A sentença da Justiça americana chegou ao limite do bizarro. Na quarta-feira 26, a juiza federal da Califórnia, Marilyn Patel, decretou que na sexta-feira, à meia-noite em ponto, o controverso serviço de distribuição gratuita de músicas Napster deverá encerrar suas atividades na internet. A decisão vale até que chegue ao fim o processo movido pela Associação das Indústrias Americanas de Gravação contra a empresa californiana fundada há um ano. O grupo representa os interesses de gravadoras como Sony, BMG e Time Warner, que desde dezembro passado acusam o site, e seus 20 milhões de clientes, de infringir as leis de direito autoral ao copiar músicas em formato MP3 para ouvir no computador – e em seguida gravar seus próprios CDs. A decisão, uma vitória acachapante dos estúdios de gravação, é na verdade a primeira batalha de uma guerra que está apenas no começo. O cenário da nova disputa está armado e o alvo será o cinema. Agora sobem ao ringue os estúdios de Hollywood, que tentam brecar a franca distribuição de filmes on line.

Ainda que o Napster feche suas portas de vez, não há como interromper o trânsito livre de informações e imagens digitais. Há na internet mais de uma dezena de endereços onde se encontram músicas e filmes inteiros prontos para ser baixados de graça para qualquer PC. Esse movimento é, ao mesmo tempo, um pesadelo para as grandes gravadoras e distribuidores, e a tábua de salvação para os internautas. Os defensores das indústrias fonográfica e cinematográfica argumentam que liberar melodias ou cenas de filme pela rede é como copiar a chave da casa do vizinho e distribuir entre os amigos. A Napster defende-se revelando estudos como o que encomendou à Universidade da Pensilvânia. Diz a pesquisa que “mais de 91% dos usuários de Napster compram a mesma quantidade de discos do que antes de usar Napster, e 28% compram mais”.

Polêmicas à parte, o sucesso do Napster fez escola e o mundo do cinema já ganhou o seu MP3. Ele se chama Dvix;-), assim mesmo com uma carinha sorridente, e é um formato de codificação de vídeo que comprime as imagens digitais de tal forma que elas ocupam 10% do espaço que ocupavam há meros seis meses. Significa que um filme de mais de duas horas cabe num único CD-ROM. Melhor ainda: pode ser exibido, em tempo real, na tela de um computador com acesso à internet. A qualidade da imagem é de fazer cair o queixo. O formato é uma combinação do sistema de compressão de vídeo Mpeg4, criado pela Microsoft, e os arquivos tradicionais de áudio. Descoberto por um grupo de hackers franco-alemães, o sistema de codificação antes exclusivo da empresa de Bill Gates foi reescrito e tornado público, de graça. Surgiu assim o sistema Dvix ;-), que pode ser usado por qualquer um que deseje oferecer uma seleção de vídeos em seu site. “É como dar um pirulito a uma criança e dar também a chave da loja de guloseimas”, compara o cineasta carioca Renato Bulcão.

Produtor de filmes como Um céu de estrelas, de Tata Amaral, e O velho, de Toni Venturi, o cineasta foi fisgado pela nova tecnologia. Em menos de um mês, debruçou-se sobre literatura técnica, vasculhou sites sobre o Dvix ;-), convenceu os sócios de sua produtora e descobriu uma brecha para oferecer diretamente aos internautas os filmes que realiza. Tudo isso sem correr o risco de ser processado por cópia ilegal, já que sua produtora é dona dos direitos de exibição. Bulcão marcou para sexta-feira 28 a grande estréia de seu site www.tvfilm.com.br. Ali estão os traillers de três filmes e um curta-metragem inteiro, Amassa que elas gostam, uma animação feita com massinhas de moldar dirigida por Fernando Coster, com 15 minutos de duração. Na sala de exibição virtual, o cineasta colocou em cartaz traillers de Os matadores, longa-metragem dirigido por Beto Brant, e dois desenhos animados, A turma do gol e Glorinha Leme, ambos produzidos e dirigidos por Paulo Mariotti e Bulcão.

