Em plena fama, Alexandre Pires, vocalista do grupo de pagode Só Pra Contrariar, diz que irá se engajar na causa da sua raça

Quando o assunto é sério, ele abaixa a cabeça e, vagueando os olhos amendoados pelo chão, procura uma resposta que talvez possa encobrir sua timidez só detectada entre quatro paredes, já que no palco mostra-se solto como a música que faz. Mas assim que a conversa vibra em campos mais amenos, o mineiro Alexandre Pires, vocalista do grupo pagode-glitter Só Pra Contrariar, abre no rosto liso de 23 anos um enorme sorriso branco, provando que seu apelo comercial não se restringe às canções que todo mundo canta. Todo mundo, incluindo o tanque de guerra Mike Tyson – que já se confessou seu fã – e a cantora pop cubana Gloria Estefan, com quem gravou, semana passada, um dueto em espanhol para o disco que o SPC pretende lançar no mercado latino. O álbum vem na sequência do CD de 1997, que mistura sucessos em português com outros vertidos para o espanhol. Vendeu 500 mil cópias na Espanha, em Portugal e na América Latina.

No Brasil, contudo, os dígitos do SPC são muitos maiores. O disco de 1997 que leva o nome da banda arrastou 3,1 milhões de compradores. Um recorde superado só pela aeróbica carismática do padre Marcelo Rossi, que alcançou os 3,4 milhões com Músicas para louvar ao Senhor. O Só Pra Contrariar chega agora às lojas com seu sexto trabalho cravando a marca de um milhão de discos vendidos antecipadamente. Não é à toa que Alexandre Pires, num rompante de sinceridade, diz que negro quando fica famoso incomoda. "Recebi um espaço muito grande e tenho orgulho de estar representando uma raça que é maravilhosa", afirmou ele em entrevista a ISTOÉ, no superescritório que o grupo mantém no terceiro andar de um elegante prédio comercial na zona sul de São Paulo, não coincidentemente onde a namorada, Carla Perez, também tem o seu.

ISTOÉ – Neste novo disco o grupo aumentou sensivelmente o número de músicos participantes, diminuiu os teclados, acrescentou cordas e até o violoncelo de Jaques Morelenbaum. Todo este aparato é só para contrariar os outros colegas de pagode?
Alexandre Pires

Não. Acho que é um processo de evolução. Uma vontade própria de crescer e de mostrar novidade, né? Vários artistas e grupos que se acomodaram sumiram do mapa, do cenário da música. A nossa foi fazer um disco diferente, popular, mas de bom gosto.
 

ISTOÉ – Como você diferenciaria o SPC dos outros grupos do gênero?
Alexandre Pires

 Nós tocávamos samba e outros gêneros em bailes. Agora misturamos samba com música latina, bolero, o soul que eu gosto muito. Junto à forma de colocar a voz, de interpretar, de gravar as bases, fazemos a diferença com os outros grupos.
 

ISTOÉ – Esta é a primeira vez que só aparece você na capa do disco. Você se acha a cara do Só Pra Contrariar?
Alexandre Pires

 A gravadora pode achar, as pessoas podem achar, mas eu não. Só que é um processo natural. Numa banda, geralmente quem se destaca é o vocalista, e os meninos encaram isso de um jeito natural. Nunca rolou ciúme e nunca pensei em fazer carreira solo.

ISTOÉ – Consta que você foi convidado para ser o Orfeu no filme do Cacá Diegues. Por que não aceitou?
Alexandre Pires

 Além de não estar preparado, não tinha tempo suficiente para estudar o papel. Mas já pensei em diversificar a carreira. Gosto muito de dançar. Faço dança de salão com Carlinhos de Jesus. Atuar também está nos meus planos. Artista tem que ser versátil.

ISTOÉ – Com todo o sucesso do SPC, dentro e fora do País, você se preocupa com a onda de sequestros?
Alexandre Pires

 Eu, particularmente, não me preocupo. Minha preocupação é com a família. Todos agora andam com seguranças. Eu nunca tive segurança, só uso nos shows, mais para conter algum tumulto.
 

ISTOÉ – Em algum momento te passou pela cabeça que você poderia estar numa lista de sequestráveis?
Alexandre Pires

 Não, nunca.
 

ISTOÉ – O perigo de sequestro, de certa forma, não estaria ligado à ostentação dos artistas e jogadores de futebol?
Alexandre Pires

Contribui, mas também é um pouco da imprensa, que aumenta. Eles querem um príncipe que não existe. Eu já cheguei a ganhar R$ 400 mil por mês, apesar de nem pensar nisso, nessa coisa de grana. Sou tão profissional, amo tanto a música, que nem me lembro disso. Nos meus dias de folga, eu quero é um violão.

