O palco foi montado no Twickenham Stadium, na terra onde há seis décadas reina uma mulher. Naquele mesmo fim de semana, a rainha Elizabeth II completava 60 anos de sua coroação, que aconteceu em 2 de junho de 1953. Londres, que também é a terra da dama de ferro Margareth Thatcher, de Lady Di e das suffragettes – ancestrais feministas que lutaram pelo direito ao voto no limiar do século XX –, era mesmo o palco ideal. E foi na capital britânica que superestrelas da música pop americana lançaram palavras de ordem para uma nova revolução feminina. O concerto “The Sound of Change” (O som da mudança) foi um megaevento, logo apelidado pela imprensa britânica de Live Aid do feminismo. Quem governa o mundo? Garotas!”, cantou Beyoncé, com ares de líder feminista do século XXI. No Twickenham Stadium, certamente elas governaram tudo.

chamada.jpg

A multidão pode ter ido até lá apenas para ver seus ídolos pop, mas Beyoncé, Jennifer Lopez e Madonna tinham um objetivo político no sábado 1: lançar suas vozes poderosas em nome de mulheres que não têm voz. Como se quisessem encarnar Simone de Beauvoir ou a feminista australiana Germaine Greer, fizeram do show pop um grande chamamento. O que batizaram de “ressoar dos sinos” foi praticamente um showmício pelos direitos da mulher. Defenderam o acesso à educação, à justiça e à saúde como os meios para conscientizar e empoderar mulheres em todo o mundo, especialmente em países onde há opressão. No palco, incentivaram doações via sites de crowdfunding. Nomearam as redes sociais como trunfo do século XXI para expandir a emancipação. A frase “Chime for change” (Tocar para mudar) é nome da campanha lançada e foi repetida como um mantra durante todo o espetáculo.

Em seu discurso, Madonna denunciou injustiças contra mulheres e resumiu: “Eu não aceito isso”. Citou assassinatos, opressões e o analfabetismo forçado em países do Oriente Médio. “A educação não deveria ser um luxo, é um direito básico do ser humano”. A popstar não cantou, mas conclamou: “O tempo certo de discutir os direitos da mulher foi há 20, 30 anos. Mas antes tarde do que nunca. Abram seus computadores e seus corações. Vamos fazer essa revolução”. Ao lado da paquistanesa Huimara Bachal, 25, que luta desde os 15 anos para criar uma escola para mulheres no Paquistão, e da cineasta Sharmeen Obaid-Chinoy, que a retratou em filme, Madonna prometeu dobrar as doações à escola.

FEMINISMO-02-IE-2273.jpg
COME TOGETHER!
J.Lo canta Beatles para decretar mudanças já.
Madonna discursa: "amos fazer a revolução"

Ainda sob a luz do sol, em Londres, Jennifer Lopez empostou o vozeirão estridente: “Como podemos ajudar nossas meninas?”. A resposta veio rápido. J.Lo levou o estádio ao delírio cantando “Come together”, dos Beatles, em dupla com a cantora Mary J Brige. Na canção, a estrela americana repetia “right now!” com a ênfase de quem lembra que o “recall” da emancipação feminina não pode esperar. Nessa hora, um frisson tomou conta do “royal box”, espaço reservado para artistas, princesas e convidados especiais.

Junto com o público, a princesa Charlotte Casiraghi, filha de Caroline de Mônaco, levantou-se para dançar e aplaudir. Netas da rainha Elizabeth, as princesas Beatrice e Eugenie seguiram no embalo. Salma Hayek tomou no colo a filha Valentina, de 5 anos, e caiu na dança. O espaço era dividido por astros como Meg Ryan, o casal Ryan Reynolds e Blake Lively, e James Franco. Marido de Salma Hayek, o bilionário François Pinault, chairman do grupo Kering, que inclui a Gucci – patrocinadora do concerto –, recebia os convidados. O evento, televisionado em dezenas de países, coincide com a recente mudança do nome do grupo PPR para Kering, que traz para a holding a filosofia de “cuidar”.

IEpag80e81Gisele-2.jpg

Em quatro horas de música e discursos, as superstars e artistas como Florence Welch, Laura Pausini e John Legend lotaram o estádio e arrecadaram US$ 4,3 milhões em venda de ingressos. O dinheiro irá para 200 projetos sociais voltados para mulheres, em 70 países. O show embalou mais de 50 mil pessoas que foram ouvir soar o alarme das deusas pops. Berço das ladies’ bridge – moças que reconstruíram a ponte de Waterloo sobre o Tâmisa dos anos 40 enquanto homens lutavam na segunda Guerra –, Londres realizou o sonho de uma italiana, Frida Gianinni. A campanha “Chime for change” saiu da cabeça dela, que é diretora criativa da marca italiana Gucci e que, ao lado de Beyoncé e da atriz Salma Rayek, é cofundadora da campanha anunciada durante o concerto promovido pela marca de luxo italiana.

“O ponto de partida para criar essa campanha certamente é a urgência de uma mãe”, disse Frida a ISTOÉ. A estilista, que há três meses deu à luz a filha Greta, contou que, no ano passado, começou a pensar sobre um caminho que potencializasse essa campanha. “Quis criar um movimento onde vozes chamassem para a mudança e que isso não fosse ignorado. Lendo jornais, tragédias recentes nos mostram: é o momento para virar a página. Não falo apenas de países onde há oportunidades para as mulheres. Queremos acordar as pessoas em todo o mundo.”