O Agora, o Antes: uma Síntese do Acervo do MAC USP/ MAC USP Nova Sede, SP/ até 27/10

O autorretrato, a natureza-morta, a representação da mulher, a espiritualidade, a política e a alegoria são gêneros ou áreas da vida que há séculos definem limites e amplitudes da atividade artística. Gestor de uma das mais importantes coleções de arte do País, o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo teria obras de sobra para contar a história dos gêneros. Mas não é nisso que Tadeu Chiarelli, diretor da instituição e curador da mostra “O Agora, o Antes”, está interessado. Ao aproximar seu acervo de arte moderna a aquisições da mais recente produção de artistas brasileiros, Chiarelli pretende “perturbar e ressignificar verdades consagradas”.

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ESPELHAMENTO
Obra de Albano Afonso (acima) e autorretrato de Modigliani
são destaques do acervo colocados lado a lado

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“É interessante observar ‘Autorretrato com Modernos Latino-Americanos e Europeus’, de Albano Afonso, ao lado do autorretrato de Amedeo Modigliani”, sugere o curador, na primeira das cinco salas da exposição. Ao alternar a imagem de si mesmo, com a face obstruída pelo flash fotográfico, com reproduções de autorretratos de grandes mestres da pintura moderna ocidental perfuradas por esferas, Albano Afonso se refere à tradição do retrato na história da arte, mas quer a sua superação. O mesmo tipo de confronto produz momentos memoráveis em todo o espectro da mostra. As escolhas de Chiarelli para a segunda sala nos induzem a pensar de que forma as naturezas-mortas de ontem podem ser relidas à luz da arte pública de hoje. Essa relação inusitada se apresenta quando, depois de revermos as naturezas-mortas de Iberê Camargo – seus célebres “Carretéis”, de 1959 –, encontramos um novo sentido para “O Enigma de um Dia” (1914), de Giorgio de Chirico. Situada ao lado de obras que enfocam objetos cotidianos da vida doméstica, a paisagem metafísica de De Chirico ganha uma dimensão intimista antes impensada. Essa mesma sobreposição entre as dimensões pública e privada da vida compõe a escultura “Estrutura Dissipativa/ Balanço” (2012), de Rommulo Vieira Conceição, que articula em um só objeto um parquinho de praça pública com uma escrivaninha.

Na terceira sala, outra surpresa. De entrada, a belíssima instalação de desenhos de Marina Saleme (2012) remete à pintura religiosa e ao barroco brasileiro, e encontra uma insuspeita correspondência no desenho “Fachadas de Igrejas” (1953), de Volpi. Esse esplendor religioso vira transcendência na parede em frente, com a série trágica de desenhos “Minha Mãe Morrendo” (1947), de Flávio de Carvalho. Da transcendência de Carvalho chegamos a outras manifestações da morte, expressas em “Reflexões sobre a Morte”(1973), de Muntadas, e “Documents”, de Thiago Honório, também entre as últimas aquisições (leia em Roteiros). Com essas associações transversais, a curadoria do MAC USP ensina que o papel do museu não se resume em zelar por seu acervo e pelo passado, mas em conectá-lo com o presente e transformá-lo.