Depois da Argentina, Duda Mendonça exporta campanhas políticas para a Espanha e o Paraguai, enquanto prepara mudanças na imagem do Banco Central

Com os olhos fixos na telinha da tevê no saguão do hotel National Plaza, em Córdoba, Duda Mendonça esperava o resultado das eleições para prefeito da cidade que foi a porta de entrada desse baiano de 55 anos e sua equipe na Argentina. Goles generosos de scotch 12 anos ajudavam a aliviar a tensão. O domingo estava quente e a eleição, ganha, ainda que com uma margem menor do que se esperava. O filho de Oxossi, que não bate tambor no terreiro, mas topa encarar 800 quilômetros para fazer o caminho para Santiago de Compostela, ganhava mais uma eleição na terra do tango. Apesar da vitória, o fraco desempenho de seu cliente Eduardo Duhalde, candidato do partido de Carlos Menem à Presidência da República, mobilizava Duda poucos dias antes da eleição de 24 de outubro. Como todo bom baiano, Duda seguia otimista, dizendo que era possível um segundo turno entre Duhalde e o candidato justicia-lista Fernando de la Rúa. Criador de mais de 150 galos de briga, Duda expande os negócios na rinha política. É responsável por sete campanhas na Argentina e já tem convites de políticos do México, Paraguai e Espanha. Duda, que nesse período de campanhas emprega 130 pessoas, tira de letra as críticas que vem sofrendo devido ao preço da campanha de Duhalde publicadas pela imprensa portenha. A cifra mínima atribuída ao “cachê” de Duda é de US$ 5 milhões. A máxima, US$ 19 milhões. Mas ele garante: “Vamos ganhar US$ 2 milhões.” Tranquilo, recebeu ISTOÉ em seu bunker, um prédio de três andares com dois estúdios e quatro ilhas de edição, para um longo bate-papo. No terceiro casamento e pai de cinco filhos, o publicitário confirma ter ganho a conta do Banco Central do Brasil. Trata-se de um contrato de muitos milhões de reais, que ele não revela. A especulação agora bate na casa dos R$ 15 milhões. “Vamos abrir a caixa-preta do BC e mostrar a importância do banco à população.” Evita polemizar com a equipe que está cuidando da imagem do presidente FHC, mas assegura que daria outros rumos à propaganda oficial. Ao ser perguntado se sua vitória junto ao BC não significa uma aproximação de FHC de sua forma de ação, desconversa. “Estou chegando para agregar.” Duda, que inseriu na campanha argentina o modo brazuca de fazer marketing e publicidade políticos, fala com orgulho do slogan da campanha que fez para melhorar a imagem de Menem, que virou capa da revista Newsweek. Quanto à critica daqueles que dizem que se trata da tradução do mesmo feito em São Paulo (Foi Ma-luf que fez), reage: “É dor de corno.”

ISTOÉ – O sr. foi chamado, após alavancar a imagem do presidente Menem, para tentar fazer o mesmo com o candidato Eduardo Duhalde. A poucos dias das eleições, ele está muito distante do favorito. O sr. não teme ser responsabilizado por mais uma derrota?
Duda

De jeito nenhum. Isso se houver uma eleição derrotada, o que ainda não aconteceu. Mas aqui na Argentina, de sete eleições já ganhei seis. Pegamos o Duhalde com 20 pontos atrás e em 15 dias fizemos com que ficasse com 10 pontos de diferença e hoje, na nossa conta, está em torno de 12 e com chances de ir para o segundo turno.

ISTOÉ – Quais são as diferenças entre uma campanha no Brasil e na Argentina?
Duda

A primeira diferença é a estrutura partidária. Aqui há dois partidos muito fortes: o Partido Justicialista (peronismo) e a União Cívica Radical (UCR) que são responsáveis por quase 80% dos votos. A segunda diferença é a legislação política. No Brasil é mais perfeita. Aqui você pode tudo, quase não há limites. Você faz comercial de tevê o tempo todo. A terceira, o eleitor daqui é muito mais politizado do que o brasileiro. No Brasil, se você não fizer um showmício, o pessoal não vai. Comício no Brasil está desmoralizado. Na Argentina, a população vai para assistir ao candidato e ouvir suas propostas. Outro ponto interessante é que a mídia impressa é fortíssima e entra em campo para jogar a favor e contra uma determinada candidatura. Na tevê não existe horário nobre. Mais de 60% têm cabo, a audiência é pulverizadíssima.

ISTOÉ – Por que tantas críticas ao sr. aqui na Argentina? São as cifras da campanha somadas ao fraco desempenho de Duhalde?
Duda

Eu nunca abri cifras porque acho que esse direito não é meu. Quem devia falar de número são os candidatos. Em dez meses, a gente vai faturar US$ 2 milhões. Ninguém atira pedra em mangueira que só tem manga verde.

