No passado, construir cúpula de catedrais sempre foi um problema: os desabamentos eram a regra, e as obras se prolongavam por décadas. Isso até que o artesão italiano Filippo Brunelleschi (1377-1446) revolucionasse o estilo de construção medieval ao criar o maior domo da história, o da Igreja Santa Maria Del Fiore, conhecida como o Duomo de Florença – levantado com tijolos em um vão livre de 36,27 metros de diâmetro, é considerado o grande feito da engenharia da época. A façanha do “Michelangelo da arquitetura” está contada no livro “O Domo de Brunelleschi” (Record), que mostra como o ourives e relojoeiro que se tornaria o grande “projetista” do Renascimento se destacou num período marcado pelo florescimento das artes e das construções de porte.

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DE MÁRMORE
Segundo o livro, Brunelleschi (no alto) era vingativo e morreu solteiro

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A obra-prima de Brunelleschi, que data de quase seis séculos, resiste majestosa, apesar de quatro terremotos ocorridos na região da Toscana – suas técnicas foram, inclusive, reproduzidas por Michelangelo na cúpula da Basílica de São Pedro, no Vaticano. As ferramentas e máquinas que o arquiteto desenhou foram copiadas por Leonardo da Vinci, a quem se atribui erroneamente a autoria de parte delas. Avançando no terreno pessoal, o autor do livro, o escritor canadense Ross King, revela que Brunelleschi enfrentou não apenas os desafios do cálculo, mas também a descrença e as más línguas de seus contemporâneos. O projeto da abóbada estava parado havia meio século à espera de que “Deus fornecesse uma solução”. O croqui tinha sido desenhado por Arnolfo di Cambio para encimar o que seria a principal catedral da cidade, construída sobre os restos de outra igreja. Oferecia risco e exigia criatividade: a maquete previa um topo octogonal que dispensava estacas de compensação, recurso usado nos templos góticos para sustentar longos arcos em direção ao céu.

Em 1418, a Opera Del Duomo, corporação responsável pelo financiamento das obras, lançou uma competição para escolher o profissional que completaria o projeto da cúpula. Brunelleschi, que vivia nas redondezas desde a infância e parecia ter se preparado a vida inteira para a missão, inscreveu-se para o concurso e foi escolhido. A obra cuja pedra fundamental datava de 1296 levou mais 18 anos para ficar pronta. Pouco depois de sua morte, foi dada como finalizada. Filho de um funcionário público, Brunelleschi recusou a carreira do pai para ser ourives. Seus conhecimentos de mecânica e seu interesse por arte e matemática o levaram a uma temporada em Roma, onde viveu com o escultor Donatello. Com o amigo trabalhou na busca de relíquias e artefatos arqueológicos. Nessa época, teria viajado também para o “Oriente Próximo”, oportunidade para se familiarizar com a numeração arábica e ter contato com edificações persas e bizantinas. Afora isso, estudou bastante as técnicas usadas na construção do domo do Panteão romano, o mais bem-sucedido até então.

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SUPERIOR
O topo da igreja tem vão livre de 36,27 metros de diâmetro: o maior da época

De posse de tantos conhecimentos, Brunelleschi causava admiração no meio artístico. Ainda assim, o “capomaestro” (como era conhecido na época o autor da obra) não teve reconhecimento público. Tornou-se amargo, mal-humorado e passou a vida disputando com outros artesãos proeminentes a glória da inovação. Em seu esforço para convencer o “bando de ignorantes”, como se referia aos que não o compreendiam, inventou um guindaste, tido como “uma das mais famosas máquinas do Renascimento”, e uma estrutura chamada “castello”, usada para posicionar blocos de pedra de 400 quilos com a precisão de centímetros. No ambiente de rivalidade da época, fingiu-se doente num estágio crucial da construção do domo apenas para desmascarar a incapacidade de um adversário em dar prosseguimento à obra. Com tal temperamento, nunca se casou.

Ao morrer, foi sepultado na própria igreja. Em 1972, ao ter o seu corpo exumado, dele só restava pó. Sua obra, porém, mantém-se como o grande cartão-postal da capital do Renascimento.

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