No texto do programa de seu novo espetáculo Últimas luas o ator Antonio Fagundes, 50 anos, faz uma ressalva que, à primeira vista, soa pretensiosa. “Assistir a Últimas luas será, tenho certeza, o ponto de mutação na vida de muitas pessoas.” Encerrado o espetáculo – em cartaz no teatro Cultura Artística, em São Paulo –, percebe-se que não há exagero no que diz. Mal acendem-se as luzes, e o que se vê ao redor é uma platéia comovida e contrita. No palco, de cabelos embranquecidos, e com as costas curvadas, ele vive um velho intelectual de 70 anos que deixa a casa do filho (Petrônio Gontijo) para se confinar num asilo. Enquanto arruma a mala, conversa com a mulher (Mara Carvalho, sua esposa na vida real), falecida há 30 anos. Descrito assim, pode-se imaginar uma história piegas. Mas, ao contrário, o texto do italiano Furio Bordon, autor até então inédito no Brasil e traduzido por Millôr Fernandes com o brilho habitual, cativa lentamente, pela amargura afiada por ironias e pequenas crueldades. Há momentos em que o riso flui fácil, mas ao final tem-se a sensação de ter-se recebido uma bofetada. No segundo ato, em que a peça se transforma num caudaloso monólogo, intensifica-se o alerta sobre o abandono afetivo dos idosos e a inadequação sentida por eles diante de um mundo de transformações excessivas. “Hoje, numa edição de um jornal de domingo há mais informações que um homem do século XVII absorvia em uma vida inteira. É compreensível que os velhos se sintam deslocados do mundo e sofram diante de um caixa eletrônico.”

Cadáver sadio – Um dia depois da estréia, Fagundes ainda estava anestesiado pelos efeitos do texto de Furio Bordon, que este ano será encenado na Broadway, em Nova York. Vai ser a 15ª montagem de Últimas luas, entre as quais inclui-se o que foi o último, e premiado, trabalho de Marcello Mastroianni no teatro. “Quero ficar 20 anos em cartaz, até não precisar mais usar maquiagem”, diz o ator carioca, que no momento se multiplica em inúmeras atividades, na televisão, no cinema e agora nos estúdios de gravação. Com os cabelos pintados de negro, ele é o fazendeiro Gumercindo, em Terra nostra da Rede Globo, sua 16ª novela em 33 anos de carreira. “O folhetim é o cadáver mais sadio do mundo”, observa Fagundes, que não tem problemas com o gênero, mas irrita-se com espetáculos pseudo-intelectualizados e difíceis. “Arte não é dizer dane-se o público. Eu quero falar com o seu José e a dona Maria porque eu sou o seu José. Fiquei quatro anos sem fazer teatro e neste período vi 75 peças. Me decepcionei com a maioria.”

No momento, prefere atribuições simples. Acaba de gravar um CD, Tributo a João Pacífico em que interpreta canções do compositor caipira que faleceu em dezembro passado, sem ouvir o trabalho. Pacífico deixou mais de 1.400 composições, como Chico mulato, Pingo d’água e Cabocla Tereza. “São canções para ouvir, não para ficar balançando o braço ou rebolando.” Sua incursão pela música não fica por aí. Em Villa-Lobos – uma vida de paixão, filme de Zelito Vianna que estréia no início do ano que vem, ele interpreta o maestro Heitor Villa-Lobos adulto. Do autor da série Bachianas brasileiras cultiva o mesmo hábito de fumar charutos. O maestro gostava dos grandões. Fagundes se satisfaz com o cubano Partagas série D, que reveza com um cachimbo. Também gosta de dar uns goles do bourbon Jack Daniel’s. Mas basta ver suas múltiplas atividades para se notar que lhe tem faltado tempo até para esses pequenos prazeres. Ele está em cartaz também no filme O tronco, de João Batista de Andrade, épico ambientado em Goiás do início do século, interpretando Carvalho, um juiz pragmático e carreirista. Aparece também em papel duplo na aventura juvenil, No coração dos deuses, que estréia no dia 12 de novembro, como Gaspar Correia, um destemido caçador de relíquias arqueológicas, e o sisudo bandeirante Fernão Dias, em sequências centradas no passado.

Detratores – No início do ano que vem poderá ser visto em Bossa Nova, comédia romântica de Bruno Barreto, em que contracena com a atriz americana Amy Irving, tendo como cenário, segundo ele, “um Rio de Janeiro de cartão-postal”. Como se vê, quem gosta de Fagundes não terá do que se queixar. No momento, seus detratores são minoria. Estão entre os espectadores de suas peças que teimam em chegar fora do horário e encontram as portas fechadas e uma disposição irredutível do ator em não abri-las. Nem que eles tenham de ir para uma delegacia, como já aconteceu.