ISTOÉ – O Brasil é um país basicamente de negros, mesmo assim o preconceito existe de forma velada e muitas vezes escancarada. Você já foi vítima do preconceito antes e depois da fama?
Alexandre Pires

 Eu fui com um amigo num restaurante, que não vou citar o nome, um restaurante chique em São Paulo. Esse amigo tem um carro bacana, e, como eu gosto de dirigir e não tenho tempo, fui dirigindo o carro dele até lá. Paramos, descemos, sentamos à mesa e a primeira coisa que o maître, ou sei lá o que, veio perguntar é se eu era cantor de pagode ou jogador de futebol. Quer dizer que o negro empresário, por exemplo, não tem vez no negócio? É só o preto jogador de futebol e o preto cantor de pagode que é bem-sucedido? Hoje sou um negro privilegiado. Se entrar nos lugares, as pessoas vão me respeitar. Mas vão me respeitar de verdade ou por que eu sou o Alexandre do Só Pra Contrariar, por que eu tenho dinheiro, por que eu faço sucesso? E os meus companheiros, meus irmãos que estão lá fora? Não sou muito de comentar sobre isso, até porque acho que o próprio negro tem uma parcela de culpa, o negro acaba sendo meio preconceituoso também.
 

ISTOÉ – Quando você começou a namorar a Carla Perez houve um preconceito às avessas, ou seja, dos negros que se posicionaram contra você namorar uma branca?
Alexandre Pires

 Não. Até porque ela é uma pessoa muito querida. Não é geral, mas têm negros que não gostam de ir numa festa ou num lugar em que a maioria dos frequentadores é branca.
 

ISTOÉ – Você já pensou em se engajar de uma forma mais contundente na causa negra?
Alexandre Pires

 Pretendo, cara. O Norton Nascimento chegou outro dia e me falou: "Poxa, bicho, eu estou feliz pra caramba pelo sucesso de vocês." O Milton Gonçalves falou que a gente precisaria bater um papo sobre a nossa raça, a nossa negritude. Eu fiquei pensando que não tenho um conhecimento a fundo nesse sentido.
 

ISTOÉ – E você quer ter?
Alexandre Pires

 Com certeza. Os negros têm um respeito muito grande por mim. Eu recebi um espaço muito grande no Brasil e, como negro, tenho orgulho disso. Tenho orgulho de estar representando uma raça que é maravilhosa.

ISTOÉ – O que é preciso fazer para mudar a situação do negro inferiorizado?
Alexandre Pires

 Ele precisa ir à escola, precisa estudar. Precisa tirar esse negócio da cabeça de que, "pô, nós somos inferiores" e correr atrás, entendeu? Eu não tive um grau de escolaridade forte, mas busquei o meu lance através da música que é um dom que Deus me deu. Se o negro quiser alguma coisa na vida, ele tem que ir lá e buscar.
 

ISTOÉ – Tanto o artista negro quanto o branco sofrem assédio. Como você encara esta questão?
Alexandre Pires

Muito artista fala que o sucesso é bom, mas, se perde a privacidade, quando sai na rua tem que dar autógrafo etc. Eu acho isso maravilhoso. Se as pessoas te pedem autógrafo é um reconhecimento pelo trabalho. É uma demonstração de carinho. Não tenho problema com assédio. Vou ficar muito triste no dia em que sair na rua e ninguém me der bola.
 

ISTOÉ – O assédio feminino é sabido. Já sofreu assédio masculino?
Alexandre Pires

 Já.
 

ISTOÉ – Como é que reagiu?
Alexandre Pires

Ah, eu sou espada, né, companheiro? Eu gosto do outro negócio. Mas nunca parti para a grosseria. Tenho um respeito por todos os sexos. Eu adoro gay, adoro, cara. Eu não sou gay, mas tenho um respeito muito grande por eles. Eles são, assim, muito verdadeiros, entendeu? Gosto muito de conversar, de ter amizade.
 

ISTOÉ – Você já foi convidado para posar nu?
Alexandre Pires

 Já. Para a G Magazine. Descartei a oferta por não me sentir bem. Mas é assim, eu… se você me perguntar: "Você um dia sairia?" Eu te falo, eu sairia, cara. Não vou falar para você que não. Geralmente, as pessoas que saem nisso, acho que o fator principal é o financeiro, entendeu? Não vou mostrar o meu p… lá de graça.
 

ISTOÉ – Pelo visto a oferta não foi necessariamente grande.
Alexandre Pires

É.
 

ISTOÉ – Quanto que te ofereceram?
Alexandre Pires

 Não posso te falar isso não, cara.
 

ISTOÉ – Você normalmente é convidado para festas que não são do meio artístico, festas da sociedade?
Alexandre Pires

 Bastante. Mas me sinto bem se estiver num ambiente em que conheça as pessoas, que tenha uma certa amizade.
 

