O Brasil não é um tigre, mas um elefante que caminha devagar e para a frente. A frase, do empresário Marcus Vinícius Pratini de Moraes, da associação de comércio exterior, não poderia definir melhor o clima de otimismo que tomou conta do País nos últimos dias. Após a sinistrose geral deflagrada em janeiro com a disparada do dólar, o desempenho da economia tem sido muito superior ao que a maioria dos especialistas esperava. O real vem se valorizando até demais – o que obriga o Banco Central a segurar o câmbio na faixa de R$ 1,65 –, os investidores estrangeiros já voltaram e, o que é mais importante nisto tudo, a inflação não disparou como o previsto. A Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) constatou que os preços dos alimentos aumentaram 0,09% na primeira quadrissemana de abril, contra 0,78% do período anterior. O que contribuiu para que a entidade revisse sua previsão de que o custo de vida neste ano seria de 12%. O prognóstico agora é de 9%. Tudo isso ajuda a afastar as nuvens negras que pareciam estacionadas por aqui. "Uma inflação menor é fundamental, pois a produção fica mais barata e facilita a exportação", esclarece Pratini de Moraes. Mas o fato mais importante desta semana, e que coroa a volta do otimismo, foi o sucesso do leilão da Comgás, a empresa de gás paulista. Tanto o Palácio dos Bandeirantes como o mercado apostavam num ágio de 50%. O leilão na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), realizado na quarta-feira 14, superou todas as expectativas. O consórcio da British Gas e da Shell levou a estatal por R$ 1,65 bilhão, valor 119,32% maior que o preço mínimo. "Estamos mais do que 100% satisfeitos com o resultado", brincou o vice-governador, Geraldo Alckmin.

O ótimo negócio da Comgás confirma a aposta de que as empresas internacionais estão fazendo no Brasil. "Existe aqui um mercado de gás imenso a ser explorado", declara Dioclécio de Araújo Filho, presidente da British Gas para a América do Sul. O gás representa hoje apenas 2% da matriz energética brasileira, contra a meta de 12% que o grupo prevê para o País no futuro. Cerca de US$ 200 milhões serão investidos na empresa privatizada, o que, somados aos dólares da compra da companhia, contribui para o aumento das reservas, que estão em US$ 44 bilhões. Assim como os grupos industriais internacionais voltaram a apostar no Brasil, também os bancos retomaram o ritmo de captação de dólares no Exterior, através da emissão de papéis. Entraram nessa onda ABN Amro Bank, Citibank, Itaú e Bradesco. Ao todo as instituições conseguiram US$ 1,3 bilhão. É um dinheiro mais barato que o oferecido internamente. Mesmo o governo brasileiro vai tentar fazer seu primeiro lançamento de papéis no Exterior depois do terremoto de janeiro. As pretensões iniciais eram de US$ 1,25 bilhão, mas o valor já subiu para US$ 3,75 bilhões e a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos estuda a autorização. "O mercado foi tomado pelo excesso de pessimismo em janeiro", diz Edmar Bacha, economista-chefe do banco BBA. "Agora está doido, salivando."

 

Ajuste fiscal Uma inflação bem menor que o esperado tem possibilitado também que o BC mexa no ponto crucial para a retomada do crescimento: os juros. Depois de ter empurrado as taxas para as alturas em março, quando chegaram a 45% ao ano, o presidente da instituição, Armínio Fraga, tem afrouxado o nó do aperto monetário significativamente. Isso porque uma alta de custo de vida menor exige menos restrição ao crédito e permite que as pessoas consumam mais sem colocar em risco a estabilidade da economia. Na quinta- feira 14, o governo determinou nova redução dos juros, desta vez de 39,5% para a casa dos 34%. Em contrapartida, a cotação do real em relação ao dólar já se valorizou, baixando dos temerários R$ 2,25 para R$ 1,65, encolhendo, por exemplo, a promoção da rede de eletrodomésticos Import Express, que tem anunciado com estardalhaço a venda de importados pelo câmbio de R$ 1,59.

Apesar da melhora de cenário, o Brasil está longe de estar com o caminho de retomada do crescimento sustentável. Os juros de 34% são ainda escorchantes e inibem as vendas, o que afeta inclusive a arrecadação de impostos. Em março, o governo federal arrecadou 11,41% a menos em relação ao mesmo período de 1998. O industrial Mário Bernardini, vice-presidente da Fiesp, lembra que é preciso mais folga para o desenvolvimento. "Se o governo não arregaçar a manga e baixar os juros para valer, as exportações não vão reagir", sustenta. É bom lembrar que existe um acordo com o FMI, considerado inviável, que prevê um superávit comercial de US$ 11 bilhões no ano. Uma das reivindicações dos analistas é a urgência de uma reforma tributária. O economista Dany Rappaport, do Banco Santander, lembra que boa parte dos impostos se sustenta nas operações financeiras. "Isso terá de mudar para viabilizar a queda dos juros. Não dá para cobrar uma CPMF de 0,38% se a taxa de juros for para 1,5% ao mês." Mesmo com o cenário melhor, a recessão ainda é certa em 1999 e as previsões mais otimistas apontam para uma queda do PIB em 2%. O presidente Fernando Henrique Cardoso não perdeu a oportunidade para comemorar a melhora em cadeia de tevê na terça-feira 13. Mas admitiu que o desemprego ainda é o principal problema. Prometeu um programa de habitação popular para criar empregos, o que, na verdade, seria apenas um pequeno auxílio para os 8% da população economicamente ativa que não têm onde arranjar trabalho.