ISTOÉ – O sr. acabou usando o mesmo slogan que serviu para Maluf (Foi Maluf que fez) para Menem (Menem lo hizo). É crise de criatividade ou em time que está ganhando não se mexe?
Duda

Sou contratado por causa de experiências em campanhas passadas. Posso usá-las porque são idéias minhas. A campanha política tem obrigação de ser eficiente, gerar resultados. Ela não tem obrigação de ser inovadora. Entre a idéia nova e a que funcione, eu fico com a que funcione.
 

ISTOÉ – Como o sr. responde às críticas de que faz campanha fast food?
Duda

Existem dois tipos de adversários que se pode ter: os que estão preocupados em me criticar e aqueles que se preocupam em fazer campanhas bem-sucedidas. Eles deviam ter humildade para entender que estou abrindo um mercado que não é só para mim, mas para todos eles. A crítica construtiva é válida. Não quero ser unanimidade nunca, mas tem uma coisa que se chama dor de corno, explícita. Aos que fazem a crítica destrutiva, sinceramente eu não me interesso. Aos outros, mostro com argumentos. Com ou sem falsa humildade, o que todo mundo faz no Brasil hoje é o que eu comecei fazendo.

ISTOÉ – O sr. é considerado o Midas do marketing, mas nem todo candidato em que toca vira ouro. Como explica as derrotas nas eleições para governador?
Duda

Maluf foi para o segundo turno, mas eu disse a ele que uma nova eleição com Covas seria fatal. Covas agrega mais que ele. Pela primeira vez, estavam lado a lado pró-Covas: Lula, FHC e a imprensa. A torcida entrou em campo. O marketing não faz mágica. Eu não perdi a eleição, quem perdeu foi Maluf. Eu fiz o meu papel. Com Antônio Britto, no Sul, quase chegamos lá. A imagem dele estava muito associada a FHC, mas elegemos o Simon. Ganhei no Rio Grande do Norte. Com o PT – governo e Senado – no Acre. Em Minas, foi uma injustiça. É sempre assim, quando a gente ganha é príncipe, quando perde vira sapo.

ISTOÉ – O sr. diz que Maluf perdeu para Maluf. A imagem dele ainda está ligada ao que há de pior na política ou ainda é possível uma reversão?
Duda

Maluf tem qualidades e defeitos, como todos os políticos e o que acontece é que, em determinados momentos, tem coisas que voltam. Isso é muito delicado. Trabalhei com doutor Paulo oito anos e hoje não trabalho mais para ele. Não me sinto à vontade para falar ou aconselhar…

ISTOÉ – O sr. acaba de ganhar a conta do Banco Central. Qual é o milagre para restaurar a imagem do Real?
Duda

Continuo dizendo que não há milagre. O que a gente tem de fazer é abrir a caixa-preta do BC. As pessoas precisam saber para que ele existe. Ele não pode ser um elemento misterioso, que só interfere na economia. Temos de aproximar o BC das pessoas.

ISTOÉ – Como trabalhar a imagem de uma instituição que é acusada de fazer uma fiscalização duvidosa e de usar o Erário para cobrir rombos?
Duda

Foi aprovado o conceito da nossa campanha, “BC, o banco de todos os brasileiros”. Se a mídia, de alguma forma, só divulga o lado negativo e não diz o que ele faz, vamos cair na armadilha: foi o BC que fez. O Proer, por exemplo, é uma das coisas mais positivas, que se pode defender. Segurou todo o sistema financeiro, bancário brasileiro e é tido como uma das coisas mais negativas. Qual é o trabalho? Mostrar o outro lado. Não adianta gastar meu oxigênio para ficar desdizendo o que foi dito. As pessoas não querem ser chamadas de idiotas, serem desrespeitadas. Vou fazer como o que fiz com Menem. Vamos buscar a verdade e dar a ela destaque.

ISTOÉ – O sr. faria a propaganda do presidente Fernando Henrique como está sendo feita?
Duda

Não faria dessa forma. Não acho esse o melhor caminho. O governo está muito encurralado, muito preocupado em se defender.

ISTOÉ – O que o sr. diria para um presidente que acabou de se reeleger, com uma campanha de que manteria a moeda, combateria o desemprego e, meses depois, vive sua maior crise, como se estivesse, a exemplo de Menem, em fim de mandato?
Duda

Eu diria a ele: “Me vende quem é você, me vende seu sonho de país. Se o senhor me convencer, eu vou ajudá-lo a convencer as pessoas.” Não sou eu quem vai chegar para ele tirando uma fórmula do bolso e dizendo o que fazer. Agora, se ele for capaz de me convencer, serei capaz de convencer um bocado de gente.

