26/07/2000 - 10:00
A sentença da Justiça americana chegou ao limite do bizarro. Na quarta-feira 26, a juiza federal da Califórnia, Marilyn Patel, decretou que na sexta-feira, à meia-noite em ponto, o controverso serviço de distribuição gratuita de músicas Napster deverá encerrar suas atividades na internet. A decisão vale até que chegue ao fim o processo movido pela Associação das Indústrias Americanas de Gravação contra a empresa californiana fundada há um ano. O grupo representa os interesses de gravadoras como Sony, BMG e Time Warner, que desde dezembro passado acusam o site, e seus 20 milhões de clientes, de infringir as leis de direito autoral ao copiar músicas em formato MP3 para ouvir no computador – e em seguida gravar seus próprios CDs. A decisão, uma vitória acachapante dos estúdios de gravação, é na verdade a primeira batalha de uma guerra que está apenas no começo. O cenário da nova disputa está armado e o alvo será o cinema. Agora sobem ao ringue os estúdios de Hollywood, que tentam brecar a franca distribuição de filmes on line.
Ainda que o Napster feche suas portas de vez, não há como interromper o trânsito livre de informações e imagens digitais. Há na internet mais de uma dezena de endereços onde se encontram músicas e filmes inteiros prontos para ser baixados de graça para qualquer PC. Esse movimento é, ao mesmo tempo, um pesadelo para as grandes gravadoras e distribuidores, e a tábua de salvação para os internautas. Os defensores das indústrias fonográfica e cinematográfica argumentam que liberar melodias ou cenas de filme pela rede é como copiar a chave da casa do vizinho e distribuir entre os amigos. A Napster defende-se revelando estudos como o que encomendou à Universidade da Pensilvânia. Diz a pesquisa que “mais de 91% dos usuários de Napster compram a mesma quantidade de discos do que antes de usar Napster, e 28% compram mais”.
Polêmicas à parte, o sucesso do Napster fez escola e o mundo do cinema já ganhou o seu MP3. Ele se chama Dvix;-), assim mesmo com uma carinha sorridente, e é um formato de codificação de vídeo que comprime as imagens digitais de tal forma que elas ocupam 10% do espaço que ocupavam há meros seis meses. Significa que um filme de mais de duas horas cabe num único CD-ROM. Melhor ainda: pode ser exibido, em tempo real, na tela de um computador com acesso à internet. A qualidade da imagem é de fazer cair o queixo. O formato é uma combinação do sistema de compressão de vídeo Mpeg4, criado pela Microsoft, e os arquivos tradicionais de áudio. Descoberto por um grupo de hackers franco-alemães, o sistema de codificação antes exclusivo da empresa de Bill Gates foi reescrito e tornado público, de graça. Surgiu assim o sistema Dvix ;-), que pode ser usado por qualquer um que deseje oferecer uma seleção de vídeos em seu site. “É como dar um pirulito a uma criança e dar também a chave da loja de guloseimas”, compara o cineasta carioca Renato Bulcão.
Produtor de filmes como Um céu de estrelas, de Tata Amaral, e O velho, de Toni Venturi, o cineasta foi fisgado pela nova tecnologia. Em menos de um mês, debruçou-se sobre literatura técnica, vasculhou sites sobre o Dvix ;-), convenceu os sócios de sua produtora e descobriu uma brecha para oferecer diretamente aos internautas os filmes que realiza. Tudo isso sem correr o risco de ser processado por cópia ilegal, já que sua produtora é dona dos direitos de exibição. Bulcão marcou para sexta-feira 28 a grande estréia de seu site www.tvfilm.com.br. Ali estão os traillers de três filmes e um curta-metragem inteiro, Amassa que elas gostam, uma animação feita com massinhas de moldar dirigida por Fernando Coster, com 15 minutos de duração. Na sala de exibição virtual, o cineasta colocou em cartaz traillers de Os matadores, longa-metragem dirigido por Beto Brant, e dois desenhos animados, A turma do gol e Glorinha Leme, ambos produzidos e dirigidos por Paulo Mariotti e Bulcão.
