" A pedra do anel que você coloca no dedo de sua noiva ou esposa pode ter custado o braço de uma criança.” Esta frase de efeito é uma referência às amputações indiscriminadas usadas como forma de terrorismo pelos exploradores de diamantes ilegais e virou slogan de uma campanha que pode finalmente trazer um pouco de paz à África Ocidental. O autor da tirada é Robert Fowler, embaixador canadense na Organização das Nações Unidas, que com ela tem conseguido grandes feitos. O primeiro deles é o de mover montanhas, ou seja, obrigar a mudança de atitude dos grandes mercadores de brilhantes no mundo. Na quarta-feira 20, reunidos na cidade de Antuérpia, na Bélgica, os membros da vetusta International Diamond Manufacturers Organization (organização internacional de fabricantes de diamantes) prometeram mudar sua conduta e fiscalizar com rigor as origens dos produtos que vendem. Até então, o comércio era dominado – ao pé da letra – pela lei da selva, na qual as fabulosas pedras obtidas à custa de guerras civis permanentes na África, contrabando e lavagem de dinheiro eram jogadas no mercado com a cumplicidade de empresas legítimas como a gigante sul-africana De Beers. Agora, cada remessa terá de obter o certificado de autoridades estabelecidas e reconhecidas pela ONU. “Teremos vários mecanismos que vão peneirar estas pedras, separando aquelas que têm origem legal e barrando as ilegais”, garantiu a ISTOÉ Sean Cohen, da International Diamond Manufactures Association. O acordo de agora deverá secar a fonte de recursos de senhores de guerra como o angolano Jonas Savimbi e suas tropas da Unita ou o sanguinário Foday Sankoh e seus bandoleiros da Frente Revolucionária Unida (FRU) de Serra Leoa.

Em sua guerra santa pela paz, Fowler conseguiu também a proeza de convencer os consumidores de que os diamantes podem ser “os melhores amigos das loiras”, como disse Marilyn Monroe, mas ao mesmo tempo são os piores inimigos dos negros africanos. “O que se deseja é conseguir um clima de repúdio entre os consumidores semelhante àquele que abalou a indústria das peles”, disse a ISTOÉ o embaixador canadense. “A indústria de diamantes se arrisca a uma catástrofe comercial caso não mude as práticas de seus negócios. Os consumidores cada vez mais vão exigir certificados de procedência dos diamantes com que presenteiam seus amores. Ninguém quer pedras sangrentas em seus porta-jóias”, disse Fowler.

Somente no ano passado o comércio mundial de diamantes movimentou algo em torno de US$ 6 bilhões em todo o mundo. Calcula-se que 15% desse total tenham ido para os cofres de contrabandistas internacionais ligados a movimentos guerrilheiros africanos. “Hoje em dia, conflitos mais sangrentos da África nada têm a ver com aspirações de independência, ideologias políticas ou intolerância étnica. Que ninguém se engane: as guerras africanas têm como principal razão o domínio das fontes de diamantes”, disse a ISTOÉ o novo embaixador de Angola na ONU, José Patrício. Seu país vive uma guerra de 25 anos e passou por todas as fases citadas, mas hoje são os diamantes que servem de incentivo à matança que já contabilizou cerca de 500 mil pessoas. Em 1993 o Conselho de Segurança da ONU impôs embargo de armas à Unita, que desrespeita os acordos de paz assinados. Mesmo assim, a máquina de guerra de Jonas Savimbi continua bem azeitada e impedindo o progresso econômico angolano. “Ficou provado que a Bulgária fornece armas à Unita usando corretores sul-africanos. Comerciantes belgas e líderes africanos facilitam as exportações ilegais dos diamantes vindos das minas da Unita”, diz Patrício. O presidente de Burkina Faso e o ex-ditador do Zaire, Mobuto Sese Seko, foram acusados formalmente de ajudar Savimbi com armas e combustível. E Ruanda também facilita o contrabando.

Serra Leoa e Libéria – O grupo de direitos humanos Global Witness, de Londres, diz que somente em março de 1999 um carregamento de 70 toneladas de armamento moderno saiu da Ucrânia com destino a Serra Leoa. Foi com esse arsenal que Foday Sankoh, líder da FRU que aterroriza o país, desencadeou as operações do começo do ano, quando instalações da ONU foram atacadas e mais de 500 soldados foram sequestrados. O principal trampolim para o contrabando é a Libéria, cujo presidente, Charles Taylor, é grande amigo de Sankoh. Deste modo, a Libéria, que não tem uma única mina de diamantes, exporta US$ 300 milhões, provenientes de Serra Leoa.

As atrocidades dos facínoras da FRU – que amputam membros de homens, mulheres e crianças – acabaram assustando até mesmo gente acostumada a horrores de guerra, como os mercadores de diamantes. Pegue-se o exemplo da De Beers, a empresa que domina dois terços deste mercado. Durante 60 anos esta empresa de origem sul-africana manteve com mão de ferro a escassez e o valor alto do produto. Até os anos 80 ela mantinha 90% do mercado. Mas os tempos mudaram. E parte do problema é justamente os concorrentes que inundam o mercado com diamantes ilegais. É por isso que a De Beers tem cada vez mais encampado a causa da legalidade das pedras. O gerente diretor da companhia, Gary Ralfe, mesmo mantendo a tradicional postura lacônica, comentou a ISTOÉ o acordo da Antuérpia: “Qualquer um que for descoberto comerciando diamantes de áreas de conflitos vai perder sua licença e será expulso da associação comercial de diamantes à qual pertença. A De Beers apóia totalmente estes mecanismos”, disse. E este é o melhor sinal de que os diamantes podem ser eternos, mas os conflitos na África Ocidental ganharam data de expiração.