Cerimônia no Palácio do Planalto de anúncio, na quinta-feira 14, do pacote de medidas para baixar os juros bancários serviu de palanque para o presidente Fernando Henrique. Ali, entre críticas às altíssimas taxas cobradas das pessoas físicas, especialmente no cheque especial, FHC tentou melhorar sua imagem popular. “Tem de baixar. E tem de denunciar quando houver abuso”, discursou. Arrancou elogios dos parlamentares aliados, mas para o consumidor apenas 5 das 21 medidas descritas durante a solenidade pelo presidente do Banco Central, Armínio Fraga, terão efeito prático nos próximos dias. E pequeno. As restantes ainda constituem uma longa carta de intenções, que só surtirá efeito no decorrer de anos.

O pacote consumiu cinco meses de estudos e gerou medidas em três direções: redução de impostos, mais transparência nas informações dadas aos clientes e aperto para devedores em atraso, os “maus pagadores”, na ótica do governo. De imediato, cai de 6% ao ano para 1,5% o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), cobrado nos empréstimos para pessoas físicas. O efeito será quase insignificante. Os bancos projetam reduções inferiores a meio ponto porcentual nas taxas que cobram hoje. “Foi a redução possível”, justifica Armínio Fraga. Outra decisão liberou as instituições financeiras de depositarem no Banco Central 10% do dinheiro que captam. A idéia é que entrem na economia R$ 9,6 bilhões para novos empréstimos, mas não há nenhuma garantia de que isso aconteça. Como o quadro econômico é incerto, os bancos podem dar preferência ao seu maior e mais confortável cliente. “Enquanto os bancos não tiverem capacidade e confiança para aumentar os empréstimos, os recursos continuarão indo para títulos do governo”, avalia o economista Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-RJ.

Na expectativa de reduzir os prejuízos dos bancos com o atraso nos pagamentos, o governo disparou dois tiros contra clientes inadimplentes. O BC vai incrementar sua Central de Risco, que reúne o cadastro dos devedores do sistema financeiro. Além disso, uma MP criou a Cédula de Crédito Bancário, uma versão desburocratizada da duplicata, que permite a cobrança rápida da dívida na Justiça. A decisão é insistir na fórmula. O BC prepara projetos de lei para incluir dívidas bancárias juntamente com as trabalhistas e tributárias na lista de pagamentos prioritários no caso de falência dos devedores, além de derrubar o sigilo que emperra a inclusão de inadimplentes em cadastros e exigir de quem briga com o banco na Justiça o depósito prévio do principal (dívida sem juros), uma parte sempre considerada líquida e certa na disputa legal. “Os estudos comprovam que, quanto menor o risco e melhores as garantias, mais baixa é a taxa”, diz o diretor de Pesquisa Econômica do BC, Sérgio Werlang. O objetivo é reduzir a inadimplência, sob o raciocínio de que são os bons pagadores que arcam com a conta dos caloteiros. Em outras palavras, quando erram e decidem liberar o crédito a um cliente incapaz de honrar a dívida, os bancos transferem o prejuízo para a conta de quem paga em dia.

O estudo do Banco Central sobre os juros revelou, com detalhes, quanto custa cada ingrediente embutido nas taxas oferecidas pelos bancos quando um cliente decide tomar emprestado o dinheiro mais caro do planeta. Os bancos brasileiros, que se gabam de ter conseguido adaptação rápida aos tempos de inflação baixa, enxugando custos e cortando gorduras, ainda cobram caro pela administração das linhas de crédito. O peso destes custos é maior para os pequenos clientes, que pegam empréstimos menores. No crédito ao consumidor, que envolve muita papelada e intermediários, a administração chega a consumir 36% do que fica no banco, o spread (diferença entre o que a instituição paga ao aplicador e cobra do devedor). E mais: partindo do fato de que trocar de banco não é fácil como mudar a marca de sabão em pó, o setor financeiro usa e abusa do poder de mercado que tem sobre os clientes na hora de definir as taxas do cheque especial, o quinto colocado em volume de empréstimos.

Arrancam lucros campeões, equivalentes a 31% do spread (leia quadro ao lado). Daí, a tentativa do BC de divulgar na Internet mensalmente o ranking de taxas para o público.

O governo fez muita pompa no lançamento do pacote e chegou a sugerir que as medidas poderão empurrar o reaquecimento da economia. Teoricamente, até poderiam, mas, na prática, é retórica. O próprio BC admite a lentidão no efeito das medidas. O máximo que Armínio Fraga promete é “em breve” uma taxa abaixo dos 100%. Hoje, ela chega a astronômicos e impensáveis 240% anuais no cartão de crédito e no cheque especial. Para os especialistas, o mais provável é que os bancos prefiram o caminho inverso: esperar até que o desempenho econômico melhore para só então avançar mais na oferta de crédito a taxas mais baixas. E, a julgar pela reação de quem decide sobre o assunto, é o conservadorismo que vai valer. “Não existe milagre para reduzir taxas de juro de forma consistente e permanente”, adverte o presidente da Febraban, Roberto Setúbal. O pacote não tem mesmo milagres, mas ameaça criar mais um problema para o governo. A redução do IOF faz sumir uma receita de quase R$ 1 bilhão por ano. No Congresso, onde até governistas relutam em aumentar impostos e passar a tesoura no Orçamento para compensar a suspensão da contribuição dos funcionários públicos aposentados, o repentino desprendimento federal é encarado com desconfiança. “Para os bancos tem sobra de receita? O governo tem de explicar melhor essas contas”, diz o deputado Sérgio Miranda (PCdoB-MG).