ISTOÉ – Em Mônaco você recebeu o World Music Award numa festa promovida pelo príncipe Albert. Como é estar diante de uma pessoa da realeza?
Alexandre Pires

 Eu me senti um príncipe negro. Foi maravilhoso, cara. Passou tanta coisa pela cabeça ali naquele dia. Foi uma felicidade só, a gente lá na festa… artistas e mais artistas.

ISTOÉ – Nas festas do mundo artístico, todo mundo sabe, rola droga. Você já experimentou?
Alexandre Pires

Nunca.
 

ISTOÉ – Nem teve curiosidade?
Alexandre Pires

Se você me perguntar como é um negocinho daquele, eu não sei te falar. Sei que a maconha é verde. A cocaína é um pó igual ao sal. O crack é uma pedra, mas como é que o cara vai fumar a pedra?
 

ISTOÉ – Jura que você nunca viu nenhuma droga na tua frente?
Alexandre Pires

 Vi sim. Uma vez fui fazer um show numa comunidade no Rio de Janeiro. Fui muito bem tratado. Eu gosto muito desse povo. Cheguei lá, e aí veio um cara, acho que era meio chefe. "Alexandre, tá tudo certo, aqui ó. Está tudo aí", falou tirando um saquinho. "É da rapaziada." Eu falei. Sou xarope.
 

ISTOÉ – Como você se trata?
Alexandre Pires

 Bom, muita gente fala que eu malho, que fiquei forte. Eu encaro isso de uma maneira diferente, pelo lado saúde. Tanto é que já estou praticamente há três meses sem frequentar a academia porque a gente estava gravando.
 

ISTOÉ – Mas você sentiu uma diferença fundamental no teu corpo?
Alexandre Pires

 Muito grande, cara. No corpo, na disposição, na força de vontade. Antes eu pesava 62 quilos, hoje peso 72.
 

ISTOÉ – Seu namoro com a Carla Perez sempre é notícia, mas, enquanto ela fala intimidades, você sempre sai pela tangente. É medo da reação das fãs?
Alexandre Pires

 Sempre fui um cara muito discreto. Já conhecia a Carla há um bom tempo e ninguém sabia. Conheço a Carla já tem três anos. E namoro ela há um ano e cinco meses (risos). Sou muito tímido, não gosto de ficar expondo as minhas intimidades para ninguém. Ela é uma pessoa mais dada, gosta de falar. É o estilo dela.
 

ISTOÉ – Mas é namoro ou casamento?
Alexandre Pires

Por enquanto é namoro. É um namoro engraçado, a gente está numa boa e de repente vem uma notícia e pimba: "Tiazinha jantou com Alexandre Pires". "Alexandre Pires largou Carla Perez". O problema são as coisas que inventam. Eu não preciso provar para mais ninguém que gosto dela. Só para ela.
 

ISTOÉ – Você acredita em fidelidade?
Alexandre Pires

Sempre fui fiel. Ciúme todo mundo tem, mas o meu é mais tranquilo. A Carla é muito mais ciumenta.
 

ISTOÉ – Você acha que o sucesso no Brasil incomoda?
Alexandre Pires

 Incomoda, mas incomoda muito mais você sendo um negro. Isso incomoda muito, muito.
 

ISTOÉ – Com a fama vêm os inconvenientes da pessoa pública. Você mesmo, recentemente, acabou falando de uma filha que teve aos 16 anos.
Alexandre Pires

Hoje ela está com seis.

ISTOÉ – Você sente algum problema em relação a essa criança?
Alexandre Pires

 Nenhum. Meu relacionamento com ela é superbacana. O único problema é o vínculo afetivo, que é difícil, delicado. A mãe sempre foi casada com o pai. O pai é o Zé, não sou eu. Então é difícil. Ela me vê como um boneco. De vez em quando ela vai em casa. Eu não estou lá no dia-a-dia. Tornou-se minha filha a partir do momento em que recebi o comunicado da advogada. Quis fazer o teste de DNA. Correu tudo normalmente. Ela estava com cinco anos quando fiz o exame.

ISTOÉ – Quer dizer que até o ano passado você não sabia que tinha uma filha?
Alexandre Pires

 Não sabia. Eu gosto muito de criança. Vou casar. Todo mundo tem um sonho de casar. Só que não é agora, isso é uma coisa para o futuro. Quero ter minha família, filhos. Mas quero acompanhar o processo, ver a barriga da mãe crescer, o filho nascer, crescer.

ISTOÉ – O que ainda te falta?
Alexandre Pires

Ah, ainda me falta muito. Tenho muito medo de morrer amanhã e deixar para trás a missão ainda não cumprida aqui. A minha intenção, e acho que a de meus companheiros, é de sermos na história da música brasileira os maiores artistas que o Brasil já teve fora do País. A gente sabe que tem capacidade. Hoje o Só Pra Contrariar é um grande nome. Quero mais é trabalhar com saúde, preservar as raízes e seguir respeitando as pessoas que gostam da gente.