correto, ensina a médica veterinária Silvia Parisi, é evitar locais com grande concentração de pessoas principalmente crianças, passear com o cachorro sempre com a coleira e, no caso de cães com temperamento agressivo, usar a focinheira. Se o proprietário escolher ter um bicho bravo para guardar a casa, o certo é colocar um portão de ferro reforçado, muro alto e uma placa indicando a presença do cão. Mesmo com tais medidas, o pavor coletivo aos bichos de estimação está levando alguns proprietários a adotar proteção semelhante às que são praticadas contra bandidos.

Exagero O empresário paulista René Gumiel, por exemplo, só sai com sua rottweiler acompanhado de um segurança. "As pessoas param os carros para xingar e jogam coisas. Certa vez, alguns garotos partiram para a agressão, e só não me machuquei porque meu segurança interveio", afirma. Ele diz que o animal é tão dócil que não reage às agressões. Nem os animais de pequeno porte estão escapando. Na última semana, no bairro de Perdizes, na capital paulista, Bidu, um poodle toy de nove meses levou um chute na pata traseira direita e terá de ser submetido a uma cirurgia para voltar a correr. O agressor não queria ver cachorros na calçada, pois a mordida "poderia machucar alguém", conta a dona Graziella Michaelis.

Em Itajubá (MG) a violência atingiu uma cadela da raça labrador. Dark, a vítima, que está grávida, tomou uma pedrada na barriga ao ir passear com sua dona de 13 anos. Quem atirou a pedra foram duas senhoras que teriam confundido a cadela com um pit bull, como se isso fosse motivo para a agressão. Situação parecida passou o rottweiler Held, de São Paulo. Sempre criado atrás de grades, nunca havia dado problemas para os moradores da rua. Mas, depois das inúmeras reportagens que saíram dizendo que a sua raça era perigosa, a situação mudou. Os vizinhos chegaram a perguntar para a sua dona, Solange Prates, como ela tinha coragem de criar um assassino dentro do próprio lar. No domingo, Held amanheceu passando mal. Tinham jogado veneno no jardim da casa. A médica Regina Carvalho e Silva ainda não foi agredida, mas, por ser cega e estar sempre acompanhada de um cão guia, da raça labrador, ela percebeu diferenças no comportamento das pessoas. "Ficam perguntando se eu não tenho medo de andar com o Merlin e evitam fazer carinho nele", diz a médica.

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