A Igreja Católica encontrou definitivamente a forma de se contrapor ao avanço dos evangélicos, utilizando os mesmos recursos de seus rivais. Na terça-feira 12 de outubro, dia de Nossa Senhora Aparecida, dois grandes eventos no Rio de Janeiro e em Aparecida (SP) transformaram-se numa demonstração de força do catolicismo. E teve um significado especial: os católicos provaram que já conseguem novamente reunir grandes multidões em templos e estádios. Cerca de 350 mil fiéis lotaram a Basílica de Aparecida para homenagear a padroeira do Brasil e o estádio do Maracanã a fim de ver os padres artistas Marcelo Rossi, Zeca, Zezinho, Jonas Abib e Antonio Maria desfilarem seus grandes hits. No Rio, o público de 161 mil pessoas superou os 120 mil que viram o papa João Paulo II, em 1997. Também superou a marca de estrelas da música internacional como Paul McCartney e Frank Sinatra. Público desse tamanho, nos últimos anos, era privilégio das igrejas pentecostais, para quem o catolicismo vem perdendo terreno. “Os católicos brasileiros encontraram um canal de expressão mais condizente com a vida moderna”, acredita d. Estevão Bittencourt, professor de Teologia no Rio de Janeiro. “Na crise da sociedade atual, as pessoas sentem fome de Deus, porque o materialismo, representado pelo carro de luxo, por exemplo, não garante a felicidade”, afirma o bispo auxiliar da Arquidiocese do Rio Rafael Cifuentes, que assegura ter havido um crescimento de 20% no número de católicos no Estado nos últimos cinco anos. “Estamos vivendo a onda da religiosidade, do misticismo, do espiri-tual”, diz o monsenhor Arnaldo Beltrami, vigário-episcopal de comunicação da Arquidiocese de São Paulo.

A verdade é que os maiores responsáveis hoje pelo sucesso de público nesses eventos são os católicos carismáticos, que crêem nos dons do Espírito Santo (a cura e o milagre, por exemplo), como os pentecostais. O movimento Renovação Carismática organizou o encontro do Maracanã, juntamente com a Arquidiocese do Rio. Os carismáticos têm hoje como sua maior expressão o padre Marcelo Rossi. As celebrações dele se assemelham muito mais aos grandes shows populares. Rossi já vendeu cinco milhões de CDs e faz aparições constantes em programas como os de Xuxa, Gugu e Faustão. “Os novos padres cantores trouxeram um sopro de alegria e entusiasmo para a Igreja, mas temos de tomar cuidado para não virarmos vedetes ou superastros”, alerta o padre Zezinho, o precursor da iniciativa, que lançou seu primeiro disco em 1969. O sucesso dos cantores católicos levou até a Igreja Universal do Reino de Deus – hoje a maior inimiga do catolicismo – a também transformar um de seus bispos, Marcelo Crivella – sobrinho de Edir Macedo – em cantor pop. Seu CD O mensageiro da solidariedade, lançado em setembro, já vendeu 450 mil cópias, segundo a gravadora Sony.

Quem tem prestígio, realmente garante sucesso. Na celebração em Aparecida, a Igreja Católica contou com um substancial reforço do ídolo Roberto Carlos, o maior cantor popular do País. Ele foi rezar pela cura de sua mulher, Maria Rita, que sofre de câncer. Cantou cinco músicas durante a celebração na basílica e foi ouvido por cerca de 50 mil pessoas, naquele momento. Para o bispo Cifuentes, o retorno dos católicos aos templos não ocorre por acaso. “No Rio, estamos desenvolvendo um trabalho há dez anos. Nossos missionários visitaram 200 mil famílias em apartamentos, barracos e favelas.” A hierarquia católica está preocupada com a evasão anual de 600 mil de seus fiéis e quer reverter esse quadro. Hoje, 80% da população brasileira (128 milhões) se diz católico, mas apenas 20% desse total (25 milhões) é praticante, segundo estimativa do sociólogo Ricardo Mariano, estudioso de religião. “Hoje, não basta para os católicos fazer lobby em Brasília. É preciso ter capacidade de mobilização dos -fiéis.” É isso que Rossi e companhia estão demonstrando.