Eles são obsessivos, adoram quebra-cabeças e enigmas. Um prêmio de US$ 1 milhão lançado pelo Instituto Clay de Matemática, com sede nos Estados Unidos, fez a obsessão dos matemáticos triplicar. Leva o dinheiro quem conseguir resolver um dos sete desafios apresentados pelo instituto. Mas engana-se quem imagina uma bateria de exercícios com gabarito disponível ao final da prova. Os sete probleminhas até agora não tiveram solução. Há séculos, vêm infernizando a vida dos mais ilustres profissionais da área, capazes de fundir o cérebro por horas a fio, afogados em fórmulas e equações.

Os brasileiros participam da corrida. O chefe do departamento de Matemática Pura do Instituto de Matemática e Estatística da USP, professor Rui Almeida, quer oferecer uma explicação para a Conjectura de Poincaré (leia quadro ao lado). Ele tenta decifrar o enigma há dez anos. Em 1997, Almeida chegou a publicar artigo em uma revista especializada acreditando ter solucionado o mistério. Existia um único erro em sua análise e ele foi obrigado a retomar os estudos. “Foi ingenuidade minha. Achava que alguns desenhos simples resolveriam o problema”, admite. Às vezes, o professor acorda assustado no meio da noite, certo de haver finalmente alcançado uma solução. Têm sido sempre alarmes falsos. “Meu interesse pela conjectura é tão grande que a curiosidade se transformou em atração fatal”, diz. Quando perguntado sobre a relevância prática de seus estudos, Almeida confabula por longos minutos antes de responder contrariado. “O matemático é um pouco alienado da vida prática. Ele costuma ficar imerso em um universo paralelo. Conceitos da matemática pura às vezes demoram décadas para alcançar uma aplicação”, diz.

Os professores Newton da Costa, da Faculdade de Filosofia da USP, e Francisco Antônio Dória, da Escola de Comunicação da UFRJ, estão há mais de seis anos debruçados sobre outro problema, conhecido pela estranha expressão “P=NP?”. Costa tornou-se conhecido internacionalmente após criar, em 1963, o palavrão “lógica paraconsistente”, uma lógica que admite premissas contraditórias entre si. Agora, Costa entrega-se à nova batalha e espera uma enxurrada de concorrentes. “Com o prêmio, devem aparecer diversos aventureiros em busca do dinheiro. Gente que nunca pensou no problema passará a se dedicar a ele”, diz. Longe do estereótipo do matemático, Costa não trabalha com cálculos e equações monstruosas em sua pesquisa. “Encontrar uma resposta depende apenas de raciocínio. Eu costumo andar de um lado para o outro, pensando, fazendo alguns rabiscos. De repente, uma luz me ocorre”, conta. O parceiro Antônio Dória está confiante na vitória, mas não descarta a possibilidade de ser ultrapassado por um novato. “Tempo de estudo não significa nada. Pode aparecer um jovem genial e resolver o problema na hora”, garante.

Acaso – É que na matemática as soluções podem surgir por puro acaso. A maioria das descobertas científicas costuma despontar na esteira de uma pesquisa iniciada com outro objetivo. “Não basta atravessar noites em claro trabalhando. Geralmente, o matemático desenvolve uma tese sobre determinado assunto e, no meio das suas explanações, esbarra na resposta para uma outra questão”, diz Luiz Barco, matemático e professor de Lógica da Escola de Comunicações e Artes da USP. O físico e engenheiro Aguinaldo Prandini Ricieri, professor do curso pré-vestibular do colégio Anglo, em São Paulo, e do Instituto de Tecnologia e Aeronáutica, em São José dos Campos, no interior paulista, parece discordar de Barco. Para incentivar os concorrentes, Ricieri decidiu colocar no site www.prandiano.com.br uma explicação didática das sete questões, com a qual promete auxiliar os interessados em resolvê-los. Quanto ao prêmio oferecido pelo instituto americano, Ricieri ousa qualificá-lo de irrisório. “O valor de mercado de alguns enigmas como as equações de Navier-Stokes é altíssimo; US$ 1 milhão não é nada perto do que as indústrias poupariam ao prescindir de simulações e testes de desempenho de automóveis”, acredita.

Assim que o Instituto Clay tornou pública a oferta dos milhões e disponibilizou as regras do concurso no site www.claymath.org, outros desafios semelhantes foram lançados. Um deles é decifrar a Conjectura de Goldbach, inexplicável desde a sua formulação, em 1742. Ela diz que todo número natural par maior do que 2 é a soma de dois primos (números divisíveis apenas por 1 e por eles mesmos). Quem for capaz de provar nos próximos dois anos que isso não é apenas uma enorme coincidência será agraciado também com US$ 1 milhão pelas editoras Faber and Faber (Inglaterra) e Bloomsbury (Estados Unidos).

Para quem não sabe, até da ficção surgem desafios matemáticos. Uma carta criptografada, supostamente escrita pelo ficcionista inglês Edgar Allan Poe, espera uma tradução há 150 anos. É que cada símbolo corresponde a uma letra e são necessárias inúmeras tentativas para descobrir as correspondências. Há um prêmio de US$ 2.500 nos Estados Unidos para quem decifrar os garranchos de Poe.
A Unesco promove em 2000 o ano internacional da matemática e estão sendo organizados seminários e congressos pelo mundo. Não é de estranhar que tantos prêmios tenham aparecido. Os brasileiros, por enquanto, estão tão preocupados com os enigmas que não pararam para pensar no dinheiro. “Sei lá o que fazer. É provável que eu deposite num banco e continue dando aula normalmente”, arrisca Dória.