A onda de protestos que começou em Istambul e se espalhou por dezenas de cidades da Turquia, na semana passada, ficaria marcada como mais uma manifestação ambiental, não fosse a reação truculenta da polícia comandada pelo primeiro-ministro muçulmano, Recep Tayyip Erdogan. A forte repressão policial, eternizada na imagem de uma garota de vestido vermelho virando o rosto para um spray de pimenta, foi o combustível para o recrudescimento dos atos e a ampliação do debate sobre liberdades individuais que tomou conta do país. O saldo negativo de ao menos três mortos, mais de quatro mil feridos e 25 presos por agitação em redes sociais foi debitado na conta do premiê turco. Erdogan e seu partido – o Justiça e Desenvolvimento (AKP) – já gozaram de altíssima popularidade. Agora, o jogo virou. “O AKP se tornou uma vítima de seu próprio sucesso”, escreveu Soner Cagaptay, diretor do programa de pesquisas sobre a Turquia do Washington Institute, em artigo para o “The New York Times”. “A classe média que o partido criou está comprometida com as liberdades individuais – e está agora desafiando seu estilo de governar e sua dominação política.”

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REPRESSÃO
O primeiro-ministro Erdogan e a simbólica garota de vermelho:
ação truculenta da polícia turca ameaça a popularidade do premiê

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Os protestos ganharam as ruas inicialmente para impedir a construção de um shopping no lugar do Parque Gezi, um dos poucos centros verdes de Istambul. Com o revide desproporcional do Estado, o difuso grupo de estudantes universitários, ambientalistas, esquerdistas e ativistas de direitos humanos rapidamente recebeu o apoio de centrais sindicais, que declararam greve de dois dias. Para piorar, o primeiro-ministro ainda viajou ao norte da África e deixou a gestão da crise nas mãos de subalternos, o que aumentou o descontentamento geral.

Erdogan transita com naturalidade entre o Ocidente e o Oriente. Muçulmano e conservador, é defensor do livre mercado e foi eleito – e reeleito duas vezes – democraticamente. No ano passado, após os turbulentos levantes da Primavera Árabe, ele foi considerado o líder mais popular entre as seis nações predominantemente muçulmanas, com 65% de aprovação, segundo o Pew Research Center. A mesma pesquisa mostrava que, não por acaso, 57% dos turcos tinham uma visão positiva da economia. Nos últimos três anos, o PIB do país cresceu, em média, 6,8% e deve avançar 3,4% em 2013, com a inflação sob controle, calcula o Fundo Monetário Internacional. Nos últimos meses, contudo, o premiê se engajou em medidas impopulares. Não bastasse a atabalhoada ação policial, restringiu a venda de bebidas alcoólicas e investiu em obras faraônicas (leia quadro). Com isso, sua popularidade tende a despencar.

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Para Soner Cagaptay, à medida que a classe média cresce nos países em desenvolvimento, eles se tornam cada vez mais democráticos, o que deveria incluir uma inevitável busca pelo consenso e respeito pelos direitos das minorias. “Erdogan acredita que, uma vez eleito, um líder não precisa se preocupar com as visões opostas”, disse o especialista. Para Selen Arda, de 28 anos, isso faz dele “um ditador fascista”. Graduada em engenharia de software e administradora de uma empresa, ela participa dos protestos em Izmir, terceira maior cidade do país. Muçulmana, Selen teme que o governo “destrua a república” e construa, em seu lugar, um país ditado por regras islâmicas. De acordo com ela, a polícia reprime violentamente manifestações pacíficas com gás de pimenta e jatos d’água. “Eles não têm o direito de atacar inocentes por reivindicarem seus direitos e liberdades”, afirmou à ISTOÉ.