A vida burguesa que o fotógrafo e etnólogo francês Pierre Verger levava na Paris dos anos 30 entre intelectuais locais o entediava tanto que, na juventude, ele só tinha uma certeza. Se aos 40 ainda estivesse vivo, se mataria. Acreditava que envelhecer era tão aviltante quanto inútil. Felizmente a convicção macabra não se concretizou. Morreu aos 93 anos, dormindo, em fevereiro de 1996. Deixou cerca de 65 mil negativos e mais de 30 livros publicados – uma produção científica impressionante para quem só veio a escrever o primeiro texto aos 51 anos. Cerca de 150 destas fotos estão agora expostas ao público brasileiro pela primeira vez, na Casa França-Brasil, no Rio de Janeiro. Em maio seguem para o Museu de Arte de São Paulo.

Produzidas entre África, Ásia, América Latina e do Norte, ao longo de quase cinco décadas, as fotografias estão representadas em duas mostras paralelas: Pierre Verger – o mensageiro, com 108 trabalhos tirados do livro homônimo editado na França para a Revue Noire, e Pierre Verger – fotos inéditas, com 39 registros vindos da Fundação Pierre Verger, em Salvador, cidade baiana onde ele se radicou e viveu até sua morte. As fotografias selecionadas não deixam claro apenas o fascínio de Verger pela cultura e pelo povo negro, seus objetos de estudo ao longo de toda a vida. Mostram que o que ele fazia era arte. A sensualidade de seus modelos, homens na maioria, revelam o aguçado senso artístico de um autodidata pesquisador. Solange Bernabó, secretária-geral da Fundação Pierre Verger, diz que a obra do fotógrafo ficou muito associada à etnografia. "Esta exposição mostra um Verger artista, como ele é pouco conhecido."

O prédio da fundação está instalado na mesma casinha simples na favela do Alto do Corrupio, em Salvador, onde Verger viveu e trabalhou durante 36 anos. Achava estupidez precisar mais do que comida, roupa, uma cama e liberdade para fazer o que quisesse. Fascinado pela imagem fixada pela câmera que, segundo ele, permite ressuscitar a memória, nunca teve um aparelho de televisão. "A televisão emburrece as pessoas", dizia. Verger se lançou tarde ao trabalho, somente aos 30 anos, pouco depois da morte da mãe. "Foi quando comecei a procurar um caminho meu, longe do escolhido por minha família, adotando um estilo de vida bem diferente daquele previsto pelas normas familiares." Munido de uma Rolleiflex usada, conseguida em troca de uma câmera antiga da família, partiu no verão de 1932 para uma viagem pela Córsega, na qual percorreu 1.500 quilômetros a pé. Sua próxima parada, no Taiti, não durou muito. Ao desembarcar em Bora Bora, deparou-se com um calendário da gráfica de seu pai, cuja familiaridade funcionou como um balde de água fria na sua busca por aventura.

Em 1934, já com uma Rolleiflex nova, Verger começou a trabalhar como fotógrafo do jornal Paris-Soir, quando conheceu Estados Unidos, Japão, China e alguns países da África. De volta a Paris, nas noites quentes e exóticas dos bailes negros da rua Blomet, frequentados por alguns artistas, mas principalmente imigrantes das colônias francesas nas Antilhas, surgiu o interesse do fotógrafo pela cultura negra que viria a retratar com tanta paixão. Entre as andanças pelo mundo em busca de belas imagens, Verger leu o romance Jubiabá, de Jorge Amado, e foi estimulado por seu colega etnólogo Alfred Métraux a ir à Bahia conhecer a África brasileira. Desembarcou em Salvador, em agosto de 1946, onde viria a viver por mais de 40 anos. Datam desta época as primeiras fotos do Carnaval de rua de Salvador e do Recife, da capoeira, do candomblé e belos flagrantes da festa do povo nas ruas. O primeiro contato foi apenas fotográfico, a maneira que Verger achava mais eficaz de registrar o que via. "Quem quer descobrir algo e começa a fazer perguntas faz as pessoas se fecharem", dizia.

Em Salvador, a milhares de quilômetros da África, através dos ritos do candomblé, passou a entender o continente negro, começando a traçar paralelos. Nas idas e vindas entre África e a capital baiana, que duraram 17 anos, Verger foi consagrado filho de Xangô, babalaô (o pai do segredo), e rebatizado Fatumbi. Sempre bem-humorado, passou a brincar com seu novo nome. Segundo ele, a partir dali qualquer traço de infantilidade em seu comportamento seria natural, pois Fatumbi significava nascido de novo.

Até os 50 anos, Pierre Verger nunca havia escrito uma linha. Dizia que não gostava de intelectuais porque falam demais, sempre procurando palavras da moda. "Estudo com o coração, não com o cérebro." Só começou a escrever pressionado pelo Institut Français de L’Afrique Noire, que não se satisfez com sua extensa produção fotográfica. A imagem foi sua primeira linguagem e talvez aquela na qual soube se expressar melhor. A luminosidade, os enquadramentos e a modernidade do grafismo de algumas fotos, como as velas em portos do Haiti, Cuba e Brasil, impres-sionam pela atualidade de um trabalho produzido há mais de 60 anos.