"Consciente ou inconscientemente, eles sabiam que sua vida ativa, às vezes sua vida inteira, acabaria, na melhor das hipóteses, aos 40 anos: os mineiros ‘dispensados’… E em que estado! Os pulmões esburacados pela silicose, arrasados pela tuberculose, cuspindo sangue, descarnados.” Não são só os diamantes que decepam os países africanos. Essa cena de horror nas minas de ouro da República do Congo está descrita no fascinante livro de ficção O ouro do Maniéma (ed. Record, 268 páginas), do escritor e político suíço Jean Ziegler. A história se passa no início dos anos 60, após o assassinato do primeiro-ministro Patrice Lumumba, quando o Congo mergulha em uma violenta guerra civil. Mas de ficção só mesmo os nomes, trocados por Ziegler para segurança das vítimas. O parlamentar europeu socialista e professor de Sociologia da Universidade de Sorbonne e da Universidade de Genebra, enviado da ONU para a República do Congo (ex-Zaire) entre 1961 e 1963, ficou famoso por suas denúncias do envolvimento dos bancos suíços com a lavagem de dinheiro e com o nazismo. Ziegler, que falou a ISTOÉ de sua casa em Genebra, volta a disparar sua metralhadora verbal, desta vez, contra as multinacionais da mineração que atuam no coração da África.

ISTOÉ – Nos últimos 40 anos, o que mudou na República do Congo?
Jean Zigler
– Nada. Estive lá há dez dias. É uma situação escandalosa. Os donos das multinacionais estão cada vez mais ricos e os mineiros cada vez mais pobres, arriscando suas vidas diariamente. Todas as guerras que existem hoje no Congo, Uganda, Ruanda e Burundi são por causa do ouro, dos diamantes, da platina, do manganês e do urânio. Mineração é uma maldição.

ISTOÉ – Por que escreveu esse livro?
Ziegler
– Escrever sobre isso é um ato de justiça com os verdadeiros heróis que eu conheci. O livro é uma homenagem a eles. Ao mesmo tempo é uma maneira de eu me libertar das imagens terríveis que me perseguem hà anos. Eu acordo à noite com pesadelos com as cenas que vi.

ISTOÉ – Quais são as multinacionais que atuam ali?
Ziegler
– Até as Bolsas de Valores de São Paulo e do Rio estão implicadas, porque têm ações. São quatro grandes mineradoras: Anaconda Cooper Miner, do Canadá, Kennecott Cooper Mining, Oppenhein da África do Sul e a Anglo American Company. E são esses os governos que financiam as guerras. Eles enviam armas.

ISTOÉ – Qual é a rota do ouro?
Ziegler
– A rota é pelo Oriente africano. O ouro é transportado pelas rodovias passando por Ruanda, Uganda até a saída do oceano Índico. As companhias de mineração pagam propina para os líderes militares que deixam passar a carga, que segue para o grande porto de Zanzibar, na Tanzânia. Do porto, os minerais seguem de avião para a França, Japão e também para o Brasil.

ISTOÉ – Há tortura nas minas?
Ziegler
– Sim, é uma selva humana. Não vi as matanças nesta última vez, mas estive com muitas vítimas de tortura. A lei que lá rege é a lei das armas.

ISTOÉ – O sr. não teme represálias pelas denúncias que faz?
Ziegler
– Claro. Não sou um herói. Já fui processado muitas vezes. Por isso mudei os nomes dos personagens. O livro é um best seller na Inglaterra e nos EUA. Se eu não mudasse os nomes, as companhias de mineração poderiam me processar. Mas eu quis ser um porta-voz dos mineiros que morreram trabalhando, no anonimato. Eu queria que o mundo soubesse que há pessoas morrendo lá, por nós.