“O movimento de livre circulação das cópias representa a redenção do cinema brasileiro, independente das distribuidoras e das salas de exibição”, diz o cineasta de 43 anos, que estudou filosofia e exerce o cargo de diretor de marketing da TV Cultura. Seu objetivo é oferecer conteúdo digital para os usuários de banda larga. As estréias brasileiras em formato Dvix ;-), portanto, são só um tiragosto. A partir de setembro, Bulcão pretende colocar no ar algo além do trailler dos filmes. Bastará copiar os arquivos de vídeo da internet e assisti-los na tela do computador. A transferência de arquivos de imagem não é tão rápida quanto a das músicas em MP3. Hoje ainda é preciso paciência para fazer o download de vídeos, ainda que estejam no formato compacto Dvix ;-). Os planos do cineasta Renato Bulcão obedecem a um planejamento estratégico. Seu objetivo é vender cópias dos filmes de sua produtora diretamente para o internauta. “Cada filme custará o mesmo que o aluguel de um vídeo na locadora, entre R$ 5 e R$ 8”, calcula o cineasta.

 

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A tecnologia do vídeo digital desembarca aos poucos no Brasil, mas já abala o alicerce de Hollywood. Em janeiro deste ano, estúdios como Buena Vista Pictures, da Disney, Metro-Goldwyn-Mayer e Warner Bros, do grupo Time Warner, entraram na Justiça americana contra alguns dos sites que distribuem livremente seus títulos pela rede. Representados pela Associação Americana de Filmes, os gigantes hollywoodianos brigam para interromper a carreira de sucesso do Dvix ;-). O formato de compressão de vídeo surgiu depois que um jovem norueguês conseguiu quebrar o código de proteção dos DVDs (leia quadro), que obedecem ao rígido cronograma de lançamentos mundiais da indústria do cinema. Assim, um DVD feito para o mercado americano não funciona no Brasil nem na Ásia. A idéia dos jovens hackers era permitir que os usuários do sistema operacional Linux tocassem seus DVDs livremente, independente do país. Foi aí que surgiu o DeCSS, programa que comprime o conteúdo do DVD e remove o sistema de embaralhamento de dados para enfim salvar as imagens no disco rígido do PC, como se fosse um simples documento.
Ainda que o advogado da Napster consiga reverter a decisão da juíza americana, há coisas no mundo da tecnologia que não voltam mais. O poder de fogo do consumidor, por exemplo, aumentou consideravelmente com a oferta direta de produtos digitais. Em vez de seguir as estratégias de marketing milionárias, agora é preciso convencer o internauta a consumir um produto, num esforço quase individual. Por coincidência, a prova de fogo aconteceu na semana passada. Disposto a lançar seu próprio livro eletrônico sem a intermediação de editoras, o escritor americano Stephen King viu seu novo projeto naufragar. O rei das histórias de terror lançou em seu site A planta, livro que trata da perversidade de um editor. Ao contrário de seu opúsculo anterior, Pegando carona na bala, que atraiu a atenção de 400 mil pessoas, o novo livro de King foi um fracasso. Foram apenas 41 mil acessos no primeiro dia, 10% do público do primeiro livro. Para cada novo capítulo, o internauta precisava pagar US$ 1. A empreitada foi um horror, literalmente. Sem intermediários ou a força dos grandes impérios da mídia, falou mais alto a voz do internauta, um consumidor cada dia mais difícil de ser enganado.

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Roteiro ardiloso

 

Um adolescente norueguês fanático por computador, um jornalista americano e a internet. Aparentemente, esses personagens não serviriam nem mesmo para estrelar um curta-metragem, mas estão atraindo a atenção da bilionária indústria cinematográfica de Hollywood.

No ano passado, o estudante Jon Johansen, hoje com 16 anos, juntou-se a dois amigos para escrever um programa de computador, o DeCSS, que quebra a criptografia dos DVDs – os filmes gravados em discos ópticos, com alta qualidade de imagem e som, que só podem ser reproduzidos nos aparelhos para leitura de discos digitais de vídeo. Traduzindo: Jon conseguiu achar a chave que permite abrir o CSS (Content Scramble System, ou sistema de embaralhamento de conteúdo), código embutido em cada disquinho de filme e que impede a reprodução. Com isso, qualquer um pode executar ou copiar os filmes do DVD num computador.

Para piorar a situação, o jornalista americano Eric Corley publicou o polêmico programa na revista eletrônica 2600.com, a bíblia dos hackers, difundindo o uso do DeCSS. Resultado: no começo do ano, oito grandes estúdios de cinema entraram com uma ação contra Corley. Ele retirou o programa de sua página, mas mantém links para mais de dois mil sites onde qualquer um pode achar o DeCSS. O julgamento chegou ao fim na semana passada. O veredicto do juiz Lewis Kaplan deve sair no final de agosto. Tudo indica que, para desespero de Hollywood, será mantido o direito de disponibilizar na internet a receita de como piratear um DVD.

Henrique Fruet


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