“O movimento de livre circulação das cópias representa a redenção do cinema brasileiro, independente das distribuidoras e das salas de exibição”, diz o cineasta de 43 anos, que estudou filosofia e exerce o cargo de diretor de marketing da TV Cultura. Seu objetivo é oferecer conteúdo digital para os usuários de banda larga. As estréias brasileiras em formato Dvix ;-), portanto, são só um tiragosto. A partir de setembro, Bulcão pretende colocar no ar algo além do trailler dos filmes. Bastará copiar os arquivos de vídeo da internet e assisti-los na tela do computador. A transferência de arquivos de imagem não é tão rápida quanto a das músicas em MP3. Hoje ainda é preciso paciência para fazer o download de vídeos, ainda que estejam no formato compacto Dvix ;-). Os planos do cineasta Renato Bulcão obedecem a um planejamento estratégico. Seu objetivo é vender cópias dos filmes de sua produtora diretamente para o internauta. “Cada filme custará o mesmo que o aluguel de um vídeo na locadora, entre R$ 5 e R$ 8”, calcula o cineasta.
Ainda que o advogado da Napster consiga reverter a decisão da juíza americana, há coisas no mundo da tecnologia que não voltam mais. O poder de fogo do consumidor, por exemplo, aumentou consideravelmente com a oferta direta de produtos digitais. Em vez de seguir as estratégias de marketing milionárias, agora é preciso convencer o internauta a consumir um produto, num esforço quase individual. Por coincidência, a prova de fogo aconteceu na semana passada. Disposto a lançar seu próprio livro eletrônico sem a intermediação de editoras, o escritor americano Stephen King viu seu novo projeto naufragar. O rei das histórias de terror lançou em seu site A planta, livro que trata da perversidade de um editor. Ao contrário de seu opúsculo anterior, Pegando carona na bala, que atraiu a atenção de 400 mil pessoas, o novo livro de King foi um fracasso. Foram apenas 41 mil acessos no primeiro dia, 10% do público do primeiro livro. Para cada novo capítulo, o internauta precisava pagar US$ 1. A empreitada foi um horror, literalmente. Sem intermediários ou a força dos grandes impérios da mídia, falou mais alto a voz do internauta, um consumidor cada dia mais difícil de ser enganado.
Um adolescente norueguês fanático por computador, um jornalista americano e a internet. Aparentemente, esses personagens não serviriam nem mesmo para estrelar um curta-metragem, mas estão atraindo a atenção da bilionária indústria cinematográfica de Hollywood.
No ano passado, o estudante Jon Johansen, hoje com 16 anos, juntou-se a dois amigos para escrever um programa de computador, o DeCSS, que quebra a criptografia dos DVDs – os filmes gravados em discos ópticos, com alta qualidade de imagem e som, que só podem ser reproduzidos nos aparelhos para leitura de discos digitais de vídeo. Traduzindo: Jon conseguiu achar a chave que permite abrir o CSS (Content Scramble System, ou sistema de embaralhamento de conteúdo), código embutido em cada disquinho de filme e que impede a reprodução. Com isso, qualquer um pode executar ou copiar os filmes do DVD num computador.
Para piorar a situação, o jornalista americano Eric Corley publicou o polêmico programa na revista eletrônica 2600.com, a bíblia dos hackers, difundindo o uso do DeCSS. Resultado: no começo do ano, oito grandes estúdios de cinema entraram com uma ação contra Corley. Ele retirou o programa de sua página, mas mantém links para mais de dois mil sites onde qualquer um pode achar o DeCSS. O julgamento chegou ao fim na semana passada. O veredicto do juiz Lewis Kaplan deve sair no final de agosto. Tudo indica que, para desespero de Hollywood, será mantido o direito de disponibilizar na internet a receita de como piratear um DVD.
Henrique Fruet