Na manhã de 29 de maio de 1953, o neozelandês Edmund Hillary e o nepalês Tenzing Norgay atingiram o pico do Monte Everest. Como a reserva de oxigênio deles estava baixa, passaram apenas 15 minutos ali, tirando fotos. Antes de partir, Norgay deixou uma oferenda aos deuses em forma de comida. Por um lado, os aventureiros inauguravam a era dos alpinistas que se arriscam a escalar o “topo do mundo”. Por outro, deram início ao hábito de deixar lixo para trás. Passadas seis décadas da proeza original, o governo nepalês adotou medidas restritivas para tentar conter a montanha de dejetos.

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RENDA
Lixo recolhido do alto da montanha vira dinheiro para os nepaleses

A sujeira evidente ainda não encontrou sua tradução nas estatísticas. Os dados mais recentes são de 2010 e não contemplam o lixo. Eles mostram que 3.142 pessoas venceram os mais de oito mil metros do Everest. Geraldo Isoldi, sócio da Selva Aventura, empresa de assessoria esportiva, explica que apesar do alto custo do desafio (começa em R$ 50 mil), tem crescido muito o número de pessoas que querem passar por essa experiência. Somados aos turistas que ficam pelo caminho, esses aventureiros formam uma legião que deixa para trás embalagens de comida, garrafas de água, cilindros de oxigênio, equipamentos quebrados, restos de barracas, cordas e dejetos humanos. Tudo isso contamina a neve e, consequentemente, a água usada pelos escaladores, o que coloca em risco as missões posteriores.

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LOTAÇÃO
Primeiro brasileiro a chegar ao topo do Everest,
Waldemar Niclevicz culpa as agências de expedições

Mesmo sem saber exatamente o tamanho da montanha de lixo, o governo nepalês resolveu se mexer. Antes de iniciar a aventura, o viajante tem de fazer um depósito de US$ 4.000. Caso volte à base sem deixar rastros, traz o valor de volta para casa. Além disso, há um programa de incentivo à remoção de lixo pelos sherpas – moradores locais que acompanham os estrangeiros na escalada. Eles recebem por cada cilindro de oxigênio que trazem da montanha. A ONG Everest Summiteers Association organiza expedições de faxina que já chegaram a retirar oito toneladas de lixo. Mas isso não é suficiente.

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A médica e atleta Karina Oliani, 31 anos, já visitou o Nepal três vezes. Nas duas primeiras, fez parte de expedições que não iam até o topo. Em sua última viagem, em março deste ano, tornou-se a brasileira mais jovem a escalar o monte. “Nas primeiras vezes, vi muita embalagem de um tipo de tabasco que alguns mascam durante a subida”, diz. O grande número de novos aventureiros surpreendeu Karina. “Havia uns 350 escaladores quando estive lá, e era apenas o começo da temporada”, conta a atleta. Números como esse atraem agências especializadas, grande geradoras de lixo, na opinião de Waldemar Niclevicz, o primeiro brasileiro a escalar o Everest, em 1995. “Cada vez mais turistas enfrentam as montanhas, aproveitando a infraestrutura das agências de expedições.” Niclevicz diz que um exemplo são os acampamentos-base, onde são encontradas garrafas térmicas de cinco litros. Essas empresas deveriam aproveitar a oportunidade para, além de uma experiência inesquecível, proporcionar uma definitiva aula de preservação. São bem pagas para isso.