São, ao todo, 304 cartas de amor, escritas por Simone de Beauvoir a seu amor americano neste Cartas a Nelson Algren (Nova Fronteira, 552 págs., R$ 59). Sempre em inglês, pois Algren não falava francês. O projeto inicial da organizadora do livro, Sylvie Le Bon de Beauvoir, era juntar também as cartas do escritor de Chicago a Simone, compondo assim o mapa completo, ida e vinda, de um amor transatlântico. Mas os agentes do autor americano, mesmo depois de uma exaustiva negociação, não as liberaram. O tema principal da literatura de Algren, falecido em 1981, é o proletariado da periferia de Detroit, onde ele nasceu. Ele sempre foi um escritor engajado, aspecto provavelmente em que mais se aproxima de Simone. Autor realista e de verve revoltada, Algren vinha, contudo, de um mundo completamente estranho ao de Simone, distância, não só oceânica, que parece ter gerado uma incontrolável atração entre os dois. Simone, um ano mais velha que ele, de família católica e desde cedo envolvida com a filosofia, apesar do engajamento político, esteve bem distante do mundo operário.

Quando conhece Algren, em 1947, começa a rascunhar seu célebre O segundo sexo, um dos livros fundamentais do movimento existencialista. Já está ligada, inexoravelmente, a Jean-Paul Sartre. Universos distantes, um amor ainda mais fervente. A ligação de Simone com Sartre parecia erguida sobre bases claras, incontestáveis. Com Algren, ao contrário, teve um aspecto incompreensível, mas foi dessa sensação de zerar sua relação com o mundo, de deixar tudo para trás, que o amor tirou sua força. Simone, a grande escritora, está presente até nas expressões inventivas com que acarinha seu amado. “Meu monstro querido”; “Minha caríssima abóbora violeta”, ela varia, como se fragmentasse a imagem de Nelson Algren. Até que, sem razões conhecidas, Algren se desinteressa por ela e se afasta. Ficaram as cartas de Simone de Beauvoir, diante do silêncio imposto a Algren, a celebrar um grande amor.