Paloma (Paolla Oliveira) passou no vestibular de medicina, viajou para o Peru com a família para comemorar, descobriu que era adotada, conheceu Ninho (Juliano Cazarré), fugiu com ele, engravidou, voltou para o Brasil, deu à luz uma menina num banheiro de bar e teve a criança jogada no lixo pelo irmão Félix (Mateus Solano). Tudo isso aconteceu em menos de duas horas de narrativa (intervalo de comercial incluído), no primeiro capítulo de “Amor à Vida”, a nova novela do horário nobre da Rede Globo, que estreou na segunda-feira 20. A sucessão de acontecimentos segue o ritmo rápido das séries americanas e da navegação na internet. E consolida a nova tendência da dramaturgia, a da novela-série, que faz da embromação dos folhetins tradicionais coisa do passado.

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AVENTURA
Paolla Oliveira e Juliano Cazarré em cena no Peru: romance rápido

Nessa nova novela, a trama é ágil e já no segundo capítulo ocorreu uma grande reviravolta: a mocinha Paloma conheceu o seu par romântico, um viúvo (Malvino Salvador) que perdeu a mulher e o filho durante o parto e “adotou” a filha da heroína, encontrada numa caçamba.

Os assuntos são atuais: tratam da homossexualidade, do abandono infantil, do universo das periguetes e de enfermidades como o autismo, por exemplo. A resolução dos conflitos não fica para o dia seguinte, é apresentada no fim de cada capítulo, como nas séries.

O diretor-geral, Mauro Mendonça Filho, disse à ISTOÉ que o momento é de diálogo entre as linguagens das duas dramaturgias: “Vejo uma serialização da novela e uma novelização da série.Os dois formatos se complementam.”

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ELENCO EQUILIBRADO
Antonio Fagundes e Susana Vieira encabeçam o núcleo
central da trama: pais da heroína e do vilão

O cinema também serve como fonte de inspiração. A fotografia é mais elaborada, os movimentos de câmera dinâmicos e a edição de cenas bastante elíptica. “A modernidade exige a velocidade de informação e ação. Essa novela reflete essa modernidade”, diz o autor, Walcyr Carrasco, que estreia no time de ouro da Rede Globo, reservado para as novelas das nove. “O espectador não aguenta mais esperar meses para ver a solução de um mistério. Nesse novo modelo, os segredos têm de ser revelados em, no máximo, duas semanas”, afirma o pesquisador Claudino Mayer, doutor em ciências da comunicação e teledramaturgia pela Universidade de São Paulo (USP). O diretor de núcleo Wolf Maya entende que a reviravolta é necessária: “Estou cansado do velho formato de telenovelas e pretendo desafiá-lo.” Maya explicou que quer ser instigado pela narrativa cinematográfica e das séries para “sair da obviedade das novelas”.

Todas essas convicções caem por terra se não entrar em cena uma boa história a ser contada durante meses. Para se pagar e gerar lucro, jamais o folhetim poderá se travestir inteiramente de um seriado, que tem apenas 24 episódios por ano. Mas a serialização pode gerar, sim, uma diminuição de tamanho na ficção. “Uma novela com 160 capítulos é financeiramente viável e dá tempo para o público se acostumar e se desprender dos personagens”, diz Mayer. Na novela-série a duração que tende a se firmar é a de seis meses. Garante o faturamento e não cansa o público.

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Igualmente importante é ter a internet como eco. Frases dos personagens e perfis engraçadinhos ganham o Facebook e o Twitter, mostrando que a medição do Ibope está progressivamente mudando de endereço. Sabe-se que “Amor à Vida” é uma história que “já pegou” pela bombástica repercussão obtida nas redes sociais logo após a estreia. “Assisto aos capítulos com o Twitter e o medidor do Ibope abertos. No microblog a resposta é imediata como no teatro”, diz Mendonça. Os índices de audiência, até o momento, estão na casa dos 35 pontos. Personagens polêmicos também são um braço dessa nova linguagem. “Há um desgaste no formato clássico, do mocinho certinho”, diz ele. Na busca do espectador, “Amor à Vida” vai falar dos “diferentes”, como a autista Linda (Bruna Linzmeyer), o casal gay formado por Niko (Thiago Fragoso) e Eron (Marcello Antony), que quer ter um filho, e a periguete Valdirene (Tatá Werneck), que se tornará evangélica.

Todas essas mudanças respondem à realidade. “É preciso trabalhar muito para ter sucesso atualmente e buscar essa empatia inicial com o público. As séries, a vida real, os reality shows e até mesmo os programas jornalísticos dão a ele uma sensação mais dramática do que a ficção da novela”, diz o diretor.

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A novidade vai ao encontro, portanto, de uma demanda da própria sociedade, que não aceita mais qualquer lero-lero e se desconecta muito rápido se não se sentir envolvida. “Falta paciência ao telespectador. Os folhetins se aceleram para atender esse homem moderno”, diz Vitor Iorio, professor de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A novela-série surge, assim, como a redenção de um formato que há tempo agonizava: o novelão.

Fotos: Estevam Avellar, Zé Paulo Cardeal – TV Globo