ISTOÉ – Foi “FH que fez” seria uma saída?
Duda

Temos hoje um mercado de informação muito ágil e ávido por escândalos. A má notícia é sempre manchete. Boa notícia não vende. Cabe ao governo ser eficiente na sua comunicação para divulgar, ele mesmo, as boas notícias.

ISTOÉ – Ao vencer essa conta do BC, o sr. não esbarra na área de atuação do seu ex-sócio Nizan Guanaes, da DM9?
Duda

É um mercado enorme. Nizan é meu amigo, a gente trabalhou junto. Tenho a impressão de que se ele for ouvido vai dizer que vamos somar.

ISTOÉ – Assumir uma conta do governo federal como a do BC e intensificar o trabalho na Argentina, fazendo, além de campanhas, propaganda para governos estaduais, são uma guinada na sua vida profissional?
Duda

Eu sou um sujeito muito inquieto. Na minha vida, as coisas acontecem. A empresa começou a crescer e de uns quatro, cinco anos para cá. A gente entendeu que não era mais possível o Duda Mendonça fazer dez campanhas e estar em dez lugares ao mesmo tempo. A empresa deixou de ser o Duda e passou a ser a Duda (e Associados). Outra descoberta é que esse nosso mercado não pode estar sujeito à sazonalidade brasileira, funcionar só quando tiver eleição. É como a música baiana quando começou a entender que não podia viver só de Carnaval. Aí surgiu a oportunidade de vir para a Argentina, em 1991, para fazer a campanha do De la Sota, hoje governador de Córdoba. Estamos crescendo aqui e já temos convite para entrar nos mercados mexicano, espanhol e paraguaio. Entramos no maior mercado de democracia do mundo, que é o de língua espanhola e abrindo mercado para os publicitários brasileiros.

ISTOÉ – Se convidado, faria a campanha de Lula presidente?
Duda

Não. É difícil trabalhar para o PT, principalmente numa campanha majoritária. É preciso ter disciplina. Tem de ter quem manda e quem obedece. Normalmente ninguém termina as campanhas do PT, caem na metade.

ISTOÉ – O sr. continua achando que Lula é o maior líder popular do País?
Duda

Sem dúvida. Um homem que continua com esse nível de intenção de voto depois de tudo isso. É verdadeiro, de origem. A grande campanha foi a disputada contra Collor, aquela eleição era dele. E é aí que eu digo que o mar-keting pode ser decisivo. Foram cometidos erros enormes. O pulo, ele perdeu. Acho que Lula não deveria mais ser candidato. A imagem do Lula que vale é a que perde todas.

ISTOÉ – Seria possível, como marketing, mudar isso? Acabar com o preconceito?
Duda

O grande erro de todas as campanhas do Lula é que elas não foram feitas para o pobre. Ele se virou para tentar agradar a classe média e a elite. Se ele fizesse uma campanha radicalizando a condição dele, daria certo. Ele deveria dizer que esse país tem muito presidente para cuidar de rico e que passaria a ter um presidente para cuidar de pobre. Aí sim, ele teria chance. Lula ficou sem cara, sem definição. Mudou o discurso, ficou sofisticado. Desagradou a todos os lados.

ISTOÉ – O sr. fez há pouco o caminho de Santiago de Compostela. Foi possível exorcizar os demônios?
Duda

Não foi o lado religioso que me levou a Santiago. Eu queria um tempo para mim. Comecei a andar no dia 10 de agosto, dia do meu aniversário. Levei dez problemas para pensar. Não resolvi nenhum. Mas eles perderam a importância. Foi uma busca e acabei me aproximando do sentimento cristão. Eu voltei mais paciente com as pessoas, tolerante, humilde.

ISTOÉ – Dá para conciliar a busca da espiritualidade com criação e rinha de galo de briga?
Duda

Ninguém faz uma reportagem sobre galo de briga, mostrando como é de fato. Eu fui um menino pobre. Aprendi a gostar de galo de briga vivenciando a criação de meu irmão. Essa lei que está aí vai acabar com a vaquejada, com o candomblé. Como fazer as oferendas? E as pesquisas científicas? Será que não tem coisa mais importante no Brasil a se pensar?

ISTOÉ – O sr. já está se preparando para trabalhar nas eleições municipais. Já recebeu propostas?
Duda

A primeira coisa que estamos fazendo é trabalhar para baratear os custos em até 40%. Estou preferindo trabalhar com candidatos que não tenham grandes verbas, mas bom potencial. Caso contrário, a gente vira agência de quem está na UTI. De cara, digo que não pretendo trabalhar em São Paulo.

ISTOÉ – Por que não?
Duda

Não farei campanha do lado de Maluf, mas também não vou fazer contra. Nos separamos, mas somos amigos.

ISTOÉ – O que impede: a amizade ou a ética?
Duda

A ética e logo em seguida a amizade. Quero candidatos que tenham a ver com a gente. Quero desafios.