A Amazônia brasileira corre o risco de sofrer a mesma sorte da Amazônia colombiana se houver uma espécie de reconhecimento internacional – como já foi feito pelo governo de Bogotá – ao enclave dominado pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) nas selvas do país vizinho. Os guerrilheiros colombianos estão se utilizando de vias fluviais comuns ao Brasil e à Colômbia para ampliação de seus domínios. Eles cruzam a fronteira, escapando da escassa vigilância militar existente sobre uma linha de 1.800 quilômetros, para dar cobertura e proteção às operações do narcotráfico, a quem estão já intimamente associados. Aviões decolam constantemente do Brasil para a Colômbia, levando armas e produtos químicos (acetona e ácidos) utilizados na elaboração e refino de cocaína. Na viagem de volta, trazem a droga em estado puro, que é reexportada para mercados americano e europeu e distribuída no Brasil, num translado que envolve escalas em Suriname (ex-Guiana) e Cuba.

A denúncia é feita pelo general Harold Bedoya, ex-ministro da Defesa da Colômbia, que esteve na semana passada no Brasil, onde se reuniu com militares brasileiros. Bedoya, 61 anos, foi ministro até 1997. Está empenhado numa cruzada de vida e morte, como ele próprio a define, para impedir que o atual governo colombiano, presidido por Andrés Pastrana, ceda definitivamente à narcoguerrilha, que é como ele chama as Farc.

Em entrevista a ISTOÉ, o general afirma que “isso não só seria um verdadeiro suicídio nacional, mas que concorreria sobretudo para promover a desestabilização de toda a região amazônica, comum aos países vizinhos”. Ele já foi vítima de dois graves atentados à bomba, admitindo que está vivendo “horas extras”. Bedoya revela que a Amazônia colombiana, a partir da área controlada pelas Farc (cerca de 12 mil quilômetros quadrados), na região de San Vicente del Caguán, a pouco mais de 30 minutos de vôo da fronteira com o Brasil, transformou-se numa espécie de santuário para mercenários vindos do Uruguai, Paraguai, Brasil, Irã e Vietnã, alistados na narcoguerrilha, que substituiu, segundo ele, a ideologia marxista-leninista pela do poder e do dinheiro. “Eles já dispõem de milhões de dólares para utilizá-los na arte do que se têm revelado verdadeiros mestres: corromper políticos, fabricá-los e desestabilizar instituições”, diz Bedoya, preocupado com o fato de representantes das Farc já estarem desenvolvendo uma ofensiva diplomática no Brasil. O general revela que as Farc, além de ter entrado em contato com alguns políticos brasileiros, em busca de possível reconhecimento por parte do governo, estão desenvolvendo um processo de aproximação com movimentos brasileiros de orientação esquerdista, como o MST (Movimento dos Sem-Terra).

Bedoya disse que a narcoguerrilha pode usar os milhões de dólares que tem “para recrutar, treinar e armar essa gente, à qual, segundo sei, já está causando problemas às autoridades brasileiras”. O general Harold Bedoya é fundador do Movimento Força Colombiana, pelo qual concorreu às últimas eleições presidenciais. Sua plataforma não admite negociações com as Farc. Ele bate duramente no presidente Pastrana, por ter concordado em desmilitarizar a região ocupada pela guerrilha. “O que a Colômbia necessita é de uma guerra, uma guerra total, com envolvimento regional e internacional, se preciso for, para que possamos debelar e vencer a praga do narcotráfico.”

Segundo Bedoya, o narcotráfico e a guerrilha fundiram-se numa poderosa organização criminosa com ramificações e envolvimentos multinacionais. “É a máfia russa, por exemplo, que está armando a guerrilha e fazendo a maior parte da distribuição mundial da cocaína, com o apoio de países como Cuba, que servem de plataforma para a reexportação da droga”, dispara o general, que acusa, por outro lado, os Estados Unidos de manterem uma política dúbia em face da grave crise colombiana. Ele carrega uma foto – e faz questão de exibi-la em todas as reuniões internacionais que agenda – que mostra o encontro em plena selva entre o presidente da Bolsa de Valores de Nova York, Richard Grasso, e o controlador financeiro das Farc, Raul Reyes. Os dois estiveram em 26 de junho passado em Caguán-Caquetá, região dominada pela guerrilha.

“Não tenho a mínima dúvida de que o assunto ali tratado teve caráter eminentemente financeiro. A narcoguerrilha está lavando seus milhões de dólares em Wall Street e esse senhor (Grasso) veio à Colômbia para tratar de negócios. Ele entrou e saiu de meu país sem se avistar com uma autoridade sequer, a não ser o embaixador americano. O que veio fazer então? Não se trata de um diplomata e não foi nomeado pelo governo colombiano como possível mediador nas negociações com a narco-guerrilha. Sua visita misteriosa, a meu ver, tem relação com a absurda determinação recente do Fundo Monetário Internacional (FMI) de que a Colômbia deve incluir, para efeito de cálculo do seu Produto Interno Bruto, as receitas do narcotráfico. Em outras palavras, é o próprio FMI que quer que o país legitime o dinheiro sujo da droga”, metralha o general. O governo brasileiro não leva muito a sério as precauções do general Bedoya de que as Farc pretendem expandir a guerrilha e o narcotráfico ao Brasil e a toda a Amazônia. Suas teorias sobre o cartel de drogas são vistas com restrições. Segundo o Exército e o Itamaraty, não há registro de incidentes de fronteira ou entrada de guerrilheiros. “Quem invadiu o Brasil há quase um ano foi o Exército colombiano na tentativa de rechaçar um ataque dos guerrilheiros à cidade de Mitu, próxima à fronteira”, disse o diretor-geral do Departamento das Américas do Itamaraty, ministro Antonino Lisboa Gonçalvez. Para o Itamaraty, a tendência é de que, a médio prazo, as Farc e a ELN, outro grupo guerrilheiro, se transformem em instituições políticas.