Embora ele não goste do apelido, o mundo todo conhece Vinton Cerf como o pai da Internet. Em 1974, esse engenheiro americano de 55 anos criou o protocolo TCP-IP, norma que rege o fluxo de informações na maior das redes de computadores. Orgulhoso da sua cria, ele a lambe em palestras ao redor do planeta. Prevê que em 2006 o número de usuários da rede superará o de pessoas com acesso a um telefone e que, já em 2003, o comércio eletrônico que saiu do zero em 1995, atinja US$ 3,2 trilhões, quatro vezes o PIB brasileiro. Vice-presidente da MCI/Worldcomm, uma das maiores operadoras de telefonia de longa distância dos EUA e dona da Embratel, Cerf esteve em São Paulo onde concedeu esta entrevista exclusiva a ISTOÉ.

ISTOÉ – O sr. é conhecido como o pai da Internet. Isso o incomoda?
Vinton Cerf – Sim. Um certo número de pessoas participou da criação da Internet, em particular meu parceiro Bob Kahn. Recebemos em 1997 a Medalha Nacional de Tecnologia (prêmio para os inventores equivalente ao Nobel) por esse trabalho. Por isso não me sinto confortável ganhando todo o crédito.

ISTOÉ – Dava para imaginar em 1974 as dimensões que a rede assumiria?
Cerf – Não. Nós sabíamos que a tecnologia era poderosa e que os computadores iriam se tornar mais potentes. Mas ninguém imaginava o fenômeno da computação pessoal nem que os PCs iriam ficar tão baratos.

ISTOÉ – Quais são a melhor e a pior coisas na Internet?
Cerf – A melhor coisa é que todo o mundo está conectado. E a pior é que todo o mundo está conectado (risos). Nesse meio ambiente virtual, a gente perde um pouco de privacidade, mas ganha muito em interação com outras pessoas. Ao virar uma ferramenta nas mãos do público, a rede abriga usuários que te irritam ao enviar vírus ou e-mails não-solicitados, bem como aqueles que montam sites com conteúdo agressivo, racista ou pornográfico. Isso não deveria nos surpreender. Ao tornar-se o meio de comunicação da humanidade, a rede abriga todo o tipo de gente, pessoas fantásticas e pessoas terríveis. Não há nada que possamos fazer para evitar isso.

ISTOÉ – Quais são os próximos desafios do ciberespaço?
Cerf – Grandes perigos são a possibilidade do estabelecimento de censura ou de impostos exagerados nas transações on line. O próximo desafio é encontrar meios de permitir o crescimento da rede. Nos últimos anos, ela cresceu mil vezes. Nesse ritmo, daqui a seis anos terá crescido um milhão de vezes.

ISTOÉ – Mas esse crescimento não é ilimitado. Ele tende a declinar.
Cerf – Certamente. Costumava pensar que essa desaceleração ocorreria na próxima década, mas agora não estou tão certo. Se olharmos a população da Net no fim do ano 2000, serão 300 milhões. Mas a humanidade possui seis bilhões de pessoas, o que significa que tocamos apenas 5% dela. Não é nada. Quantas pessoas nunca deram um telefonema? Três bilhões. E quantos têm acesso a um telefone? Um bilhão e meio? Se fosse possível dobrar a rede a cada ano, quanto tempo levaria para atingir toda a humanidade? Cinco anos. Mas a quantidade de equipamentos necessários é muito maior do que podemos suportar. Vai levar mais tempo.

ISTOÉ – Já se acessa a Web com pagers e celulares. O que vem depois?
Cerf – O uso de conexões por rádio. Tenho um link de rádio em casa que transmite dados aos meus PCs. Outra solução em vista é a conexão via satélite através de constelações como a Teledesic. A idéia de estar permanentemente ligado à rede é muito atraente. Será possível obter informações em qualquer lugar a qualquer hora. Como onde fica a churrascaria mais próxima? Os novos dispositivos acessarão o sistema de localização por satélite para informar: "Fica ali, a seis quadras daqui."

ISTOÉ – Esses aparelhos serão mais baratos que o PCs, não é?
Cerf – Sim e bem mais numerosos. Um dia haverá mais dispositivos ligados à rede do que pessoas no planeta. Quantos aparelhos já podem ser conectados? O PC, o notebook, o celular e o pager. Mas temos geladeiras, máquinas de lavar. Os microondas serão programáveis. Será possível copiar um programa melhorando suas funções, atualizando-o.

ISTOÉ – Ao se usar eletrodoméstico para navegar, qual papel restará à Microsoft?
Cerf – Boa pergunta. Não sei. A Microsoft ainda não produz microondas mas pode vir a colocar neles uma versão do Windows. Pense nas possibilidades. O que acontecerá quando o microondas for infectado pelo vírus Melissa e se recusar a cozinhar informando no monitor: "Não faço mais pipoca!"

ISTOÉ – O sr. quer levar a rede a outros planetas e criar uma Outnet?
Cerf – A Nasa lançará uma série de missões à Marte nos próximos anos. Eu trabalho com o Laboratório de Propulsão a Jato para colocar em algumas missões aparelhos para transmitir dados através de um Internet interplanetária. Em 2008, haverá sete satélites orbitando Marte. Eles receberão dados de equipamentos na superfície e os enviarão a servidores na Terra, facilitando aos cientistas o acesso às informações. A longo prazo, poderemos ter um servidor na superfície fornecendo imagens tiradas por câmeras espalhadas pelo planeta. A Interplanet não se restringirá a Marte. Haverá missões a outros planetas e asteróides. Quero tornar a rede parte integrante do programa de exploração do sistema solar.

ISTOÉ – A revista Time elegeu os maiores cérebros do século, entre eles Tim Berners-Lee, o físico inglês que em 1990 inventou a World Wide Web. Não acha que merecia um lugar nessa lista?
Cerf – (risos) Sempre que uma revista resolve fazer uma lista, seus jornalistas lutam para decidir quem vai ficar de fora. Não me ofendo por não ter sido incluído. Acho que cada pessoa na lista merece estar lá. Contento-me em saber que a Internet continua evoluindo e não me importo em saber quem ganha os créditos por isso.