Poderia ser uma outra história de filho pródigo, não fossem as circunstâncias que as cercam. O personagem em questão é o diretor Daniel Filho, que ficou famoso na Rede Globo, amargou o ostracismo fora dela e, na volta, devagarinho foi novamente estendendo seus tentáculos. Primeiro contentou-se em ser um dos diretores de criação, cargo assumido em fevereiro passado. Sem amargar uma longa espera, há três semanas ocupou oficialmente o comando da Central Globo de Criação (CGC). Agora é ele quem decide o que vai ou não ao ar na mais importante emissora do País. Daniel Filho sempre soube que chegaria lá. Jamais temeu a concorrência de outros diretores como Carlos Manga e Roberto Talma, que com ele formam a tríade da CGC. Sua gestão, no entanto, começou regada de dissabores, atingindo logo o filé mignon da casa, ou seja, as novelas. Não se tem conhecimento na história da Globo que todas as três, ao mesmo tempo, tenham registrado tão baixos índices de audiência. Pecado capital, o folhetim das seis, oscila entre as médias de 23 e 28 pontos na medição do Ibope – nem a fulgurante presença de Vera Fischer, chamada às pressas para tentar levantar o remake do antigo sucesso de Janete Clair, conseguiu salvá-lo do naufrágio. A recém-lançada Andando nas nuvens, três semanas depois da estréia, também navega mal nas ondas médias dos 29 pontos. Suave veneno, então, dá um vexame histórico no horário das oito. Quando vai bem, crava minguados 39 pontos, um índice muito pobre para a Globo.

É uma saia justa e tanto. Principalmente porque, segundo comentários de fontes globais quentíssimas, para alcançar o cargo cobiçado, Daniel Filho passou como um rolo compressor por cima do diretor Herval Rossano, demitindo-o – já se fala que ele poderá voltar à ativa – e armou um teatro daqueles. De acordo com as mesmas fontes foi ele e não os tais setores conservadores da sociedade quem iniciou e alimentou a polêmica em torno do casal de lésbicas Rafaela (Christiane Torloni) e Leila (Silvia Pfeifer), na novela Torre de Babel, de Silvio de Abreu. Houve, é certo, reações da Igreja e do público em geral, mas só depois de Daniel Filho ter levantado a bola do excesso de ousadia, arquitetando como "ombusdman" o início da sua ascensão. Na época, a emissora divulgou que as lésbicas e o drogado Guilherme (Marcelo Antony) foram eliminados da trama por decisão de Marluce Dias da Silva, diretora geral da Globo, depois de ela ter ouvido os bem-protegidos "grupos de discussão", que reúnem pessoas de diversas camadas sociais dispostas a opinar sobre as novelas. O curioso é que justamente os tais grupos teriam agora proposto um triângulo amoroso entre os personagens Uálber (Diogo Vilela) – que em Suave veneno faz um homossexual –, Claudionor (Heitor Martinez) e sua namorada Eliete (Nivea Stelman). Ao que consta Daniel Filho não se opôs.

Pois bem, ele assumiu o cargo pretendido e, para decepção geral, seu setor atravessa uma crise sem precedentes. A sinopse de Andando nas nuvens, por exemplo, já havia sido rejeitada por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, quando ele tinha poder. Naqueles tempos, nunca um personagem como o jornalista estereotipado o Chico Mota de Marcos Palmeira – uma chaminé ambulante – faria do cigarro um marketing tão descarado. O desastre em torno da novela virou piada contada na própria Globo, onde dizem que quem realmente tem andado nas nuvens é a direção da emissora. O folhetim assinado por Euclydes Marinho provavelmente está no ar por falta de melhores opções, mas pode ter ajudado o fato de ele pertencer ao círculo de amizades de Daniel. Nem todos, porém, compactuam com o novo-poderoso. Benedito Ruy Barbosa, que assinou o sucesso O rei do gado – atualmente em reprise vespertina –, fez questão de explicitar em seu contrato que Daniel Filho não pode interferir no seu trabalho. Barbosa é autor de O carcamano, a próxima novela das oito. Até lá espera-se que todos não sejam suavemente envenenados.


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